quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Quando o controle remoto não resolve, por Lalo Leal


REVISTA DO BRASIL - EDIÇÃO 78 - DEZEMBRO DE 2012


Em que pese a importância das redes sociais e da internet para o debate sobre as virtudes e defeitos dos meios de comunicação, nas universidades a crítica definha
Por: Lalo Leal, para Revista do Brasil
Publicado em 13/12/2012
 
Jornais, revistas, o rádio e a televisão tratam de quase tudo sem restrição. Apenas um assunto é tabu: eles mesmos. Se hoje a internet tem papel relevante nesse debate sobre a mídia, na academia houve retrocesso. O programa Globo Univer­sidade, das Organizações Globo, tem parcela importante de responsabilidade nessa mudança. Surgiu com o objetivo de neutralizar aquela que era uma das poucas áreas em que se realizava uma análise crítica sistemática dos meios de comunicação. Passou a financiar laboratórios de pesquisa e eventos científicos, e, com isso, um objeto de investigação, no caso a própria Globo, tornou-se patrocinador do investigador, retirando da pesquisa a necessária isenção. Fez na comunicação o que a indústria farma­cêutica faz com a medicina, bancando viagens e congressos médicos para propa­gandear remédios.
O resultado prático pode ser visto no número crescente de trabalhos acadêmicos sobre o uso de novas tecnologias associadas à TV e as formas de aplicação de seus resultados pelo mercado. Enfatizam cada vez mais o papel do receptor como elemento capaz de selecionar, a seu critério, os conteúdos que lhe interessam. Fazem, dessa forma, o jogo dos controladores dos meios, retirando deles a responsabilidade por aquilo que é veiculado. Fica tudo nas costas do pobre receptor. Esquecem o fenômeno da concentração dos meios que reduz o mundo a uma pauta única, com pouca diferenciação entre os veículos.
Dizem em linguagem empolada o que empresários de TV costumam expressar de modo simples: “O melhor controle é o controle remoto”. Como se ao mudar de canal fosse possível ver algo muito diferente.
Cresce também o número de empresas de comunicação que oferecem cursos até em universidades públicas, retirando dessas instituições o espaço do debate e da crítica. Saem dos cursos de comunicação jovens adestrados para o mercado, capazes de se tornar bons profissionais. No entanto, a débil formação geral recebida os impedirá de pôr os conhecimentos obtidos a serviço da cidadania e da transformação social.
O papel político desempenhado pelos meios de comunicação e a análise criteriosa dos conteúdos emitidos ficam em segundo plano, tanto na pesquisa como no ensino. Foi-se o tempo em que, logo dos primeiros anos do curso, praticava-se a comunicação comparada, com exercícios capazes de identificar as linhas político-editoriais adotadas pelos diferentes veículos. Caso fosse aplicada hoje, mostraria, com certeza, a uniformidade das pautas, com jornais e telejornais reduzindo os acontecimentos a meia dúzia de fatos capazes de “render matéria”. Mas poderia, em alguns momentos excepcionais, realçar diferenças significativas, imperceptíveis aos olhos do receptor comum.
Como no caso ocorrido logo após a condenação de José Dirceu pelo STF. Ao sair de uma reunião, o líder do PT na Câmara dos Deputados, Jilmar Tatto, foi abordado por vários repórteres. Queriam saber sua opinião sobre o veredicto do Supremo. Claro que ele deu apenas uma resposta, mas para quem viu os telejornais da Rede TV e da Globo foram respostas diferentes. Na primeira Tatto dizia: “A Corte tem autonomia soberana e pagamos alto preço por isso. E só espero que essa jurisprudência usada pelo STF continue e que tenha o mesmo tratamento com os acusados do PSDB”. Na Globo a frase sobre o “mensalão tucano” desapareceu.
Em casa o telespectador, mesmo vendo os dois jornais, dificilmente perceberia a diferença entre ambos, dada a sequência rápida das imagens. Mas para a universidade seria um excelente mote de pesquisa cujos resultados teriam uma importância sociopolítica muito maior do que longos discursos sobre transmídias e receptores. 

Bola Dividida, na Revista brasil Atual (vale pauta CUT)


EVISTA DO BRASIL - EDIÇÃO 70 - ABRIL DE 2012
Trabalho

Bola dividida

CUT retoma debate sobre o fim do imposto sindical e é questionada pelas outras centrais. Propostas e projetos não faltam. Polêmica vale R$ 2,5 bilhões
Por: Vitor Nuzzi
Publicado em 13/04/2012
 
Bola dividida
"Somos contra o imposto porque enche o caixa de qualquer sindicato, mesmo daqueles que nada fazem pelo trabalhador"(Foto: Paulo Donizetti de Souza)
Nos últimos 25 anos, o fim da contribuição (ou imposto) sindical já foi anunciado algumas vezes. Era aposta firme na Constituição de 1988. Foi dado como certo inclusive no governo Fernando Collor. Esteve na berlinda durante o Fórum Nacional do Trabalho, no início do governo Lula. Agora, por iniciativa de uma campanha da CUT, o tema volta à discussão. A ideia da central é conseguir apoio nas ruas, por meio de um plebiscito durante este mês de abril, e chegar em 2013 a um projeto de lei que ratifique a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre liberdade e autonomia sindical. 
Compulsório, o desconto equivale a um dia de trabalho de todo assalariado com carteira assinada, no holerite de março. As empresas também têm de recolher, todo mês de janeiro, uma alíquota baseada em seu capital social. 
Criada em 1943, a contribuição sindical é distribuída da seguinte forma: 60% para os sindicatos, de trabalhadores e patronais; 15% para federações sindicais às quais esses sindicatos são associados; 5% para confederações; 10% para as centrais: e 10% vão para um fundo do Ministério do Trabalho e Emprego. Em 2011, movimentou perto de R$ 2,5 bilhões. Por isso, tem também muitos defensores, o que sinaliza uma batalha difícil no Congresso Nacional.
Para o presidente da CUT, Artur Henrique, os sindicatos devem basear suas receitas em apenas duas fontes, ambas com valores aprovados por assembleias: a mensalidade dos sócios e em uma contribuição, a ser criada, sobre negociação coletiva, com fixação de um teto. “Estamos ousando no sentido de ouvir os próprios trabalhadores. Dos dirigentes nós já sabemos a resposta”, comenta. Para ele, entidades realmente representativas e atuantes não devem recear o fim desse imposto.
O dirigente diz que passou da hora de os sindicatos se prepararem para viver sem o imposto, convencendo o trabalhador de que vale a pena manter sua representação. “Falamos disso há 30 anos”, diz. “Mas também não queremos sindicato sem dinheiro. Esse é o sonho dos empresários.” Simultaneamente, a legislação deve mudar para coibir as chamadas práticas antissindicais, como a perseguição, pelas empresas, a trabalhadores que decidam se associar ao sindicato de sua categoria.
“Hoje no Brasil você tem empresário que monta sindicato de trabalhadores para negociar com ele mesmo. Somos contra o imposto porque essa taxa enche os caixas de todo e qualquer sindicato, mesmo daqueles que nada fazem pelo trabalhador e em cujas estruturas alguns dirigentes se perpetuam”, sustenta Artur. “Como o trabalhador paga sem muitas vezes nem saber qual o sindicato que diz o representá-lo, esses sindicatos nunca ouvem suas bases e jamais debatem os rumos de sua atuação com aqueles que os sustentam.” 

Fatias

A substituição gradual do imposto sindical pela chamada taxa negocial foi praticamente acertada durante o Fórum Nacional do Trabalho (FNT), mas emperrou no Parlamento, como outras propostas relacionadas à reforma sindical e trabalhista. “Infelizmente, estávamos no auge da crise política”, recorda Artur Henrique. “Naquele momento se iniciou uma reforma sindical fatiada.” Começaram, então, as negociações para o reconhecimento das centrais, que culminaram na sanção da Lei nº 11.648, em 2008. 
Essas entidades ingressaram formalmente na estrutura sindical brasileira e passaram a ter direito a 10% do imposto. Mas, pelo artigo 7º da lei, isso deverá acontecer apenas até a criação legal da contribuição negocial, “vinculada ao exercício efetivo da negociação coletiva e à aprovação em assembleia geral da categoria”.
O Congresso tem vários projetos sobre o tema. O próprio FNT resultou em uma proposta de Emenda à Constituição, a PEC 369, de 2005, que tratava de temas como o fim da unicidade sindical e a substituição do imposto sindical pela contribuição negocial. A tramitação parou em 2008, até que no ano passado a PEC voltou para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Em agosto, o deputado Moreira Mendes (PPS-RO) foi designado relator. Ele chegou a emitir parecer pela admissibilidade da proposta, mas pouco tempo depois a matéria saiu da pauta e foi devolvida ao relator, para reexame. Agora em março, um grupo de trabalho discutia uma proposta de substitutivo ao projeto. Procurado, o deputado não deu retorno.
O cientista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), só vê uma chance de a discussão prosperar, e isso dependeria da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) apresentada em 2009 pelo DEM, questionando o repasse de 10% do imposto às centrais, que receberam R$ 115 milhões em 2011, pouco mais da metade para as duas maiores, a CUT e a Força Sindical. 
O julgamento da Adin 4.067 está empatado em três a três, e faltam quatro votos. Um dos ministros, José Antonio Dias Toffoli, se declarou impedido por ter se posicionado contra a ação quando era advogado-geral da União. Mas a votação está parada desde março de 2010, por um pedido de vista do então presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto.
Para Queiroz, caso o STF acate a ação do DEM, a proposta de substituição das taxas voltaria a ganhar corpo no Congresso, porque haveria necessidade de buscar uma nova receita. Por enquanto, com boa parte do movimento sindical e as confederações patronais contra, “a presidenta não vai entrar numa bola dividida”, observa o analista.
Os deputados federais Daniel Almeida (BA) e Flávio Dino (MA), ambos do PCdoB, fizeram uma “PEC resposta” à ação do DEM, para garantir o repasse às centrais. Apresentada em dezembro de 2010, a PEC 531 aguarda relator na CCJ da Câmara. 


dinheiro


Insegurança

O presidente da CTB, Wagner Gomes, vê o risco de um ambiente de insegurança jurídica caso a contribuição sindical deixe de ser garantida pela Constituição. “O imposto é que mantém minimamente grande parte dos sindicatos. É importante para que os sindicatos sobrevivam e para ter uma garantia jurídica mínima. Se você tirar isso da Constituição, há o risco de o Ministério Público do Trabalho suspender inclusive o repasse da contribuição que for criada”, argumenta. 
Gomes também manifesta receio do resultado das negociações com os parlamentares. “Temos um Congresso que não é absolutamente favorável aos trabalhadores. Você sabe o jeito que entra, mas não sabe o jeito que sai.” O dirigente acredita que o imposto garante a sustentação das entidades sem pressões externas. “Ou o trabalhador sustenta o sindicato, ou alguém vai sustentar, patrão, governo, e não com a melhor das intenções”, diz.
O debate sobre questões como imposto e unicidade sindical esfriou a relação entre a CUT e as outras centrais, que em 2010 participaram juntas de uma conferência, a 2ª Conclat, para entregar uma pauta de reivindicações aos candidatos à Presidência da República. Para Wagner Gomes, a divergência sobre o imposto nunca foi motivo para impedir a unidade. “Acho que a CUT não participa porque tem no DNA o exclusivismo”, critica. “Isso (a campanha anti-imposto), neste momento, só serve para desviar das questões principais do país.”
Para o presidente da Força Sindical, o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (PDT-SP), não haveria problema em acabar com o imposto sindical, desde que houvesse outra contribuição legal garantida, como a negocial. Em relação à campanha da CUT, ele avalia que o mais correto seria defender a criação dessa nova contribuição, para depois discutir o fim do imposto oficial. Acabar com essa taxa, antes disso, equivaleria a “quebrar a espinha do movimento sindical e, consequentemente, prejudicar os trabalhadores”. Ele diz que houve, de fato, um acordo entre as centrais sobre a criação da contribuição negocial, mas a discussão não foi adiante.
 

E o deles?

 
Paulinho também considera necessário discutir mais a contribuição sindical patronal. Nesse item, há concordância entre Força e CUT. “Muitos empresários falam muito em reduzir imposto. Por que não começam reduzindo o próprio imposto?”, provoca Artur Henrique. Federações e confederações empresariais também recolhem imposto sindical. Em 2011, pelos dados do Ministério do Trabalho, enquanto as entidades de trabalhadores ficaram com R$ 1,6 bilhão, as empresariais receberam R$ 819 milhões. 
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) defende a manutenção do imposto como pressuposto “para que as entidades sindicais desempenhem as prerrogativas constantes da CLT”. E sustenta que, sem a taxa, as representações tanto de empregadores como de trabalhadores não conseguiriam exercer as atividades previstas pela Constituição. Para a CNC, a contribuição é uma importante fonte de recursos, incluindo as filiadas, “indispensável para o custeio de suas atividades”. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) não se manifestou.
A receita da presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Juvandia Moreira, inclui planejamento e transparência. “O sindicato tem de prestar contas, e você precisa de receita para manter a luta sindical”, observa. “Essa forma (imposto sindical) possibilita a acomodação das direções sindicais. Com a taxa negocial, você está prestando contas para a categoria.”
Assim, o que está em questão é o conceito de sustentação dos sindicatos. E de como o trabalhador vê o resultado da atividade. “Tem de haver um planejamento para isso. E você tem de discutir com a categoria outras formas de sustentação. Isso ajuda a formar um sindicato mais aberto, mais democrático”, diz Juvandia.  
Dá para viver sem?
São poucos os exemplos de entidades que tomaram a decisão de abrir mão do imposto e se manter financeiramente com base nas contribuições dos sócios. Os casos mais notórios são os dos sindicatos dos Bancários de São Paulo, dos Metalúrgicos do ABC e dos Trabalhadores Energéticos do Estado de São Paulo (Sinergia-CUT). Este ano, o Sinergia conseguiu não apenas barrar o recolhimento de sua parte, como a liminar obtida no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região, em Campinas, aciona ainda as demais partes interessadas – federação, confederação, central e ministério – para se posicionar quanto à cobrança.
Pela decisão do TRT, provisória, 20 mil trabalhadores de 69 empresas no interior paulista deixam de recolher a contribuição. O presidente do Sinergia, Gentil de Freitas, lembra que desde 1991 o sindicato obteve liminares para impedir o desconto de sua parte (60%) do imposto sindical. Ao mesmo tempo, alterou a cobrança das mensalidades, para que se tornassem a principal fonte de receita. “Mudamos de um valor fixo para um valor proporcional ao salário (1,3%). Com essa mensalidade, dá para sobreviver. Antes, o sindicato sobrevivia praticamente da receita do imposto sindical.”
Foi preciso também estimular a sindicalização, para que a mensalidade garantisse a sustentação do sindicato. Já faz alguns anos que 90% dos trabalhadores da base são sócios do Sinergia. “Ele (o trabalhador) fica sócio desde que se sinta representado”, diz Gentil. “E isso exige serviço.”
De 1991 a 2007, as liminares foram concedidas pela Justiça Cível. Desde que a ação passou para a Justiça do Trabalho, o sindicato não havia mais conseguido suspender a taxa e até chegou a ser multado pela tentativa. Desta vez, conseguiu uma vitória mais ampla – o juiz Carlos Eduardo Oliveira Dias chegou a criticar, na decisão, “um padrão de organização sindical completamente dependente do Estado”. O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), João Oreste Dalazen, tem feito críticas constantes ao modelo, que considera “ultrapassado e arcaico”, em boa parte por causa da contribuição sindical obrigatória.
No caso do Sindicato dos Bancários de São Paulo, a receita vem, basicamente, das mensalidades e da gráfica. Os valores referentes à contribuição assistencial são devolvidos àqueles que manifestarem sua oposição ao desconto. No caso do imposto sindical, a entidade manteve por mais de uma década liminar que isentava os trabalhadores da cobrança, mas a medida foi cassada pela Justiça em 2005, e os bancários voltaram a sofrer o desconto. A partir do ano seguinte, o sindicato passou a devolver sua parte (60%) aos trabalhadores cadastrados. Este ano, a devolução deve ser feita a partir de julho.

Moralismo ajuda a esconder a lei, por Paulo Moreira Leite ( sobre Genoino)



Os ataques a José Genoíno chegaram a um ponto escandaloso e inaceitável.
Vários observadores se colocam no direito de fazer uma distinção curiosa. Dizem que a decisão de Genoíno em assumir o mandato para o qual foi eleito por 92 000 votos pode ser legal mas é imoral.
Me desculpem. Mas é uma postura  de ditadorzinho, que leva a situações perigosas e inspira atos violentos. Também permite decisões arbitrárias e seletivas. Pelo argumento moral, procura-se questionar direitos que a lei oferece a toda pessoa. Isso é imoral.
Não surpreende que essa visão tenha produzido  grandes tragédias, na história e na vida cotidiana.
Isso porque os valores morais podem variar de uma pessoa para outra mas a lei precisa valer para todos.
Você pode achar que aquele livro sobre não sei quantos tons de cinza é uma obra imoral mas não pode querer que seja proibido por causa disso. Por que? Porque a Lei garante a liberdade de expressão como um valor absoluto.
Para ficar num exemplo que todos lembram. Os estudantes de uma faculdade paulista que agrediram e humilharam uma aluna que foi às  aulas de mini saia muito mini também se achavam no direito de condenar o que era legal mas lhes parecia imoral.  Vergonhoso. Isso sempre acontece quando se pretende dizer que o moral precisa ser o legal.
Para começar, quem acha muita imoralidade da parte de Genoíno deveria olhar para o lado em vez de exagerar na indignação.
Em seis Estados brasileiros o Superior Tribunal de Justiça, a segunda mais alta corte do país, tenta licença para processar governadores e não consegue avançar na investigação. Não consegue nem apurar as acusações que o STJ considera sérias.
Por que? Porque as Assembleias Legislativas não autorizam. Curiosidade: não há  ”petistas aparelhados”  envolvidos. Entre os 6 governadores, cinco são tucanos e um é do PMDB. Quantos são imorais nesse time? E os ilegais?  Vai saber.
O que está em jogo, nos Estados? O princípio do artigo 55 da Constituição, aquele que reserva ao Congresso o direito de decidir pela cassação (ou não) de deputados e senadores. São os representantes eleitos que podem cassar os representantes do povo – e apenas eles.
Mas é curioso que ninguém fala em imoralidade neste caso.
Pergunto: cadê o abaixo assinado, uma denúncia contra “esse políticos” ? Cadê as marchadeiras de botox e cabelo tingido? Onde ficaram nossos moralistas de punho cerrado? Onde estão os cronistas do cronstragimento, os marqueteiros da “imagem” dos políticos?
Será que voltamos (ou nunca saímos?) à lógica dos dois mensalões, o do PT e o do PSDB-MG?
A Constituição reconhece os três poderes e não reconhece, de forma alguma, qualquer hierarquia entre eles.
E aí cabe a pergunta: se as Assembleias Legislativas podem impedir a abertura de uma investigação sobre governadores, por que o Congresso não tem o direito de decidir, como manda a Constituição, o destino de quatro deputados?  Há uma diferença de princípio, uma visão de mundo?
Ou é a velha paróquia política do país ?
No caso dos governadores e deputados, a preferência é tão descarada que nem se abre uma investigação. Não vamos julgar e depois absolver. Não. Nem se começa o jogo. Não custa recordar de novo. A Lei diz que o mandato de um deputado só pode ser cassado por decisão do Congresso. Não é interpretação. Não é princípio genérico.
É texto da lei. É tão claro como dizer que o  Brasil não pode fabricar bomba atômica. Ou que o racismo é crime e é inafiançável. Ou que a licença-maternidade deve durar quatro meses.
O jurista Pedro Serrano, especialista em Direito Constitucional, disse aqui mesmo neste blogue que essa prerrogativa é um dos elementos básicos da separação entre os poderes, definição que separa a República da Monarquia.
Embora diversos ministros do Supremo tenham feito elogios demorados à Constituição do Império – entre outros traços típicos, ela tratava os escravos como coisas – desde 1899 o país vive sob um regime republicano. O retorno à monarquia foi derrotado em plebiscito, junto com o parlamentarismo, lembra?
Teve gente que levou os descendentes de Pedro II e da Princesa Isabel para percorrer o país, na esperança de que algum fantasma do passado contribuísse para melhorar o  marketing eleitoral da monarquia.
Mas o Supremo considerou por 5 votos a 4 que tem o direito de cassar os mandatos dos deputados condenados pelo mensalão. Muitos juristas – os mesmos que os donos da moral de hoje costumam ouvir quando lhes interessa  — consideram que foi uma decisão que atravessou essa divisão entre poderes.
Num plenário que em situações normais inclui onze votos, cinco ministros acharam-se no direito de questionar um artigo explícito da Lei Maior. Quatro ficaram contra essa decisão.
Em qualquer caso, não custa lembrar que, como está estabelecido, a Constituição só pode ser modificada por  uma emenda constitucional, com o voto de dois terços – e não maioria simples – dos parlamentares, que são os representantes eleitos do povo. Não é debate moral. É determinação legal.
Por que ela diz isso? Porque esse artigo 55 é coerente com o artigo 1, aquele que diz que “todo poder emana do povo, que o exerce através de seus representantes eleitos.”
Uma decisão do Supremo deve ser cumprida e tem força de lei, diz  o Ministro da Justiça.
Mas o que se faz quando, por 5 votos a 4, se estabelece uma diferença clamorosa, uma contradição com a própria Constituição?
Não é possível ser simplório nem empregar argumentos de autoridade. A menos, claro, que se pretenda criar um novo tipo de autoritarismo.Durante o Estado Novo, o Supremo autorizou que a militante comunista Olga Benário fosse enviada para a morte num campo de concentração nazista.
Seria imoral e ilegal tentar impedir a entrega de Olga Benário por todos os meios e recursos que poderiam preservar sua vida, sua dignidade e mesmo a filha que levava em seu ventre, vamos combinar.
Em 1964, o Supremo aceitou a tese de que a presidência da República ficara vaga depois que Jango deixou o país e deu posse à ditadura militar. Legal? Moral? Ou ilegal e imoral?
Em 2010, o Supremo decidiu por 7 votos a 2, que só o Congresso poderia modificar a Lei  de Anistia. Com isso,  as investigações sobre torturas e execuções perderam uma base legal importante.
Pergunto: vamos proibir os jovens que denunciam torturadores nas operações esculacho, e não se rendem a uma decisão que – sem entrar no debate se correta ou não – envolve uma opção pela impunidade?
Vamos chamar a PM para dar porrada? (Quando ela não estiver perseguindo estudantes que portam maconha, o que lei diz que é legal em certa quantidade mas que muita gente considera imoral e por isso aprova todo tipo de repressão, até sem base legal).
Mais ainda. Vamos silenciar procuradores que, teimosamente, ainda procuram brechas para colocar os responsáveis por crimes contra a humanidade na cadeia, lembrando que a Constituição diz que a tortura não é passível de anistia ou graça?
Os 7 a 2 do Supremo  deveriam garantir que esses garotos exemplares fossem silenciados para sempre?
Queremos a Submissão à autoridade, título de um livro antológico sobre técnicas de tortura?
Colocar a questão moral à frente da legal só ajuda a despolitizar um debate, a encobrir questões sérias e a impedir uma avaliação consciente do que está em jogo. No saldo, quem perde é a democracia.
Quando Genoíno se diz com a “consciência limpa dos inocentes” deveríamos dedicar alguns minutos de reflexão ao assunto.
Você pode, com base naquilo que viu e ouviu nas 53 sessões do julgamento, achar que ele é mesmo culpado e deveria renunciar ao mandato que recebeu.
Mas você poderia pensar o contrário.
A grande acusação é que ele assinou “empréstimos fraudulentos” que alimentaram o esquema, certo? Podemos ouvir isso todo dia, nos comentários de sabichões que frequentam o rádio e a TV.
Mas:  veja só. A própria Polícia Federal, que investigou o caso e as contas do mensalão, concluiu que os empréstimos não eram uma fraude. Em seu relatório, a PF diz que os empréstimos foram verdadeiros, implicaram na remessa de dinheiro do Banco Real para o PT.  A Justiça, mais tarde, supervisionou um acordo para o pagamento do empréstimo. Era ilegal? Era imoral? Ou o que?
Em todo caso, se era ilegal, pergunta-se: o que aconteceu com a turma do Banco Central que deveria fiscalizar essas coisas?
O que houve com quem referendou o acordo?  Alguém foi punido por ser ilegal? Ou não se julgou moralmente conveniente?
Muitos ministros condenaram Genoíno porque “não era plausível” que ele “não soubesse” do que eles dizem sobre o que seria o  “maior escândalo da história.” Uniram o papel político óbvio de Genoíno no governo Lula com um esquema financeiro, sem conseguir provar seu envolvimento direto na “compra de votos” no Congresso. Não conseguiram apontar, sequer, qual projeto foi aprovado em troca de dinheiro.
Enquanto não se provar que Genoíno cometeu uma ilegalidade, estamos,  mais uma vez, numa visão moral de uma pessoa, num julgamento que envolve a atribuição de atitudes e valores, mas não consegue reunir provas robustas – indispensáveis no direito penal — para sustentar o que diz.
O que é imoral, neste caso?
Embora o Supremo tenha condenado Genoíno, a lei  dá ao deputado o direito de aguardar pelo exame de todos os recursos antes de considerar que o caso está encerrado. Junto com a  liberdade, é a história de uma vida que está em jogo.
Ao contrário do que se poderia julgar do ponto de vista moral, ele tem o dever de resistir. A lei não lhe dá essa possibilidade por acaso. O necessário, para o esclarecimento de qualquer dúvida, de qualquer ponto de vista, é que que ele entre com seus recursos, que eles sejam ouvidos, examinados e conhecidos por todos. E a melhor forma de fazer isso é preservando seu mandato.
Vou adorar ouvir seus argumentos, na tribuna da Câmara. E vou adorar ouvir os argumentos contrários.
Será uma grande novidade. Em sete anos de investigações, o mensalão transformou-se no discurso de um lado só, uma única voz, uma única verdade. Cada advogado de defesa teve direito a um discurso de duas horas num julgamento que durou cinco meses. Isso impediu que dúvidas importantes, sobre Genoíno e sobre o mensalão, fossem discutidas e resolvidas. Nenhuma auditoria provou que os recursos usados pelo esquema do PT foram extraídos do Banco do Brasil. Não há sinal de desvio na Visanet, empresa que fazia os pagamentos para as agências de Marcos Valério. Ou seja: verdades que pareciam evidentes em 2005 teriam de ser examinadas, revistas e explicadas em 2012. Ou corrigidas, ou retiradas.
É por isso que o  Congresso  tem razão em debater  suas prerrogativas e nossos moralistas de plantão erram quando tratam Marco Maia e seu provavel sucessor, Henrique Alves,como criadores de caso, encrenqueiros que jogam para a platéia.  Se o artigo 55 não foi abolido – o que só os parlamentares tem o direito de fazer – é mais do que razoável que sua aplicação seja discutida. Um pouquinho de história, para quem tem a memória selecionada. A cronologia diz tudo neste caso. Ao longo de 7 anos de mensalão Congresso não moveu um dedo mínimo para atrapalhar a investigação. Tampouco cometeu qualquer gesto em direção ao STF que pudesse ser interpretado como ação indevida. Ficou silencioso em seu canto, respeitoso das atribuições de cada um. E é natural que queira ser respeitado, agora.
O ministro que decidiu a votação por 5 a 4 teve um voto oposto, em situação muito parecida.
Juízes não são obrigados a votar de modo identico a vida inteira.
Mas a democracia é um regime coerente.
Por isso a Constituição diz que o povo exerce o poder através de seus representantes eleitos. Esta frase não é enfeite, certo? O voto da maioria da população é o começo e o fim de tudo.