segunda-feira, 24 de junho de 2013

Revoltados e atrasados - GUILHERME FIUZA


REVISTA ÉPOCA


O melhor diagnóstico até agora sobre as manifestações de rua veio do ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência. Ele disse que as revoltas são estaduais e municipais. Não deixa de ser um alívio. Quem quiser ficar a salvo da confusão, já sabe: refugie-se no Brasil federal. Nada de ficar vagando pelo Brasil estadual e municipal, porque esse anda muito perigoso, cheio de gente insatisfeita e nervosa. No Brasil federal não, está tudo tranquilo.

Por sorte, Dilma Rousseff também está no Brasil federal, portanto a salvo do tumulto. Desse lugar calmo, sem culpa, ela disse que o que os manifestantes querem é o que o governo quer. São praticamente almas gêmeas. "Meu governo está ouvindo essas vozes pela mudança. Está empenhado e comprometido com a transformação social", informou Dilma. Disse que passeata é uma coisa normal, que ela mesma já fez muito. Parecia prestes a botar uma mochila nas costas e ir para a Avenida Paulista fazer a transformação social.

E mostrou sua visão de estadista: "Esta mensagem direta das ruas contempla o valor intrínseco da democracia".

Às vezes, Dilma exagera na erudição. Vai acabar deixando Luís de Camões encabulado. Ela já explicara que o combate à inflação é "um valor em si", demonstrando conhecimento profundo sobre as coisas da vida e seus valores intrínsecos.

"Esta mensagem direta das ruas é de repúdio à corrupção e ao uso indevido de dinheiro público", afirmou Dilma, praticamente uma porta-voz dos revoltosos contra tudo isso que aí está.

Olhando para o circo, só há uma conclusão possível: os revoltosos - os do passe livre, os dos 20 centavos, os do Ocupem Wall Street sucursal brasuca, os do turismo cívico e os do civismo vândalo - merecem Dilma. Repetindo: os revoltosos merecem Dilma. Mais que isso: são cúmplices dela, pois estavam sentadinhos em casa, enquanto a grande líder mulher brasileira perpetrava suas obras completas de explosão das finanças públicas - a céu aberto, para quem quisesse ver. Agora a inflação dói no bolso? Tarde demais, meus queridos justiceiros.

Essa "presidenta", que vive lá na calmaria do Brasil federal com seus 40 ministérios (contando o do marketing, de João Santana, o único essencial), presidiu, entre outras festas, a distribuição de dinheiro público para o milagre da multiplicação de estádios da Copa. Em São Paulo, numa jogada comandada por Lula e seus amigos empreiteiros (que ele representa no exterior), o histórico Morumbi foi mandado para escanteio. Em seu lugar, surgiu o Itaquerão, novinho em folha, presente do ex-presidente ao seu clube do coração. Um mimo de R$ 1 bilhão. Sabem de onde vem esse dinheiro, bravos manifestantes? Exato: dos vossos bolsos. E onde estavam vocês quando nos esgoelávamos, aqui da imprensa, sobre essa gastança populista, protegida por índices lunáticos de aprovação da "presidenta", e avisávamos que a conta chegaria? Vocês não leem jornal?

Onde estavam vocês, quando a CPI do Cachoeira - com revelações da imprensa - estourou o esquema da Delta, empreiteira campeã de obras superfaturadas do PAC? Vocês sabiam que mais esse ralo de dinheiro público do governo popular ficou impune porque a CPI foi asfixiada por Dilma e sua turma? Por que vocês não saíram às ruas para gritar contra esse golpe?

Onde estavam vocês quando a "faxineira" asfixiou a CPI do Dnit e a investigação do maior foco parasitário de um governo que - no seu primeiro ano! -teve de demitir sete ministros suspeitos? Vocês não desconfiaram de nada? Vocês não leram que o dinheiro de vocês escoava para ONGs de fachada em convênios fantasmas? Vocês não viram essa praga, espalhada por vários ministérios do governo popular, apesar de a imprensa esfregar o escândalo na cara do Brasil? Vocês não notaram que a tecnologia do mensalão, a privatização partidária do dinheiro público, nunca saiu de cena, de Dirceu a Rosemary?

Vocês chegaram tarde, meus caros revolucionários. Quando o bolso dói, é porque o estrago nas contas públicas já é grande. Bem, antes tarde do que nunca. Mas prestem atenção: entendam logo o que vocês estão fazendo nas ruas, senão suas passeatas em breve estarão no mesmo museu dos escândalos que vocês não viram.

Fantasia Desorganizada


 
24/06/2013- 05h43
Não é com as Diretas Já ou o Fora Collor que se parecem as manifestações atuais.
Aquelas iniciativas foram enquadradas e dirigidas por líderes políticos. Possuíam objetivo único e bem definido: o fim da ditadura, o fim de um presidente. Visavam, no fundo, substituir os que detinham o poder.
O movimento de agora é um primo pobre e muito longínquo de Maio de 68. Não apenas na maciça participação de jovens e estudantes, na caótica desorganização (Maio de 68 era bem mais estruturado), na rejeição do sistema político.
As maiores semelhanças são de essência: não querem conquistar o poder, mas, num caso, o de 68, “mudar a vida”, no outro, “mudar o Brasil”.
O Movimento Passe Livre é muito mais prosaico no ponto de partida: o protesto contra o aumento das passagens. Se desta vez o protesto “pegou”, foi porque o descaso com a inflação provocou o agravamento dos conflitos distributivos, como dizem os economistas.
O MPL não tem nem de longe a radicalidade universal do sonho utópico de Maio de 68. Tampouco se compara com os parisienses no sopro poético de buscar no Manifesto Surrealista a inspiração para inesquecíveis slogans como: “Seja realista: exija o impossível!”.
Não obstante, os manifestantes brasileiros não carecem de virtudes estimáveis. Restabeleceram o exercício direto da cidadania, demonstraram que o mar de corrupção não afogou a consciência moral dos jovens, revelaram senso de hierarquia de valores e prioridades superior ao de um governo empenhado em anestesiar os cidadãos com o desperdício circense da Copa.
Onde os nossos jovens se meteram num beco sem saída foi na rejeição em bloco de toda a política. Se quiserem purificar o sistema político, terão de enfiar as mãos na massa, canalizar a insatisfação para as eleições, único meio legítimo de conquistar o poder e mudar a sociedade.
Os discípulos de Marcuse não queriam virar governo por crerem que todo poder é dominação e alienação. Condenaram-se à impotência e ao niilismo: não é de surpreender que tenham dado lugar aos movimentos terroristas dos anos de chumbo.
Nosso movimento é uma manifestação a mais da crise mundial da democracia representativa. A saída, porém, está em construir mecanismos de participação direta que corrijam os desvios do sistema. Como, por exemplo, o “recall”, a revogação do mandato pelos eleitores.
Não será fácil, mas um foco claro como esse é mais exequível do que esperar que um sistema irremediavelmente sórdido e corrupto se reforme sem pressão irresistível do povo.
A euforia das passeatas, a intoxicação de se sentir ator e sujeito do próprio destino, traz de volta o que ensinavam os gregos: a mais nobre expressão da vida humana é participar do governo da cidade. Para isso, é preciso ter, como dizia Celso Furtado, uma “fantasia organizada”.
Não se pode ter manifestação sem itinerário, sem segurança que elimine os provocadores, sem respeito à liberdade e propriedade alheia.
Na falta disso, cai-se no “espontaneismo”. Na Espanha, espontâneo é aquele entusiasta de tourada que salta na arena para tourear com o paletó. Quase sempre acaba em tragédia e chifrada…
rubens ricupero
Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), ministro da Amazônia e do Meio Ambiente, ministro da Fazenda (governo Itamar), embaixador em Genebra, Washington e Roma. Escreve quinzenalmente, aos domingos, na versão impressa de “Mercado”.

O pós-protesto

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO - O Estado de S.Paulo
Mesmo antes de o gás lacrimogêneo baixar, algumas consequências da onda de manifestações são visíveis. A saber:
1) Dilma Rousseff está pagando o pato. A presidente não era o alvo das manifestações tempestivas, mas virou seu para-raio. Sua popularidade caiu e continua caindo. No IndiPop do Estadão Dados, que faz uma média de pesquisas de avaliação divulgadas ou não, seu saldo de aprovação (ótimo+bom menos ruim+péssimo) caiu 18 pontos desde março. Só na semana passada, foi de 45 para 40 pontos. Os protestos reforçaram a tendência de queda (blog.estadaodados.com/indipop).
2) A classe média tradicional cansou de Dilma e do PT. A perda de popularidade de Dilma ocorre em todas as regiões e segmentos, mas se concentrou na classe média tradicional. Foi ela, e não os emergentes, que se insurgiu nas ruas. No Sul, no Sudeste e entre quem ganha mais de 10 salários Dilma está num patamar típico de reta final do primeiro turno presidencial. É como se a presidente já tivesse sofrido o desgaste típico de uma campanha eleitoral com ataques e denúncias da oposição.
3) Revolta contra partidos cria espaço para aventuras. Dilma e o PT perdem mais porque têm mais a perder. Mas a revolta é contra os partidos em geral, e a incapacidade do atual sistema político de produzir resultados. Assim, não necessariamente os partidos de oposição, como o PSDB, vão se beneficiar do desgaste dos rivais. Está aberta a porta para salvadores da pátria.
4) Protestos reabriram cenário de 2014. Até poucas semanas atrás, Dilma era franca favorita a se reeleger no primeiro turno. Agora, age para consolidar sua candidatura dentro do próprio partido, contra a turma do "volta Lula". Mais partidos deverão lançar candidatos a presidente, tentando capitalizar parte do descontentamento. A briga é pela outra vaga no segundo turno, porque uma ainda é dos petistas.
5) Manifestações viraram arma para todos os lados. O PT e a esquerda perderam o monopólio das manifestações de rua. Quem saboreou o reconhecimento público e a vitória de suas reivindicações (afinal, revogaram o aumento da passagem, a presidente teve que dar satisfações na TV) aprendeu que tem outras formas de fazer valer seus interesses além do voto. Engajamento tende a aumentar; novas lideranças, a aparecer.
6) Reforma política não é para políticos. A discussão sobre a necessidade de reformar a política deixa de ser assunto exclusivo para políticos profissionais. Novas ideias de representação, diminuindo o poder dos partidos, ganham força. A proposta de financiamento público de campanha está enterrada: dar mais dinheiro de impostos para políticos aparecerem bem na TV é capaz de provocar uma nova onda de protestos.
7) Procura-se um slogan que mobilize todos. A personalização do consumo chegou à política. Motes universais como "combate à fome" já não bastam. As manifestações "pós-20 centavos" mostraram uma enorme pulverização dos desejos. Se alguém conseguir uni-los sob um mote único, larga com grande vantagem sobre os rivais. Mas talvez esse slogan não exista.
8) Quem agrada gregos desagrada troianos. Dilma fez o que era esperado dela ao dar a cara para bater em rede de TV. Tentou transformar a agenda negativa em positiva, recolocando em pauta, por exemplo, a destinação do dinheiro do pré-sal para a educação. Mas quando falou em trazer milhares de médicos do exterior, cutucou um vespeiro. Os nacionais reagiram nas redes sociais e é capaz de irem às ruas. Agora é assim.
9) Espiões sabem menos que as redes sociais. Os órgãos de "inteligência" do governo não previram nada do que aconteceu no Brasil. Caíram em desgraça, por obsoletos. Não é à toa que Obama é fã de bisbilhotar e-mails, SMS e toda forma de comunicação eletrônica. 007 agora é hacker.
10) Não tem décima. "Abaixo os números redondos!"