terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Governo já vê risco de racionamento e desconto na conta de luz pode cair


OÃO VILLAVERDE, LU AIKO OTTA / BRASÍLIA, RENÉE PEREIRA / SÃO PAULO - O Estado de S.Paulo
Tachada como "ridícula" pela presidente Dilma Rousseff há duas semanas, a hipótese de racionamento de energia entrou no radar do governo com a constante queda dos níveis dos reservatórios. "A questão é que agora passamos a considerar algo que antes não fazia sentido pensar", disse uma fonte da área técnica. "O nível dos reservatórios está baixando, então não podemos fechar os olhos."
A possibilidade de se repetir em 2013 o "apagão" de 2001 é, porém, considerada pequena tanto no governo quanto no setor privado, embora a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) tenha sugerido ontem que os grandes consumidores avaliem "a redução voluntária de suas demandas neste momento", numa espécie de racionamento "branco".
O risco maior é de aumento nas tarifas. Nesse caso, o corte nas contas de luz prometido pela presidente Dilma em rede de rádio e TV, em setembro, pode ficar menor do que o originalmente estimado, já que as térmicas - mais caras - continuarão em operação por mais tempo.
O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), órgão do governo responsável por acompanhar e avaliar o suprimento de energia no País, se reúne amanhã para avaliar a situação. O Ministério de Minas e Energia diz que é um encontro rotineiro, já agendado. Ainda assim, houve nervosismo no mercado financeiro.
Ontem, as ações da Eletrobrás (PNB) caíram 4,72%, com queda de 0,94% no Ibovespa. Papéis de outras empresas também recuaram, como Copel PNB (2,77%), Eletropaulo PN (3,43%), Cesp PNB (3,4%), Cemig PN (3,33%) e CPFL ON (3,29%).
Apesar do início do período úmido, o nível dos reservatórios só cai desde novembro. A expectativa era que as chuvas de dezembro melhorassem o nível dos lagos. Mas a combinação entre volume baixo de água e consumo elevado com o calor piorou a situação. No subsistema Sudeste/Centro-Oeste, que tem 70% do armazenamento do País, os reservatórios estão em 28,5%.
"Estamos ficando viciados em acompanhar os mapas meteorológicos para ver se a situação muda. Mas, até agora, o cenário não se alterou", diz Marcelo Parodi, da comercializadora Compass. Segundo ele, a instabilidade das chuvas em janeiro está muito grande, o que não é bom.
"O que ocorrer em janeiro em termos de hidrologia definirá a condição do sistema", diz o presidente da Associação Brasileira de Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), Flávio Neiva. Ele avalia que, se as chuvas não voltarem ao nível normal, vai "acender o sinal amarelo". Não significa que haverá racionamento, mas sim que o governo terá de tomar providências.
Tarifas. Por ora, a única certeza que se tem é que o custo da energia será impactado pelas térmicas em operação desde outubro. Fato que "já está atrapalhando" os planos de Dilma de cortar as tarifas em 20,2%, disse Neiva. Cálculos da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) mostram que em outubro e novembro o País gastou cerca de R$ 1,3 bilhão para manter a operação das térmicas. Em dezembro, a conta deve ter ficado em R$ 800 milhões.
Na média, isso significa impacto em torno de 1% ao mês nas tarifas do consumidor (quase 3% até agora). "Ninguém pode dizer que vai ou não vai ter racionamento. Mas a situação é delicada e o custo deve aumentar com as térmicas", diz o presidente da Abradee, Nelson Fonseca Leite.
Para o BTG Pactual, o acionamento das térmicas por mais tempo poderá elevar em 14% as tarifas. Relatório do analista Antonio Junqueira informa que um racionamento não é esperado, e sim uma "forte pressão nos preços da energia". / COLABORARAM EULINA OLIVEIRA, EDUARDO RODRIGUES e WELLINGTON BAHNEMANN

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Vício, por Marion Strecker



No meio dos feriados, em Florianópolis, depois de fazer uma ligação, por puro vício acabo abrindo a caixa de entrada de e-mails no celular. Vejo dezenas de e-mails enviados desde a véspera. Muitos são boletins jornalísticos de sites com nomes do tipo TechPulse 360. Coisas de nerd. Sem pensar muito, começo a selecionar aqueles que vou apagar sem ler. E, como sempre, vou deixar na caixa postal outros e-mails, para ler talvez um dia, talvez nunca.
Meu e-mail entrou em colapso. Às vezes perco mensagem importante soterrada numa pilha imensa de bobagens. O que seria solução virou também um problema que me consome muito tempo.
Poderia dizer o mesmo do Facebook, que só não abandono de vez porque virou uma imensa agenda de contatos. Hoje a única rede social que me dá prazer é o Instagram, que não requer palavras nem reciprocidade, assiduidade nem respostas. Eu me sinto livre no Instagram. Mas vejo em volta, com meus amigos, como pode ser uma compulsão.
Lembro subitamente que preciso escrever esta coluna. Penso no ano que passou, da temporada na Califórnia, embutida na indústria do Vale do Silício. Penso nos dias angustiantes que precederam o momento em que me dei conta de que estava totalmente viciada em internet. A produtividade em queda, a ansiedade em alta, a mania de pular de aparelho em aparelho, de aplicativo em aplicativo, de rede social em rede social, sem necessidade nenhuma, sem objetivo definido, vagando pelo mundo on-line como zumbi.
Tento ser honesta comigo mesma e me pergunto: superei o vício? Controlei a compulsão? A resposta é não.
Tomei algumas atitudes sensatas, como me privar de eletrônicos por algumas horas por dia e evitar levar a internet para o quarto de dormir. A internet se infiltrava no quarto disfarçada em despertador do celular ou em livro eletrônico no iPad. Barrei. Quer dizer, procuro barrar. Mas nem sempre barro. Quando estou sozinha é mais difícil.
Não tinha nenhuma compulsão antes da internet. Não estou substituindo um vício por outro. Juro.
Olho minha filha de 14 anos, e ela está muito mais viciada que eu no seu iPhone. Usa Facebook, Twitter, WhatsApp, Instagram, essas coisas. Os amigos são tudo para ela. Para mim também. Tento alertá-la de que está passando horas demais com o aparelho. Sugiro um livro. Às vezes ela aceita, outras não. Tenho certeza de que ela, como eu, perde um tempo imenso em papo furado nas praças virtuais do planeta.
OK, papo furado faz parte da vida. Por que não faria na internet? Minha preocupação não é o papo furado. Minha preocupação é a angústia, a ansiedade que a internet é capaz de produzir. Eu conheço esse estado bem demais. É como andar de bar em bar, procurando algo que não se vai encontrar. É intoxicante. Faz mal à saúde.
Escrevo o que escrevi e de novo me pergunto se estou sendo honesta. É a internet que produz essa ansiedade em mim ou sou eu que estou terceirizando minha ansiedade? Lembro-me da frase de Homer Simpson: "A culpa é minha, e eu coloco ela em quem eu quiser". Boa, não?
Marion Strecker
Marion Strecker é jornalista e cofundadora do UOL. Começou sua carreira como professora de música e coeditora da revista Arte em São Paulo. É formada em comunicação social pela PUC-SP. Trabalhou na Redação daFolha entre 1984 e 1996, onde foi redatora, crítica de arte, editora da 'Ilustrada', editora de suplementos, coordenadora de planejamento, coordenadora de reportagens especiais, repórter especial, diretora do Banco de Dados, diretora da Agência Folha e coautora do Manual da Redação. É colunista da Folha desde 2010. Pioneira na internet no Brasil, liderou a equipe que criou a FolhaWeb em julho de 1995 e foi diretora de conteúdo do UOL de 1996 a 2011. Viveu em San Francisco, Califórnia, de julho de 2011 a julho de 2012, atuando como correspondente do portal. Mudou-se para Nova York, onde começou a escrever um livro sobre internet, previsto para sair em 2013 pela Editora Record. Atualmente vive em São Paulo.

    Pior que a Guerra do Paraguai


    07/01/2013 - 03h00


    "Maldita guerra, atrasa-nos meio século!". Francisco Doratioto, autor de magistral história da Guerra do Paraguai, foi buscar o título da obra nessa frase do barão de Cotegipe, logo no início do conflito.
    Os fatos provaram que o líder baiano do Partido Conservador não se enganou. A Guerra da Tríplice Aliança não só infligiu ao Paraguai feridas das quais nunca se recobrou até nossos dias.
    A vitória nominal do Império do Brasil foi alcançada a custo tão alto que marcou o início do fim do regime.
    Nesse sentido, ela se parece à vitória da França na Primeira Guerra Mundial, da qual o país jamais se reergueu. Ou a do Reino Unido na Segunda Guerra, início do irreversível declínio e fim do Império Britânico.
    Por que seria que certas guerras, mesmo vitoriosas, têm esse poder fatídico de minar a vitalidade dos impérios? A resposta é que a guerra não deixa de ser um empreendimento humano com custos e consequências. Parte desse custo, a mais importante, é incalculável, pois é expressa em vidas perdidas, a cujo respeito só se pode repetir a frase de Malraux: "a vida de um ser humano não vale nada, mas nada vale a vida de um ser humano".
    A parte restante corresponde aos recursos materiais destruídos. É o balanço entre esse custo e o resultado que determina se o impacto de qualquer empreendimento será perduravelmente negativo ou não.
    O raciocínio aplica-se não apenas à guerra, mas às empresas coletivas mobilizadoras de recursos gigantescos. Até que ponto elas nos avançam ou nos retardam?
    A que conclusão se chegaria se as universidades, sempre em busca de temas para teses, induzissem seus doutorandos a pesquisar o que nos custaram os projetos faraônicos, os elefantes brancos nos quais insistimos com persistência digna de melhor causa? Para não mergulhar muito longe no passado, pode-se começar pelo Programa Nuclear da era Geisel, a Transamazônica, a Perimetral Norte, a Ferrovia Norte-Sul, as iniciativas finalmente concluídas com retardo de anos e aumentos milionários de custo.
    Lugar privilegiado deveriam ocupar nos estudos três projetos: a transposição do São Francisco, Belo Monte e o trem-bala. De vez em quando se tem a impressão de que foram abandonados, mas renascem incessantemente das próprias cinzas. Eu mesmo, no Ministério do Meio Ambiente e depois na Fazenda, ajudei a evitar por alguns anos o início do primeiro.
    Quem visita a mostra de fotos do Brasil no Instituto Tomie Ohtake verá que já em 1989 os caiapós lutavam contra Belo Monte. Do trem-bala, cujo custo poderia alimentar a construção de incontáveis trens metropolitanos e metrôs, nem é preciso falar, tal sua evidente desnecessidade.
    Acrescentemos os projetos de refinarias e o Comperj da Petrobras, cujos custos estimados se multiplicaram quase dez vezes; somemos o dinheiro derramado pelo BNDES no ralo insaciável dos monopólios falidos, das concessionárias incompetentes e chegaremos a um atraso seguramente superior aos 50 anos da Guerra do Paraguai!
    Qual será o custo humano em pobreza, doença, ignorância dessa irracional insistência nas falsas prioridades?
    Rubens Ricupero
    Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), ministro da Amazônia e do Meio Ambiente, ministro da Fazenda (governo Itamar), embaixador em Genebra, Washington e Roma. Escreve quinzenalmente, aos domingos, na versão impressa de "Mercado".