sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

FIM À PENA DE MORTE

A ditadura que sobreveio ao golpe de 1964 produziu 426 mortos e desaparecidos. A maioria das mortes "oficiais" foi justificada por um artifício do regime militar: uma medida administrativa designada auto de resistência, ou resistência seguida de morte. Era o salvo-conduto para que policiais matassem opositores: o simples registro de um auto de resistência relegava a investigação às gavetas.
Cinquenta anos depois, o ato administrativo continua intocado e é considerado legítimo por autoridades policiais e judiciárias. Hoje, na mira da arma policial está, em maioria, uma população civil jovem, negra e sem antecedentes criminais.
O auto de resistência é um entulho da ditadura cuja motivação, antes política, passou a ter viés social. Em abril de 2008, ao justificar o assassinato de nove pessoas pela Polícia Militar na favela de Vila Cruzeiro (Rio), o coronel Marcus Jardim assim expressou a filosofia que norteia esses assassinatos: "A PM é o melhor inseticida social". A ideia que legitima a ação de maus policiais é a de que pobreza, cor da pele e criminalidade são sinônimos. A sociedade incorporou esses preconceitos --ou os preconceitos da sociedade contaminaram as polícias?
O relatório "Segurança: Tráfico e Milícia no Rio de Janeiro" examinou 12.560 autos de resistência na década de 1990 e concluiu: todas as mortes em ações policiais ocorreram nas favelas; 65% dos assassinados levaram pelo menos um tiro nas costas ou na cabeça, o que permite concluir que foram sumariamente executados. Os mortos foram sentenciados num julgamento em que o policial é o juiz e o carrasco.
Entre janeiro de 2010 e junho de 2012, 2.882 pessoas foram mortas pela polícia no Rio, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e São Paulo, numa média de três por dia --no ano passado, chegou a cinco.
Os Estados Unidos, no mesmo período, tiveram 410 desses casos. Em Nova York, a polícia atirou em 24 pessoas e matou nove em 2011. Naquele ano, o Rio teve 283 mortos por policiais; em São Paulo, 242.
Em 2012, eu e os deputados Fabio Trad (PMDB-MS), Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) e Miro Teixeira (Pros-RJ) apresentamos à Câmara o projeto de lei nº 4.471. Ele acaba com o auto de resistência, obriga a preservação da cena do crime, a perícia imediata e a coleta de provas e define a abertura de inquérito. Fica vetado o transporte das vítimas em "confronto" com os agentes, que devem chamar socorro especializado.
O Estado de São Paulo, no ano passado, tomou medidas para coibir a violência policial, em resposta à elevação constante das mortes em autos de resistência. Em 2012, o Estado registrou 546 mortos, contra 439 em 2011.
Relatório da ONG "Human Right Watch" registrou que, em 2012, 95% das pessoas feridas em confronto e transportadas por policiais morreram no trajeto ou no hospital. No início de 2013, o governo proibiu o registro dos autos de resistência e impediu que os policiais socorressem as suas vítimas. Em um ano, foi registrada queda de 39% dessas mortes no Estado e 47% na capital.
A aprovação do projeto de lei estenderá as medidas tomadas por São Paulo ao país. Será um tiro de morte em um dos mais perversos entulhos que o país carrega da ditadura, a licença para matar.

PETROBRAS BATE RECORDE DE PRODUÇÃO NO PRÉ-SAL ( Brasil 247)

Entregaram a Petrobras, por Vinícius Torres Freire





O pessoal do PT costuma dizer que o pessoal do PSDB é "entreguista", entre outros motivos porque pretendia privatizar a Petrobras. Pelo menos, costumava dizer. Não se ouve tal conversa desde que o governo do PT começou a entregar a Petrobras ao brejo.
Antes de continuar, note-se que alguns tucanos, economistas em particular, gostariam de ter privatizado a Petrobras. No entanto, FHC sempre recusou a ideia.
O preço das ações da Petrobras caiu ontem pelas tabelas, um dia depois do anúncio do resultado de 2013. O papel vale menos do que no início do século.
A dívida da empresa cresceu uns 50% no ano passado. A relação entre dívida e geração de caixa aumentou brutalmente em 2013. Investidores puseram a nota de crédito da empresa no bico do corvo.
Grosso modo, essa situação se deve ao fato de a empresa não fazer dinheiro bastante para compensar seu programa monstruoso de investimentos, "monstruoso" no bom sentido. A Petrobras é responsável por mais de 10% do investimento do país (da "formação bruta de capital fixo", de despesa em novas instalações produtivas etc.).
Por que a Petrobras dá passo maior do que a perna? O problema não é bem esse. Na verdade, o governo tem cortado a perna da empresa. Faz a petroleira gastar demais e faturar pouco.
A Petrobras gasta demais em um programa excessivamente generoso de compras de equipamentos nacionais, mais caros. Desastrosa mesmo, porém, é a obrigação da empresa de comprar combustível no exterior para vendê-lo abaixo do custo aqui no Brasil, história mais que sabida.
A Petrobras foi transformada numa seção do departamento estatal de controle de preços. O governo subsidia o combustível ao custo da saúde financeira da empresa. Como agora todo mundo sabe, tal subsídio, além de maquiar a inflação, provoca desastres em cadeia.
O subsídio incentiva o consumo de gasolina, o que, além distorcer a alocação de recursos, cria prejuízos ambientais.
O subsídio ajuda a desorganizar o setor sucroalcooleiro e agregados: a gasolina barata demais prejudica a produção de álcool. Assim, desarranja-se a produção de um setor que vai muito além de cana, açúcar e álcool, mas envolve ainda a cadeia de empresas de equipamentos para usinas de álcool e a rede de ciência e tecnologia nacionais que sempre estiveram associadas à cana e álcool.
O subsídio ajudou a prejudicar as contas externas. Ajudou a aumentar o crescente deficit externo, o que tornou ainda mais problemática a situação do país em um momento de indisposição da finança internacional de bancar essa conta. O subsídio prejudica a arrecadação de impostos de um governo que apresentou deficit crescentes em suas contas.
Trata-se de um desastre multidimensional.
A presidente de Petrobras, Graça Foster, fez sua carreira inteira na empresa, é dedicada, capaz e tem feito malabarismos a fim de evitar que a empresa afunde mais no brejo. Não vai dá pé, até que seja possível administrar a empresa com tal, como um negócio.
O governo tem reconhecido tacitamente bobagens que fez, como no caso das contas públicas. Precisa agora resolver a encrenca da Petrobras, a primeira de uma fila. 



Vinicius Torres Freire está na Folha desde 1991. Foi secretário de Redação, editor de 'Dinheiro', 'Opinião', 'Ciência', 'Educação' e correspondente em Paris. Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de terça a sexta e aos domingos