sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Médio, mas não medíocre - LUIZ GARCIA


O GLOBO - 28/02

Boas notícias, apenas no ensino básico: 98% das crianças de 6 a 14 anos chegaram à escola. É bom, mas é pouco



Há apenas uma boa notícia sobre a educação básica no Brasil: os responsáveis não estão procurando esconder da opinião pública a séria situação em que ela se encontra. E esta foi revelada pelo Censo da Educação Básica realizado no ano passado.

Em poucas e lamentáveis palavras: o ensino médio, depois da simples alfabetização, enfrenta uma crise de extrema gravidade: não apenas deixou de crescer como o número de matrículas diminuiu. No ano passado, a queda foi assustadora: 64 mil estudantes a menos. O ministro da Educação, José Henrique Paim, não escondeu o tamanho do buraco.

Nos últimos sete anos, com exceção de 2011, quando houve um modesto crescimento, o clima é de estagnação. Boas notícias, apenas no ensino básico: 98% das crianças de 6 a 14 anos chegaram à escola. É bom, mas é pouco: para crescer até modestamente, o país precisa de muito mais do que um nível aceitável de alfabetização.

Na área do ensino médio, a situação pode ser definida como crítica: no primeiro ano, uns 30% dos estudantes abandonam a escola ou são reprovados. É um número alto demais, com consequências negativas óbvias no crescimento do país. A crise é documentada por pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico no seu Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). A OCDE constatou que o Brasil, apesar de fazer esse teste com alunos já de 15 anos, o que não acontece em outros países, tem resultados inferiores aos demais. Não se pode dizer, vale a pena repetir, que os responsáveis pelo nosso sistema educacional estejam indiferentes ao problema.

A divulgação do Censo de Educação Básica prova que ninguém pensa em jogar o problema para debaixo do tapete, até mesmo, vale a pena repetir, porque o governo não dispõe de um tapete grande bastante para isso. E é até possível que as revelações assustadoras da pesquisa incentivem uma reação em todos os níveis da administração pública.

Afinal de contas, o problema é igualmente federal, estadual e municipal. E é bom não esquecer que ele ocorre na etapa talvez mais importante da educação dos nossos jovens cidadãos: o ensino médio. Quando ele tem graves deficiências, muitos deles têm problemas graves, seja para começarem a trabalhar, seja para buscarem um lugar nas universidades. Não podemos deixar que, nessa área, médio seja sinônimo de medíocre.

"Tarde triste" - ELIANE CANTANHÊDE


FOLHA DE SP - 28/02

BRASÍLIA - Depois da reviravolta de ontem no Supremo, que agora não reconhece mais o crime de quadrilha no mensalão, o foco está em dois personagens principais e antagônicos: o condenado José Dirceu e o algoz Joaquim Barbosa.

Dirceu foi citado pela Procuradoria Geral da República, pelo então relator Barbosa e pela maioria do antigo Supremo (aquele que condenou) como "chefe de quadrilha" --e condenado como tal pelos indícios e pelo conjunto da obra, mesmo sem provas factuais. E agora? Se não existiu quadrilha, como Dirceu pôde ter sido chefe de quadrilha?

Além da redução de pena e da troca do regime fechado pelo semiaberto, Dirceu está em condições de dar um outro drible na condenação, aproveitando o novo equilíbrio interno no Supremo: a "revisão criminal".

Significa entrar com recurso para uma nova apreciação das outras condenações, mesmo depois de tramitado em julgado. Está previsto no Código do Processo Penal e no Regimento Interno do STF. Você aí, então, pode ir se preparando para a absolvição e, da absolvição, para a santificação.

Vitória de Dirceu, derrota de Joaquim Barbosa. Visivelmente abatido, trocando a arrogância de outros tempos pelo ar de desânimo, ele disse que foi "uma tarde triste para o Supremo" e considerou que "todo o trabalho foi lançado por terra".

Joaquim conquistou amor e ódio como relator do mensalão e depois como primeiro presidente negro do Supremo. Virou um personagem nacional, despertou a cobiça de partidos políticos, achou que estava fazendo história --e talvez estivesse, e esteja, mesmo. Mas vale para ele a mesma pergunta feita para Dirceu, às avessas: e agora? Como conviver como minoria num tribunal onde foi maioria? Pior: como deixar de presidir e passar a ser presidido justamente por Lewandowski em novembro?

Assim como Dirceu é candidato a ex-condenado, Joaquim Barbosa bem pode se tornar candidato a senador, presidente... E a luta continua.

Redução de danos - NELSON MOTTA


O GLOBO - 28/02

As qualidades e os defeitos de Lula todo mundo conhece, mas os de Dilma vão aparecendo aos poucos


Com juros e inflação altos, e baixos crescimento e investimentos, alguns oposicionistas já preferem até a volta de Lula aos riscos da continuação de Dilma. Aceitam abrir mão de um candidato de oposição em favor de Lula só para se livrar de Dilma e de sua equipe, seu estilo e sua gestão econômica. Os mais cínicos dizem que teria saído mais barato ao país ter dado um terceiro mandato a Lula.

Muitos empresários e políticos certamente têm mais saudades de Lula do que esperanças em Aécio Neves e Eduardo Campos. A grande maioria da população diz que quer mudanças, com ou sem Dilma, mas que mudanças esperar com Lula?

Como é muito inteligente e sabia de sua ignorância no assunto, Lula ignorou os ideólogos do PT e entregou a área econômica a Antonio Palocci e Henrique Meirelles, que tiveram um desempenho notável, reconhecido até pela oposição. Com Dilma é diferente, ela é formada em economia, tem ideias próprias sobre o assunto, é “desenvolvimentista” com DNA marxista/brizolista. E, para piorar, muitas vezes nem Lula consegue contestá-la.

As qualidades e os defeitos de Lula todo mundo conhece, mas os de Dilma vão aparecendo aos poucos. Trapalhadas e prejuízos elétricos, petrolíferos e aeroportuários desgastam a imagem da gerentona. E ninguém tem mais ilusões de que ela seria mais intolerante com a corrupção do que Lula, a imagem da faxineira perdeu-se na volta dos faxinados ao poder. Os grotões, o pessoal do Bolsa Familia e os menos escolarizados são os seus maiores eleitores.

Para complicar, a tragédia anunciada da Venezuela e o avanço da Argentina para o abismo confirmam a falência do modelo bolivariano e o desastre do kirchnerismo, que têm em comum, além do esquerdismo e da incompetência na gestão econômica, a perseguição à imprensa e aos adversários políticos, a intolerância a qualquer crítica e atribuir a culpa sempre à direita e aos Estados Unidos. O maior perdedor na derrocada da Venezuela e da Argentina é o Brasil, pelos imensos prejuízos às nossas exportações, mas perderemos menos se Dilma entender os sinais e fizer o contrário do que fazem Maduro e Cristina.