segunda-feira, 1 de abril de 2013

Mundo, vasto mundo


Eliana Cardoso *
Falta delicadeza à cópula dos tubarões. Os machos mordem as fêmeas, cuja pele chega a sangrar. Violações coletivas sobejam e os filhotes de uma única ninhada têm vários pais. A espécie Carcharias taurus pratica o canibalismo: no útero, os embriões comem-se uns aos outros, na mais feroz competição entre consanguíneos de que temos notícia. Como a fêmea do tubarão tem dois úteros, a mãe Carcharias taurus pode dar à luz dois filhotes matadores. Cada um deles, tendo engolido todos os rivais com quem compartilhou o primeiro abrigo, já nasce sabido e experiente.

Se você acha que o mercado financeiro é um mar de tubarões e acredita que o governo salva os peixes menores e suas poupanças, com certeza caiu do cavalo quando soube que o resgate de Chipre deveria incluir um imposto sobre os depósitos bancários mesmo abaixo dos garantidos € 100 mil. Como era de esperar, os cipriotas correram para caixas eletrônicos na tentativa desesperada de retirar seus recursos dos bancos. A medida (embora rejeitada pelo Parlamento e substituída por outra que atinge principalmente russos acusados de lavagem de dinheiro) fez seu estrago. Pois a confiança, difícil de ganhar, é fácil de perder. De agora em diante, impostos sobre depósitos se tornarão um elemento em resgates futuros.

Por enquanto o choque não foi suficiente para gerar revisões das expectativas para o crescimento em 2013. Portanto, prevalece a projeção de crescimento global em cerca de 3%, com recuperação fraca nas economias avançadas. O doloroso corte de gastos para reduzir a dívida dos países europeus continua valendo, lado a lado com o rali de ativos de risco nos EUA, em resposta à política monetária não convencional do Fed e dos bancos centrais da Inglaterra, da Europa, da Suíça e do Japão, todos eles engajados nalgum tipo de afrouxamento quantitativo. Os perigos de 2013 ainda lembram os de 2012, nesse oceano moderno povoado de tubarões e leviatãs.

Na arena política, a primavera árabe vai-se transformando em sombrio inverno. E embora pareça improvável um conflito militar entre o Irã, de um lado, e, do outro, Israel e EUA, ouve-se o ribombar dos tambores de guerra. Israel recusa-se a aceitar um Irã com armas nucleares e os líderes iranianos não estão dispostos a abandonar os esforços para desenvolvê-las.

Na arena econômica, nos EUA, mais cedo ou mais tarde, republicanos e democratas se envolverão em outra briga sobre o teto da dívida e assustarão os investidores com mais um suspense fiscal. Na China, as rodadas de estímulos monetário e creditício em 2012 mantiveram o modelo de crescimento desequilibrado com base na poupança excessiva, enquanto a liderança conservadora e gradualista contribui para o risco de aterrissagem forçada. Na Europa - onde parecia que as ações do Banco Central Europeu tinham reduzido os riscos de abandono do euro pela Grécia e garantido à Itália e à Espanha o acesso ao mercado de crédito - os problemas continuam sem solução: grandes estoques de dívida privada e pública, envelhecimento da população, baixo crescimento da produtividade... E, agora, o resgate às avessas de Chipre.

Nesse cenário tão conturbado, a vida na América Latina parece bem mais tranquila, apesar das crises na Venezuela e na Argentina, onde a rápida desvalorização da taxa de câmbio no mercado paralelo (fruto do aumento da inflação e dos controles cambiais) comprova políticas econômicas insustentáveis. Mas enquanto a Argentina sofre com a incerteza associada ao processo judicial de sua dívida nos EUA, com o desequilíbrio externo e o medo da maxidesvalorização, o México está a caminho de se tornar o queridinho do mercado financeiro.

Entre 15 e 17 de março, no Panamá, os participantes do encontro anual do Banco Interamericano festejavam a onda de reformas que se inicia no México e cantavam as glórias do Chile, do Peru e da Colômbia. Augusto de La Torre, economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina, mostrava preocupação com a volatilidade dos capitais internacionais. O que fazer? Controles? O diretor para a região do Hemisfério Ocidental no FMI, Alejandro Werner, disse que não gosta dessa medida. O ministro das Finanças da Colômbia, Maurício Cárdenas, confessou igual desagrado, mas revelou que, por via das dúvidas, mantém sobre a mesa de trabalho uma pasta com detalhes de controles de capitais. Vai que...

No momento - dizem os entendidos - Brasil e México oferecem dois modelos rivais. A visão predominante sobre o México é de que o país, detentor do maior número de acordos de livre-comércio assinados na região e comprometido com a abertura ao comércio (60% do PIB mexicano), contrasta fortemente com o Brasil, que vem abraçando o protecionismo. O Brasil, que ganhou enorme estatura durante as últimas décadas, enfrenta hoje investidores cada vez mais cautelosos. Eles acham justa a decisão da agência de classificação de risco Moody's de rebaixar a nota de crédito da Caixa Econômica e do BNDES.

Mesmo para quem questiona o mérito dessas comparações, o México tem uma boa história para narrar. Conta com o dividendo demográfico, pois a idade média de sua população é de 26 anos. Cresceu 3,9% em 2012 com respeitável situação fiscal. A dívida bruta do setor público, de 34% do PIB, é a metade da dívida bruta do Brasil. Aqui e lá, as projeções de crescimento para 2013 não são muito diferentes. O elemento que favorece o futuro do México e o otimismo dos investidores reside na onda de reformas estruturais lançadas pelo presidente Enrique Peña Nieto. O que importa não é o crescimento de curto prazo, mas a perspectiva de reformas. Cá e lá, o progresso econômico no longo prazo depende de reformas em áreas-chave, tais como a tributária, a segurança, a educação, pensões e energia. Parece que elas se fazem necessárias em todo o mundo. Se eu me chamasse Raimundo...

* Eliana Cardoso é PH.D. pelo MIT e professora titular da FGV-São Paulo:www.elianacardoso.com.

Estatais paulistas respondem por metade dos gastos do governo com propaganda


Fernando Gallo, de O Estado de S. Paulo
As empresas estatais paulistas responderam por metade dos gastos com propaganda do governo do Estado na última década. Levantamento feito pelo Estado via Lei de Acesso à Informação mostra que, enquanto a administração direta desembolsou R$ 1,2 bilhão entre 2003 e 2012, as cinco principais estatais de São Paulo pagaram R$ 1,24 bilhão - os valores estão atualizados pela inflação. 
Os gastos da administração direta, que inclui o gabinete do governador e as secretarias de Estado, são conhecidos - é possível acessá-los pelo sistema de execução do orçamento do Estado. Já as despesas das empresas nunca tinham sido tornadas públicas de maneira ampla e sistematizada.
Somados, os gastos com publicidade do governo paulista nesses dez anos somaram, portanto, R$ 2,44 bilhões. No período, o Estado foi governado por Geraldo Alckmin e José Serra, ambos do PSDB.
Com o valor gasto em propaganda, seria possível construir, por exemplo, mais de metade da segunda fase da linha 5 do metrô, que vai ligar o Largo Treze à Chácara Klabin, ou custear o Instituto do Câncer por sete anos. O valor gasto com publicidade também equivale a 33 vezes o orçamento da Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
A lógica dos desembolsos se inverteu há quatro anos, quando as empresas passaram a gastar mais do que a administração direta. Entre 2003 e 2008, as estatais gastaram uma média de R$ 57,6 milhões por ano, ao passo que as secretarias do governo gastaram uma média de R$ 82,6 milhões anuais. De 2009 a 2012, as empresas desembolsaram um total de R$ 900 milhões, média de R$ 225 milhões ao ano, enquanto a administração direta pagou R$ 710 milhões - média de R$ 117,5 milhões.
Pico de gastos. Os dados obtidos mostram que o pico dos gastos das estatais Sabesp, Metrô, CPTM, CDHU e Dersa ocorreu em 2009, quando elas gastaram um total de R$ 340,6 milhões. O valor é quase igual aos R$ 345,9 milhões que as cinco estatais gastaram em todos os seis anos anteriores, no período 2003-2008 - em 2008, por exemplo, elas despenderam R$ 110 milhões; em 2007, R$ 48 milhões.
Em 2010, o gasto diminuiria para R$ 258 milhões, ainda assim o segundo maior do decênio. Em 2011 e 2012, já na gestão Geraldo Alckmin (PSDB), ficaria na casa dos R$ 150 milhões por ano.
Em 2009, quando o PSDB articulava a candidatura do então governador Serra a presidente da República, o Metrô e a CPTM fizeram fortes campanhas de marketing sobre a expansão de linhas e a compra de novos trens. A Dersa investiu na publicidade do Rodoanel e da Nova Marginal. A Sabesp criou campanhas sobre o projeto Tietê e o uso responsável da água e a CDHU gastou em publicidade com o Programa Serra do Mar, com a reformulação dos padrões de seus imóveis e com o Programa Cidade Legal, para promover a regularização de imóveis.
O gasto do Metrô com publicidade saltou de R$ 11,5 milhões em 2008 para R$ 71 milhões em 2009, elevação de 517%. A Dersa, que gastou R$ 2,7 milhões em 2008, elevou o dispêndio para R$ 63,4 milhão em 2009 - 2.248% a mais. A CPTM passou de R$ 4 milhões para R$ 55,7 milhões nos mesmos anos, um incremento de 1.292%.
Recorde com Serra. O governo Serra foi aquele em que as cinco estatais mais gastaram com publicidade, com valor total de R$ 756 milhões - média de R$ 189 milhões por ano. No segundo governo Alckmin, entre 2003 e 2006, elas gastaram R$ 188 milhões, ou R$ 47 milhões anuais.
No atual governo Alckmin, as empresas se tornaram mais gastadoras que na sua primeira passagem pelo Palácio dos Bandeirantes. Em 2011 e 2012, desembolsaram R$ 300 milhões, média de R$ 150 milhões por ano, embora Alckmin tenha rebaixado a secretaria de Comunicação ao status de subsecretaria, subordinada à Casa Civil, como uma sinalização de que o governo seria mais austero.
Das estatais, a Sabesp é a que mais contratou publicidade: foram R$ 557 milhões em dez anos. Em seguida vem a CDHU, com R$ 216 milhões, e o Metrô, com R$ 198 milhões. A Dersa destinou a esse fim R$ 138 milhões e a CPTM, R$ 135 milhões.
No caso da administração direta, o pico de gastos também se deu em 2009, com Serra, quando os desembolsos somaram R$ 246,7 milhões. O segundo ano com mais investimento em publicidade foi o de 2010, com R$ 217 milhões. No atual governo Alckmin, os gastos ficaram na casa dos R$ 125 milhões entre 2011 e 2012.

domingo, 31 de março de 2013

Coluna do Elio Gaspari falando de Delfim Netto

Veio do professor Antonio Delfim Netto a boa resposta aos sábios que defendem uma freada na economia. Numa breve declaração à repórter Gabriela Valente, ele disse o seguinte:

—A empregada doméstica virou manicure ou foi trabalhar num call center. Agora, ela toma banho com sabonete Dove. A proposta desses “gênios” é fazer com que ela volte a usar sabão de coco aumentando os juros.

Aos 84 anos, com treze de ministério, durante os quais mandou na economia como ninguém, mais vinte de Câmara dos Deputados, Delfim diz que o Brasil vive um “processo civilizatório”. Graças ao restabelecimento do valor da moeda por Fernando Henrique Cardoso e ao foco social expandido por Lula, Pindorama passa por uma experiência semelhante à dos Estados Unidos durante o governo de Franklin Roosevelt. Em poucas palavras: ou tem capitalismo para todo mundo ou não tem para ninguém.

Ao tempo dos gênios, um ministro do Trabalho disse que o Brasil não tinha desemprego, mas gente sem condições de empregabilidade. Em 2002, havia no país seis milhões de desocupados. Entre eles, estivera o engenheiro Odil Garcez Filho. Em 1982, quando Delfim era ministro do Planejamento, ele fora demitido, decidiu abrir uma lanchonete na Avenida Paulista e a batizou de “O Engenheiro que virou Suco”. No vidro da caixa colou seu diploma. Garcez morreu em 2001 e não viveu uma época em que faltam engenheiros no mercado.

A doméstica que virou manicure da metáfora de Delfim Netto não tem identidade, mas é um contraponto ao Brasil de Garcez, de uma época em que os gênios viriam a atribuir a falta de absorventes femininos a um “aquecimento da demanda”, como se o Plano Cruzado tivesse interferido do ciclo biológico das mulheres. Com seu sabonete Dove, a manicure de Delfim entrou num mercado de higiene pessoal que em 2012 faturou mais R$ 30 bilhões.

O “processo civilizatório” incomoda. Empregada doméstica com hora extra e acesso à multa do FGTS, o sujeito de bermuda e chinelo no check-in do aeroporto, cotistas e bolsistas do ProUni na mesma faculdade do Junior são um estorvo para a ordem natural das coisas. Como o foram a jornada de oito horas, os nordestinos migrando para São Paulo e o voto do analfabeto.

Quando Roosevelt redesenhou a sociedade americana, a oposição republicana levou décadas para entender que estava diante de um fenômeno histórico. Descontando-se os oito anos em que o país foi presidido pelo general Eisenhower, ela só voltou verdadeiramente ao poder em 1968, com Richard Nixon, 36 anos depois.

Feliciano e as patrulhas de desordeiros

Quem viu os constrangimentos a que foi submetida a blogueira cubana Yoani Sánchez em sua passagem pelo Brasil deve um cumprimento ao pastor Marco Feliciano. Ele deu voz de prisão a dois manifestantes que integravam uma patrulha de desordeiros se manifestando dentro da sala em que presidia uma reunião da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

Yoani Sánchez foi hostilizada em cinco cidades. Em Salvador, precisou de escolta policial e as patrulhas impediram a exibição de um documentário. Em São Paulo, foi obrigada a cancelar uma noite de autógrafos. Calar os outros no grito é falta de civilidade, mas tumultuar uma sessão de trabalho na Câmara dos Deputados é violação do regimento da Casa.

Admita-se que a presença de Marco Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos é um contrassenso, mas ele não chegou à cadeira no grito. Está lá porque foi eleito com 211 mil votos e preside a comissão pelo voto de seus pares.

Manipulação

O Itamaraty informou que a viagem da doutora Dilma a Roma custou R$ 324 mil à Viúva.

Só se ela e sua comitiva foram a pé.

Faltou computar o custo do voo do AeroLula. Por baixo, mais R$ 120 mil.

Domésticas

Deirdre McCloskey é uma economista americana, ex-assistente de Milton Friedman, ao tempo em que ela era o professor Donald. Afora essa peculiaridade, publicou em 2011 o segundo volume de sua magnífica série de exaltação ao burguês. Chama-se “Bourgeois Dignity” e está na rede por por US$ 9,99.

Para quem se incomodou com a ampliação dos direitos dos trabalhadores domésticos brasileiros, vale a pena relembrar dois trechos.

Num ela verifica que as casas da classe média alta brasileira e sul-africana estão sempre limpas. É o serviço da mão de obra barata. E acrescenta:

“Se explorar gente pobre de cor fosse boa ideia, os brancos brasileiros e sul-africanos de hoje viveriam melhor que portugueses, alemães e holandeses que estão nos países onde viviam seus ancestrais”.

PetroPT

A queda da Bolsa poderá acelerar os ventos de mudança no aparelho que o comissariado instalou na Petrobras.

Mãozinha

A doutora Dilma não estaria satisfeita com o desempenho público da Comissão da Verdade.

Pode até ter razão, mas a bola está na sua quadra. Bastaria pedir aos comandantes militares que evitassem fornecer à Comissão informações indecifráveis.

Por exemplo: cadê os nomes dos oficiais que serviram regularmente nos DOIs? Pode-se desprezar aqueles que iam para lá num sistema de rodízio e ficavam poucos dias.

Golpe

Vai dar bolo um truque posto em prática pelas empreiteiras de grandes obras e serviços para a Copa do Mundo e a Olimpíada.

Os doutores contratam a obra, atrasam no prazo e avançam nos custos. Como os compromissos têm datas inflexíveis, vão às conhecidas autoridades e pedem contratos de emergência, sem licitação. Nessa hora, fazem a festa.

Por exemplo: em aeroportos saturados, já há gente querendo oferecer gatilhos emergenciais e provisórios. Se os atrasos fossem reconhecidos hoje, esse serviços poderiam ser contratados a preços de mercado. Em cima da hora, sairão pelo preço que a esperteza cobrar.

Chafurdemos

Chafurdando na notícia, o repórter Felipe Recondo descobriu que em 2012 aconteceram as seguintes gracinhas no Conselho Nacional de Justiça:

- Em 2012, o CNJ gastou mais de R$ 1 milhão com mudanças de servidores e juízes.

- A conta da Bolsa Moradia pulou de R$ 355 mil em 2008 para R$ 900 mil no ano passado.

- No mesmo período, as despesas com diárias de viagens quintuplicaram, chegando a R$ 5,2 milhões. As despesas com passagens (R$ 2,3 milhões) duplicaram.

Noves fora o fato de três ex-conselheiros se servirem de carros oficiais. (Na Corte Suprema dos Estados Unidos, só quem tem essa mordomia é o presidente da Corte, no exercício do cargo.)Há poucas semanas o ministro Joaquim Barbosa, que assumiu o CNJ em novembro passado e portanto nada teve a ver com isso, mandou Recondo “chafurdar no lixo, como você faz sempre”. Depois, desculpou-se, por intermédio de sua assessoria.

Chafurdemos todos.