FOLHA DE SP - 21/07
Se conseguirmos reduzir o gasto com juros, o que sobrará para o Tesouro estará longe de ser panaceia
Nas últimas semanas, tenho defendido que, apesar da elevadíssima carga tributária, a má qualidade dos serviços públicos não se deve a ineficiências generalizadas ou à elevadíssima corrupção.
Tenho argumentado que o gasto é muito elevado por causa de transferências a grupos da sociedade --a maior parte delas aprovadas pelo Congresso Nacional--, que oneram muito o Tesouro Nacional.
Adicionalmente, tenho defendido a ideia de que a operação interna do setor público e as regras de direito administrativo às quais o Estado está sujeito deixam muito pouco espaço para que o Executivo melhore a qualidade com medidas de gestão.
Qualquer agenda de melhoria dos serviços públicos passará necessariamente por novas rodadas de elevação da carga tributária e por complexo programa legislativo de mudanças institucionais do Estado.
Uma rubrica do gasto público de que não tratei até o momento em minhas colunas é do custo do pagamento de juros.
Em geral, os economistas não consideram esse item quando avaliam a situação fiscal do Estado. O motivo é que o gasto com juros não é controlado pela autoridade fiscal. Ele é determinado pela taxa de juros, ligada à política de combate à inflação, e pelo tamanho da dívida pública sobre a qual os juros incidem.
Para a redução da conta com juros, são necessários muitos anos de política fiscal conservadora, que diminuam a dívida pública e, assim, o peso dessa rubrica no Orçamento.
O grande problema com os juros é que, apesar de não estar nas mãos da Fazenda determinar esse gasto, ele representa uma real transferência de renda da sociedade aos poupadores ou rentistas (como desejar o leitor). Esse mecanismo de transferência torna o debate sobre o pagamento de juros um tanto quanto ideológico, o que leva a erros básicos de interpretação.
Por exemplo, é comum pessoas contabilizarem como gasto com juros a amortização da dívida pública. Suponha que um inquilino de um imóvel, após alguns anos, tenha que desocupá-lo, pois o senhorio o requisitou. Considerar que a amortização de um empréstimo é um gasto é equivalente a achar que no ato de devolução de um imóvel alugado o inquilino tem despesa equivalente ao valor do imóvel!
Ao amortizar uma dívida, o Tesouro Nacional está somente devolvendo algo que não lhe pertence.
Entendido esse ponto, é possível dizer que o gasto público com juros tem rodado desde 2008 na casa de 5% do PIB ao ano. Se essa conta fosse substancialmente reduzida, sobraria espaço para melhorar a qualidade do gasto público sem ter que aumentar a carga tributária.
Ocorre que esses números referem-se aos gastos com juros nominais. Os papéis financeiros que compõem a dívida pública perdem valor com a inflação. Assim, parte dos juros pagos simplesmente recompõe o valor do ativo financeiro.
A parcela do pagamento de juros aos rentistas que só repõe o valor real do ativo financeiro não é renda de fato para o detentor do título público. A renda é um recurso que as pessoas têm para gastar sem que a sua situação patrimonial se reduza.
Se elas gastam a correção monetária dos recursos investidos na dívida pública, estão gastando mais do que a renda. E, se essa parte não é renda para o rentista, tampouco é gasto real para o Tesouro.
A inflação no Brasil tem rodado na casa de 5% ao ano, e a dívida pública encontra-se por volta de 40% do PIB. Multiplicando a dívida pela inflação, chega-se a 2% do PIB. Ou seja, dos 5% do PIB de pagamento dos juros nominais, somente 3% correspondem aos juros reais pagos. Esse é, de fato, o gasto do Tesouro Nacional com sua dívida.
Se mantivermos uma política fiscal conservadora por mais alguns anos e conseguirmos reduzir essa conta dos 3% do PIB para 1%, algo mais próximo da experiência internacional, aparecerá no caixa do Tesouro uma parcela adicional de recursos de 2% do PIB. Está longe da panaceia que alguns acreditam.
Há os que consideram que a conta salgada dos juros pagos aos rentistas é o grande problema fiscal brasileiro e que, uma vez resolvida essa questão, muito mais Orçamento será liberado para investimentos e políticas públicas.
Como procurei mostrar neste artigo, é bom que essas pessoas comecem a buscar recursos em outras rubricas das contas públicas.
Se conseguirmos reduzir o gasto com juros, o que sobrará para o Tesouro estará longe de ser panaceia
Nas últimas semanas, tenho defendido que, apesar da elevadíssima carga tributária, a má qualidade dos serviços públicos não se deve a ineficiências generalizadas ou à elevadíssima corrupção.
Tenho argumentado que o gasto é muito elevado por causa de transferências a grupos da sociedade --a maior parte delas aprovadas pelo Congresso Nacional--, que oneram muito o Tesouro Nacional.
Adicionalmente, tenho defendido a ideia de que a operação interna do setor público e as regras de direito administrativo às quais o Estado está sujeito deixam muito pouco espaço para que o Executivo melhore a qualidade com medidas de gestão.
Qualquer agenda de melhoria dos serviços públicos passará necessariamente por novas rodadas de elevação da carga tributária e por complexo programa legislativo de mudanças institucionais do Estado.
Uma rubrica do gasto público de que não tratei até o momento em minhas colunas é do custo do pagamento de juros.
Em geral, os economistas não consideram esse item quando avaliam a situação fiscal do Estado. O motivo é que o gasto com juros não é controlado pela autoridade fiscal. Ele é determinado pela taxa de juros, ligada à política de combate à inflação, e pelo tamanho da dívida pública sobre a qual os juros incidem.
Para a redução da conta com juros, são necessários muitos anos de política fiscal conservadora, que diminuam a dívida pública e, assim, o peso dessa rubrica no Orçamento.
O grande problema com os juros é que, apesar de não estar nas mãos da Fazenda determinar esse gasto, ele representa uma real transferência de renda da sociedade aos poupadores ou rentistas (como desejar o leitor). Esse mecanismo de transferência torna o debate sobre o pagamento de juros um tanto quanto ideológico, o que leva a erros básicos de interpretação.
Por exemplo, é comum pessoas contabilizarem como gasto com juros a amortização da dívida pública. Suponha que um inquilino de um imóvel, após alguns anos, tenha que desocupá-lo, pois o senhorio o requisitou. Considerar que a amortização de um empréstimo é um gasto é equivalente a achar que no ato de devolução de um imóvel alugado o inquilino tem despesa equivalente ao valor do imóvel!
Ao amortizar uma dívida, o Tesouro Nacional está somente devolvendo algo que não lhe pertence.
Entendido esse ponto, é possível dizer que o gasto público com juros tem rodado desde 2008 na casa de 5% do PIB ao ano. Se essa conta fosse substancialmente reduzida, sobraria espaço para melhorar a qualidade do gasto público sem ter que aumentar a carga tributária.
Ocorre que esses números referem-se aos gastos com juros nominais. Os papéis financeiros que compõem a dívida pública perdem valor com a inflação. Assim, parte dos juros pagos simplesmente recompõe o valor do ativo financeiro.
A parcela do pagamento de juros aos rentistas que só repõe o valor real do ativo financeiro não é renda de fato para o detentor do título público. A renda é um recurso que as pessoas têm para gastar sem que a sua situação patrimonial se reduza.
Se elas gastam a correção monetária dos recursos investidos na dívida pública, estão gastando mais do que a renda. E, se essa parte não é renda para o rentista, tampouco é gasto real para o Tesouro.
A inflação no Brasil tem rodado na casa de 5% ao ano, e a dívida pública encontra-se por volta de 40% do PIB. Multiplicando a dívida pela inflação, chega-se a 2% do PIB. Ou seja, dos 5% do PIB de pagamento dos juros nominais, somente 3% correspondem aos juros reais pagos. Esse é, de fato, o gasto do Tesouro Nacional com sua dívida.
Se mantivermos uma política fiscal conservadora por mais alguns anos e conseguirmos reduzir essa conta dos 3% do PIB para 1%, algo mais próximo da experiência internacional, aparecerá no caixa do Tesouro uma parcela adicional de recursos de 2% do PIB. Está longe da panaceia que alguns acreditam.
Há os que consideram que a conta salgada dos juros pagos aos rentistas é o grande problema fiscal brasileiro e que, uma vez resolvida essa questão, muito mais Orçamento será liberado para investimentos e políticas públicas.
Como procurei mostrar neste artigo, é bom que essas pessoas comecem a buscar recursos em outras rubricas das contas públicas.