domingo, 23 de junho de 2013

Seis mil sem-teto no quintal do presidente (lá e cà, oh, São Paulo)

DENISE CHRISPIM MARIN , CORRESPONDENTE / , WASHINGTON - O Estado de S.Paulo
Charles, Chris, Vendora, Anne, Paul, Sigfredo e mais de seis mil pessoas fazem parte da triste paisagem humana nas vizinhanças da Casa Branca. Frustrados com as promessas não cumpridas pelo vizinho mais nobre, o presidente dos EUA, Barack Obama, eles têm em comum a condição de sem-teto na capital da maior potência do planeta.
Em Washington, há 6.865 pessoas sem habitação, segundo um recente estudo da associação independente Metropolitan Washington Council of Governments. Trata-se de 1% da população, concentrado especialmente na região onde estão os prédios do governo, monumentos, museus, escritórios de lobby, centros de estudos, hotéis e restaurantes. Somados, os sem-teto da região metropolitana de Washington, que abrange cidades vizinhas dos Estados de Virgínia e Maryland, são 11,5 mil pessoas.
A crise financeira contribuiu especialmente para que o número de sem-teto de Washington aumentasse 10% entre 2009, quando foram percebidos os sinais mais profundos da débâcle econômica, e 2012. Obama começou seu governo em 2009. Mas não caminhou nas redondezas para observar o que se passa nos arredores do poder.
Os gramados das praças Franklin e McPherson, a poucas quadras da sede do governo, têm moradores fixos, assim como as calçadas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Correio dos EUA, as saídas de ar da estação Metro Center e a marquise da Biblioteca Martin Luther King.
"Eu queria que, em vez de desperdiçar o dinheiro com a guerra do Afeganistão, a vigilância sobre telefones e mais uma lista infinita de coisas estúpidas, o governo olhasse para albergues e oferta de casas a sem-teto, para educação e a saúde", afirmou James Barclay, 59 anos, veterano do Vietnã e aposentado depois de um acidente de trabalho em uma construção.
"Sei o que está se passando no país. Leio os jornais. Tenho muito tempo pra isso. É chocante ver a quantidade de sem-teto em Washington", completou TJ, de 45 anos, mais conhecido na Praça Franklin como Chris.
Barclay tenta há anos ter acesso aos programas de ajuda oferecidos pelo Departamento de Veteranos, cujo prédio está a apenas uma quadra da praça Franklin. Já se inscreveu várias vezes, sem sucesso. Ele não fala dos combates no Vietnã. Conta ter se alistado voluntariamente, viajado durante anos pelo país depois do conflito e mergulhado no alcoolismo e nas drogas. Livre dos vícios, mas enfermo, ele hoje dorme "como um gato", para não ser roubado por outros sem-teto.
Os veteranos de guerras formam um grupo especial entre os sem-teto de Washington. Atualmente, 499 veteranos vivem na cidade nessas condições. Em 2009, eram 702. Na região metropolitana, houve queda de 31% nesse total - de 1.004 para 692. Em boa medida, a redução deveu-se a programas do Departamento de Veteranos e às famílias.
Ex-presidiário, TJ escolheu a Praça Franklin para "estacionar" um carrinho de supermercado repleto de seus últimos pertences. Instalou-se no local há seis semanas como "ato de protesto" contra a presença, ao redor do jardim, das mais abastadas consultorias de lobby de Washington. Na hora do almoço, funcionários dos escritórios dividem com os sem-teto os bancos, enquanto comem tacos ou sanduíches comprados em trailers de fast-food.
Segundo o estudo, 512 pessoas estão vivendo nas ruas, sem procurar abrigos. Barclay afirmou preferir a praça a misturar-se com pessoas que não se banham e com os viciados em drogas. "Há muitas situações ruins dentro de um albergue", afirma. Mas há quem prefira o conforto de uma cama.
Há sete anos, Paul Allou espera todo fim de tarde na marquise da Biblioteca Martin Luther King pelo ônibus que leva pessoas sem-teto do centro para os diferentes albergues de Washington. Dorme e se alimenta no abrigo e, na manhã seguinte, retorna para o mesmo lugar. A biblioteca, a seis quadras da Casa Branca e vizinha do National Portrait Museum, tornou-se um celeiro de sem-teto. O ex-professor de Literatura Francesa em colégios da Costa do Marfim agora passa os dias pesquisando e lendo.
Allou emigrou para os EUA há 23 anos esperando encontrar uma vida melhor e mais fácil. Escapou de duas guerras civis em sua terra natal na última década. Na América, trabalhou como carpinteiro em construções até ser demitido, em 2006. Desde então, procura emprego e vive com os US$ 200 mensais recebidos do programa Selo Comida, do governo federal, e de bicos como jardineiro e pintor de paredes.
"Estava animado com a reeleição do Obama. Fiz campanha por ele. Mas eu continuo estagnado, mais ainda do que a economia dos EUA, e à procura de trabalho", afirmou Allou pouco antes de tomar o ônibus. "Ser um sem-teto é como perder-se a si mesmo. É muito frustrante", completou.
A esperança da maioria dos sem-teto é conseguir uma casa onde possam viver de forma independente. O aluguel de um quarto modesto em Washington não sai por menos de US$400. Instituições como o albergue CCNV e a Christ House têm programas para subsidiar o aluguel de apartamentos, com a ajuda do governo municipal. Mas a demanda extrapola a oferta.
Vendora tornou-se uma sem-teto em 2006, quando perdeu seu emprego no governo da capital. Ela reparava ruas. Sem trabalho, perdeu a casa e não quis pedir ajuda à família, para não comprometer sua independência. No dia 25, deverá receber seu apartamento do CCNV. "O meu sonho, agora, é comprar a mobília", afirmou.
Segundo o estudo o estudo da Metropolitan Washington Council of Governments, o uso crônico de drogas e álcool, o histórico de prisões, a deficiência física e a doença mental severa estão entre os males sofridos pela grande maioria dos sem-teto. A violência doméstica supera essas mesmas causas quando se trata de famílias que vivem em albergues. Em Washington, há 983 famílias sem-teto.
"Certamente, a habilidade de tratar um grande número de indivíduos com problemas de saúde mental teria um efeito positivo na redução do número de pessoas sem-teto", afirmou Hilary Chapman, uma das autoras do estudo do COG.

Prostitutas felizes - DIANA LICHTENSTEIN CORSO


ZERO HORA - 23/06

Que fantasias estariam realizando as prostitutas que dizem estar satisfeitas com seu trabalho?



Você acredita que prostituir-se pode fazer alguém feliz? Em uma campanha governamental visando combater a discriminação às profissionais do sexo, aparecia a foto de uma mulher com o texto "eu sou feliz sendo prostituta". Frente à reação negativa, principalmente por parte da bancada religiosa, a campanha foi suspensa e o diretor do Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis exonerado. De fato, a profissão mais antiga do mundo sempre foi um enigma e um judas a ser malhado.
Recomendo a leitura de um livro: Pagando por Sexo (Ed. Martins Fontes, 2012), que está longe de ser um tratado erudito sobre o assunto. É uma novela gráfica, escrita e desenhada pelo quadrinista canadense Chester Brown. Explicitamente autobiográfica, a obra conta como, após levar um fora da namorada, o autor tornou-se avesso ao romantismo e decidido a não mais sofrer por amor. Para viabilizar isso, sua vida sexual resumiu-se a profissionais do sexo. Em defesa de sua escolha, duramente criticada pelos amigos, argumentava que "as pessoas que precisam de relacionamentos românticos são inseguras, elas precisam que alguém lhes diga que são dignas de amor". Chester teria se libertado dessa necessidade. Ao longo do livro, expõe sua posição de viver alheio ao amor, embora visivelmente dedique-se carinhosamente às prostitutas. Curioso, quis saber sobre cada uma delas, mas em sua peregrinação descobriu muito mais verdades sobre a própria sexualidade. Foi seu jeito.
Nos prostíbulos, a clientela é diferente da horda de safados que se imagina. Entre o público das profissionais há muita gente como Chester, em busca de paz ou de respostas, todo tipo de confusos, fóbicos, tímidos, inseguros, enfim, neuróticos em geral. Para estes e para todos nós, o interesse pela profissão transcende os detalhes pornográficos, disponíveis em qualquer filme barato. O enigma está no sexo sem amor. Mais do que posições e orgasmos, esperamos que o desejo sexual contenha a essência do amor. Ali haveria uma espécie de verdade da carne, das palavras desconfiamos, sabemos que podem mentir. Porém, quando sexo e amor se dissociam, o que ocorre com surpreendente facilidade, já não sabemos em que acreditar. Todas as formas de sexualidade que abalem os clichês românticos nos deixam desamparados.
Na verdade, cada um transa com a própria fantasia. Em vez da idealizada fusão dos corpos, na melhor das hipóteses ocorre o balé das fantasias. Sem elas, não há sexo, ao mesmo tempo em que dá certo medo a ideia de tornar-se objeto da imaginação alheia. Na prostituição, se supõe que estaria em jogo apenas a fantasia do pagante, o outro seria um corpo vazio de conteúdo. Mas quando é dito que alguém pode ser feliz nessa profissão, isso deixa de ser assim: que fantasias estariam realizando as prostitutas que dizem estar satisfeitas com seu trabalho? Então, a clientela, que contrata uma marionete para encenar suas pequenas taras (quem não as tem?), estaria à mercê de profissionais que podem também estar satisfazendo as delas? Isso é inadmissível! Queimem-se os cartazes.

As chatonildas - MARTHA MEDEIROS


ZERO HORA - 23/06

Sou gamada pelos filmes Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol. Ambos, na época, me inspiraram crônicas, e não seria diferente agora com a obra que, acho eu, encerra a trilogia, Antes da Meia-Noite, a maior DR cinematográfica recente. Não tão bom quanto os filmes anteriores, mas bom também, agora o casal protagonista, Jesse e Celine, enfrenta uma crise conjugal clássica.

Qualquer pessoa que tenha vivido uma relação de mais de um ano - vá lá, dois anos - já protagonizou cenas quase idênticas. Somos todos iguais, o que me estarrece, visto que a charmosa Celine, que conquistou aquele guapo no primeiro filme da série e o fez perder o rumo de casa no segundo, se transformou na Maior Chata da História, assim mesmo, com maiúsculas. E o que é pior: essa Maior Chata da História, ai, é meio parecidinha conosco.

Celine pira. Faz perguntas inibidoras para o marido, numa tentativa de encurralá-lo nas próprias palavras. Busca sempre alguma entrelinha por trás do que o coitado do marido ousou falar. Tira conclusões estapafúrdias pela própria cabeça, faz drama por qualquer bobagem, não sabe se vai ou se fica. É o capeta travestido de mulher. Se você já assistiu ao filme, duvido que não tenha se identificado com pelo menos 10 minutos da histrionice da personagem, e estou sendo generosa, poderia tranquilamente falar aqui em identificação de meia-hora - ainda sendo generosa.

Não que os homens sejam santos. Eles azucrinam. São os garotos de 12 anos que não crescem, como admitiu semana passada o David Coimbra, que sabe tudo. Ainda assim, nada justifica nossa aporrinhação. Mulher é bicho tremendamente chato. Umas mais, outras menos. Rogo a Deus que eu esteja entre as menos. Por via das dúvidas, não perguntem aos meus ex.

O que nos absolve (um pouco) é que a intenção é das melhores: só queremos limpar a área, clarear os problemas. Falamos, falamos, falamos, mas no fundo sonhamos com a paz do entendimento. Por isso, não nos cobrem, não nos façam de tolas, não nos sobrecarreguem: entendam que a paciência esgotou, não somos as mães universais, as eternas boazinhas e compreensivas, isso já deu. Mas precisamos transmitir esse nosso “deu” com menos verborragia, concordo.

Pra não terminar essa crônica ressaltando apenas a chatice feminina, destaco uma frase do filme que aponta uma saída. Diz um personagem secundário: “o amor que sentimos por alguém não é o mais importante, o que interessa é o amor que sentimos pela vida”. Sábias palavras. Se o casal concorda que a vida é breve e merece ser apreciada com alegria e generosidade, sem valorização das encrencas, sem perpetuar traumas de infância, sem pensamentos estreitos, sem nenhuma espécie de rigidez, a relação poderá vir a ser um passeio no campo. Ame a vida, e meio caminho andado para um romance leve.

Mas, claro, ajudará muito se nós, gurias, controlarmos a nossa doidice nata.