domingo, 23 de junho de 2013

Prostitutas felizes - DIANA LICHTENSTEIN CORSO


ZERO HORA - 23/06

Que fantasias estariam realizando as prostitutas que dizem estar satisfeitas com seu trabalho?



Você acredita que prostituir-se pode fazer alguém feliz? Em uma campanha governamental visando combater a discriminação às profissionais do sexo, aparecia a foto de uma mulher com o texto "eu sou feliz sendo prostituta". Frente à reação negativa, principalmente por parte da bancada religiosa, a campanha foi suspensa e o diretor do Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis exonerado. De fato, a profissão mais antiga do mundo sempre foi um enigma e um judas a ser malhado.
Recomendo a leitura de um livro: Pagando por Sexo (Ed. Martins Fontes, 2012), que está longe de ser um tratado erudito sobre o assunto. É uma novela gráfica, escrita e desenhada pelo quadrinista canadense Chester Brown. Explicitamente autobiográfica, a obra conta como, após levar um fora da namorada, o autor tornou-se avesso ao romantismo e decidido a não mais sofrer por amor. Para viabilizar isso, sua vida sexual resumiu-se a profissionais do sexo. Em defesa de sua escolha, duramente criticada pelos amigos, argumentava que "as pessoas que precisam de relacionamentos românticos são inseguras, elas precisam que alguém lhes diga que são dignas de amor". Chester teria se libertado dessa necessidade. Ao longo do livro, expõe sua posição de viver alheio ao amor, embora visivelmente dedique-se carinhosamente às prostitutas. Curioso, quis saber sobre cada uma delas, mas em sua peregrinação descobriu muito mais verdades sobre a própria sexualidade. Foi seu jeito.
Nos prostíbulos, a clientela é diferente da horda de safados que se imagina. Entre o público das profissionais há muita gente como Chester, em busca de paz ou de respostas, todo tipo de confusos, fóbicos, tímidos, inseguros, enfim, neuróticos em geral. Para estes e para todos nós, o interesse pela profissão transcende os detalhes pornográficos, disponíveis em qualquer filme barato. O enigma está no sexo sem amor. Mais do que posições e orgasmos, esperamos que o desejo sexual contenha a essência do amor. Ali haveria uma espécie de verdade da carne, das palavras desconfiamos, sabemos que podem mentir. Porém, quando sexo e amor se dissociam, o que ocorre com surpreendente facilidade, já não sabemos em que acreditar. Todas as formas de sexualidade que abalem os clichês românticos nos deixam desamparados.
Na verdade, cada um transa com a própria fantasia. Em vez da idealizada fusão dos corpos, na melhor das hipóteses ocorre o balé das fantasias. Sem elas, não há sexo, ao mesmo tempo em que dá certo medo a ideia de tornar-se objeto da imaginação alheia. Na prostituição, se supõe que estaria em jogo apenas a fantasia do pagante, o outro seria um corpo vazio de conteúdo. Mas quando é dito que alguém pode ser feliz nessa profissão, isso deixa de ser assim: que fantasias estariam realizando as prostitutas que dizem estar satisfeitas com seu trabalho? Então, a clientela, que contrata uma marionete para encenar suas pequenas taras (quem não as tem?), estaria à mercê de profissionais que podem também estar satisfazendo as delas? Isso é inadmissível! Queimem-se os cartazes.

As chatonildas - MARTHA MEDEIROS


ZERO HORA - 23/06

Sou gamada pelos filmes Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol. Ambos, na época, me inspiraram crônicas, e não seria diferente agora com a obra que, acho eu, encerra a trilogia, Antes da Meia-Noite, a maior DR cinematográfica recente. Não tão bom quanto os filmes anteriores, mas bom também, agora o casal protagonista, Jesse e Celine, enfrenta uma crise conjugal clássica.

Qualquer pessoa que tenha vivido uma relação de mais de um ano - vá lá, dois anos - já protagonizou cenas quase idênticas. Somos todos iguais, o que me estarrece, visto que a charmosa Celine, que conquistou aquele guapo no primeiro filme da série e o fez perder o rumo de casa no segundo, se transformou na Maior Chata da História, assim mesmo, com maiúsculas. E o que é pior: essa Maior Chata da História, ai, é meio parecidinha conosco.

Celine pira. Faz perguntas inibidoras para o marido, numa tentativa de encurralá-lo nas próprias palavras. Busca sempre alguma entrelinha por trás do que o coitado do marido ousou falar. Tira conclusões estapafúrdias pela própria cabeça, faz drama por qualquer bobagem, não sabe se vai ou se fica. É o capeta travestido de mulher. Se você já assistiu ao filme, duvido que não tenha se identificado com pelo menos 10 minutos da histrionice da personagem, e estou sendo generosa, poderia tranquilamente falar aqui em identificação de meia-hora - ainda sendo generosa.

Não que os homens sejam santos. Eles azucrinam. São os garotos de 12 anos que não crescem, como admitiu semana passada o David Coimbra, que sabe tudo. Ainda assim, nada justifica nossa aporrinhação. Mulher é bicho tremendamente chato. Umas mais, outras menos. Rogo a Deus que eu esteja entre as menos. Por via das dúvidas, não perguntem aos meus ex.

O que nos absolve (um pouco) é que a intenção é das melhores: só queremos limpar a área, clarear os problemas. Falamos, falamos, falamos, mas no fundo sonhamos com a paz do entendimento. Por isso, não nos cobrem, não nos façam de tolas, não nos sobrecarreguem: entendam que a paciência esgotou, não somos as mães universais, as eternas boazinhas e compreensivas, isso já deu. Mas precisamos transmitir esse nosso “deu” com menos verborragia, concordo.

Pra não terminar essa crônica ressaltando apenas a chatice feminina, destaco uma frase do filme que aponta uma saída. Diz um personagem secundário: “o amor que sentimos por alguém não é o mais importante, o que interessa é o amor que sentimos pela vida”. Sábias palavras. Se o casal concorda que a vida é breve e merece ser apreciada com alegria e generosidade, sem valorização das encrencas, sem perpetuar traumas de infância, sem pensamentos estreitos, sem nenhuma espécie de rigidez, a relação poderá vir a ser um passeio no campo. Ame a vida, e meio caminho andado para um romance leve.

Mas, claro, ajudará muito se nós, gurias, controlarmos a nossa doidice nata.

As elétricas e as passeatas - SUELY CALDAS


O ESTADO DE S.PAULO - 23/06

Insatisfação, desencanto, decepção e descrédito são as palavras que melhor explicam o sentimento expresso pelos jovens nas ruas. Rejeitam partidos políticos, sindicatos e a tal sociedade civil organizada, que expulsam das passeatas, arrancam e queimam suas bandeiras. A União Nacional dos Estudantes (UNE) nem ousa aparecer. Seria hostilizada, escorraçada. Hoje ela representa o que mais condenam - o mau uso e desperdício de dinheiro público (no caso da UNE, em benefício próprio) e o apoio a velhos políticos, há décadas encastelados no poder e dele tirando proveito.

As quatro palavras acima têm endereço certo: a classe política dirigente - presidentes, governadores, prefeitos, deputados, senadores, vereadores, juízes. E por mais que ainda sejam difusas as motivações dos protestos, ao gritarem que o País precisa de "hospitais e escolas com padrão Fifa", sintetizam o que querem: aplicação do dinheiro público com justiça social e a abolição de práticas políticas corruptas e irresponsáveis que enriquecem uns poucos e mantêm a população confinada na condição de pagadora de impostos para sustentar os privilegiados políticos dirigentes, seus amigos e aliados.
São muitos os caminhos por onde transitam práticas políticas condenáveis. Aqui tratarei de uma pouco conhecida dos jovens, pois os políticos costumam escondê-la: a má gestão dos organismos de Estado, apoiada no endividamento irresponsável, que atrofia o progresso econômico e penaliza a população com mais impostos e privação de serviços públicos essenciais (saúde, educação, saneamento, segurança).
Na segunda-feira, o diretor de distribuição da Eletrobrás, Marcos Aurélio da Silva, revelou à Agência Estado que aplicará um choque de gestão nas distribuidoras de energia de Amazonas, Alagoas, Piauí, Rondônia, Rio Branco e Acre, empurradas à força para a Eletrobrás depois que os respectivos governadores as destruíram, delas fazendo farto uso político e endividando-as para cobrir gastos de campanha eleitoral. Seus indicadores de perda de energia e qualidade de serviço são, de longe, os piores do País - só ficam à frente da CEA, do Amapá, transformada em caos financeiro pelos políticos locais, entre eles o senador José Sarney. Juntas, as seis somaram prejuízos de R$ 1,33 bilhão em 2012 (33% maior que em 2011) à Eletrobrás, causando perdas gigantes para a estatal na Bovespa e na Bolsa de Nova York. Para modernizar sua operação técnica, a Eletrobrás vai nelas injetar R$ 2 bilhões/ano e o Banco Mundial, mais R$ 1,4 bilhão. Para tentar vendê-las ao capital privado, o governo federal deve antecipar a renovação das concessões, que vencem em 2015 (em 2009 o ex-governador de São Paulo José Serra tentou e não conseguiu o mesmo com a Cesp).
Conclusão: os sucessivos governadores desses Estados passaram décadas retirando dinheiro (chamavam de empréstimos) das distribuidoras para suas campanhas eleitorais, fornecendo energia gratuita a prefeitos em troca de apoio político, não pagavam à Eletronorte pela energia recebida, não investiam nas empresas e tornaram-nas ingovernáveis. Com a intervenção da Eletrobrás, livraram-se das dívidas, mas não perderam a influência política. Seguem nomeando parentes, amigos e aliados para cargos estratégicos nas empresas. Nunca foram punidos. Punida foi a população, com energia ruim, falta de investimento privado, desemprego e péssimos serviços públicos.
Pior do que elas só a CEA, do Amapá, que há dez anos fatura dos consumidores, mas não paga à Eletronorte pela energia que recebe e distribui. A dívida acumulada já soma R$ 1,8 bilhão e a qualidade do serviço consegue ser pior do que das seis distribuidoras da Eletrobrás. Em 2007 a Aneel pediu ao governo federal a cassação da concessão da CEA, mas a influência do senador José Sarney foi mais forte e o ex-presidente Lula ignorou o pedido. Agora o governo do Amapá acaba de receber R$ 2,8 bilhões do BNDES para começar a pagar a dívida. São fatos como esses que jovens indignados nas ruas querem varrer da vida do País.