O dilema da gerentona Dilma - ELIO GASPARI
O GLOBO - 02/12
Seria bom se fosse possível dizer que o governo da doutora Dilma tem tolerância zero com malfeitos. Há uma distância oceânica entre sua administração e a de Nosso Guia, mas tolerância zero é conversa fiada. Na segunda metade do mandato, seu desafio será mostrar a diferença entre suas atitudes reativas e uma verdadeira política moralizadora do governo e da nação petista. Ou o PT acaba com seus esquemas ou esses esquemas acabam com o PT, produzindo uma sucessão presidencial demarcada pelo debate da corrupção. Essa poderá ser a derradeira e benfazeja contribuição dos companheiros à política nacional. Quem pensa que o moralismo produzirá um novo Fernando Collor, engana-se. Produzirá um Joaquim Barbosa, sem conexões com a plutocracia ou acordos com usineiros.
No caso das Bolsas Consultorias do ministro Fernando Pimentel (R$ 2 milhões ao longo de dois anos), o Planalto blindou-o e alterou a composição da Comissão de Ética Pública da Presidência, que viria a arquivar o caso com argumentos constrangedores.
A quadrilha dos irmãos Vieira, que tinha um pé na sala da chefe do escritório da Presidência em São Paulo, mostra que o Planalto protegeu os malfeitores atropelando os mecanismos de defesa do Estado.
O baiano Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas, filiou-se ao PT de São Paulo em 2003, no primeiro ano de governo de Lula. No ano seguinte, tentou ser vereador em Gavião Peixoto, mas não se elegeu. Em 2005, foi nomeado assessor especial de controle interno do Ministério da Educação. Em 2009, seu nome foi enviado ao Senado para ocupar uma vaga na diretoria da Agência Nacional de Águas. Foi rejeitado. A boa norma determinava que a indicação fosse esquecida. O Planalto empurrou-o goela abaixo.
A essa época, Vieira já traficava interesses milionários do ex-senador Gilberto Miranda com o auditor Cyonil Borges, do TCU. Entrara também na rede de Rose Noronha. O nome da companheira aparecera numa lista de servidores que usavam cartões corporativos. Sua despesa, banal, fora de R$ 2.100, mas os comissários blindaram sua ida ao Congresso. Preferiram xeretar as despesas de Ruth Cardoso, para depois pedirem desculpas.
Paulo Vieira tratava dos interesses das ilhas do ex-senador Gilberto Miranda, operando nas agências reguladoras e monitorando a boa vontade de burocratas, oferecendo-lhes “mel na chupeta”. Na operação de Vieira estava José Weber Holanda, o segundo homem da Advocacia Geral da União. Ele estivera no INSS, deixando seis procedimentos administrativos no seu rastro. Em 2008, a Controladoria Geral da União estranhara a acumulação patrimonial do doutor e pedira a quebra do seu sigilo bancário. A Justiça Federal de Brasília negou o pedido, e o processo está parado.
Em 2011, no governo da doutora Dilma, Weber enganou o baronato da AGU. Estranha situação, pois, nessa época, um advogado da instituição cuidava do prosseguimento de um processo contra ele, travado por um mandado de segurança.
Em todos os episódios, os mecanismos de defesa do Estado foram esterilizados pela ação dos comissários. Até onde essa proteção deu-lhes uma sensação de onipotência e invulnerabilidade, só eles poderão dizer. Tomara que digam.
Não é esse o caso do ex-senador Gilberto Miranda. Ele ganhou a cadeira nos anos 90, com a mágica da suplência. Sua biografia tem abundantes referências à generosidade com que ajuda os amigos e ofende a Viúva. Seus learjets eram uma espécie de táxis aéreos para notáveis de Brasília. Seu palacete francês no Jardim Europa valia US$ 4 milhões. Colecionou três Rolls Royces. Tinha interesses na Zona Franca de Manaus e nas obras físicas para a rede de radares na Amazônia. Isso para não falar nas grandes aduanas do país. Referia-se ao presidente José Sarney como “Sassá” e teve um irmão no gabinete de Collor. Conhece as costuras dos bolsos da política brasileira.
Lendo-se os grampos da Operação Porto Seguro vê-se quão perto do comissariado Gilberto Miranda operava. Houve tempo em que ele dizia que “sou muito rico, não preciso de dinheiro”. Pelo visto, precisou e descobriu companheiros que também precisavam.
Lula Fashion Show
A quimioterapia parece ter levado a barba de Lula, pelo menos por um tempo. Já a cor de seus cabelos e do bigode estão com jeito de trato de salão. Nosso Guia ficou parecido com sargento de filme mexicano.
Passeata de classe
A passeata dos royalties realizada no Rio de Janeiro inovou a técnica de manifestações populares. Nela, havia um cercadinho VIP para os manifestantes ilustres. Era demarcado por um cordão e protegido por seguranças. Os convidados VIPs diferenciavam-se da patuleia, pois recebiam pulserinhas verdes. Nesse ritmo, a próxima passeata terá três classes: primeira, executiva e de turistas.
Adauto de volta
Foram muitas as fantasias vendidas pelos advogados de defesa aos seus clientes do mensalão. A maior delas foi o uso da teoria do caixa dois como blindagem. O truque transformou-se em mortalha. Há uma nova: na fase dos recursos, novos ministros abrandariam as penas de alguns réus. Quem acredita nisso deve pensar melhor. Como ficariam os doutores, se baixasse no plenário o espírito de Adauto Lúcio Cardoso, e três ministros jogassem a toga, abandonando o tribunal? Em 1971, quando o STF legitimou a censura à imprensa, Adauto despiu a capa e foi-se embora. Puro palpite: o que fariam Joaquim Barbosa, Celso de Mello e Gilmar Mendes?
Ódio a Fux
O comissariado petista conformou-se com a posição de Joaquim Barbosa no processo do mensalão. Absorveu os votos de Carlos Ayres Britto e não quer confusão com Cármen Lúcia e Rosa Weber. Em relação ao ministro Luis Fux, o sentimento é outro: ódio, em busca de vingança.
A conta
Em 2003, quando Nosso Guia resolveu ocupar um gabinete da sede do Banco do Brasil, na Avenida Paulista, companheiros da burocracia da instituição defenderam a legalidade do presente. Um banco que tem ações na Bolsa não deveria ceder instalações ao governo. Felipão enganou-se quando disse que quem trabalha no Banco do Brasil não sofre pressões. Sem pressão, ninguém entrega um gabinete na esquina da Paulista com a Rua Augusta. Nem nomeia o ex-marido da chefe do escritório da Presidência para um lugar de conselheiro da BrasilPrev (com diploma falso).
Boca rica
A entrada dos planos de saúde americanos no Brasil cria uma questão interessante. Nos Estados Unidos, o atendimento da rede pública para casos de emergência, idosos e desvalidos é regulado por uma legislação complexa, altamente burocratizada. Lá, não existe a possibilidade de uma empresa vender um plano por US$ 50 (R$ 100), oferecendo uma cobertura que sua rede não tem condições de prover, pressupondo que a vítima será atendida na rede pública. No Brasil, abundam os planos que se consideram ressegurados com a ida de seus clientes para o SUS, deixando a conta para a Viúva, pois as operadoras, beneficiadas pela sonolência da Agência Nacional de Saúde Suplementar, escapam do ressarcimento. Isso cria um paraíso para os empresários. Se o SUS melhora, o negócio deles prospera a custo zero. Também explica um incompreensível interesse de magnatas de planos com nomeações para o STF
Seria bom se fosse possível dizer que o governo da doutora Dilma tem tolerância zero com malfeitos. Há uma distância oceânica entre sua administração e a de Nosso Guia, mas tolerância zero é conversa fiada. Na segunda metade do mandato, seu desafio será mostrar a diferença entre suas atitudes reativas e uma verdadeira política moralizadora do governo e da nação petista. Ou o PT acaba com seus esquemas ou esses esquemas acabam com o PT, produzindo uma sucessão presidencial demarcada pelo debate da corrupção. Essa poderá ser a derradeira e benfazeja contribuição dos companheiros à política nacional. Quem pensa que o moralismo produzirá um novo Fernando Collor, engana-se. Produzirá um Joaquim Barbosa, sem conexões com a plutocracia ou acordos com usineiros.
No caso das Bolsas Consultorias do ministro Fernando Pimentel (R$ 2 milhões ao longo de dois anos), o Planalto blindou-o e alterou a composição da Comissão de Ética Pública da Presidência, que viria a arquivar o caso com argumentos constrangedores.
A quadrilha dos irmãos Vieira, que tinha um pé na sala da chefe do escritório da Presidência em São Paulo, mostra que o Planalto protegeu os malfeitores atropelando os mecanismos de defesa do Estado.
O baiano Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas, filiou-se ao PT de São Paulo em 2003, no primeiro ano de governo de Lula. No ano seguinte, tentou ser vereador em Gavião Peixoto, mas não se elegeu. Em 2005, foi nomeado assessor especial de controle interno do Ministério da Educação. Em 2009, seu nome foi enviado ao Senado para ocupar uma vaga na diretoria da Agência Nacional de Águas. Foi rejeitado. A boa norma determinava que a indicação fosse esquecida. O Planalto empurrou-o goela abaixo.
A essa época, Vieira já traficava interesses milionários do ex-senador Gilberto Miranda com o auditor Cyonil Borges, do TCU. Entrara também na rede de Rose Noronha. O nome da companheira aparecera numa lista de servidores que usavam cartões corporativos. Sua despesa, banal, fora de R$ 2.100, mas os comissários blindaram sua ida ao Congresso. Preferiram xeretar as despesas de Ruth Cardoso, para depois pedirem desculpas.
Paulo Vieira tratava dos interesses das ilhas do ex-senador Gilberto Miranda, operando nas agências reguladoras e monitorando a boa vontade de burocratas, oferecendo-lhes “mel na chupeta”. Na operação de Vieira estava José Weber Holanda, o segundo homem da Advocacia Geral da União. Ele estivera no INSS, deixando seis procedimentos administrativos no seu rastro. Em 2008, a Controladoria Geral da União estranhara a acumulação patrimonial do doutor e pedira a quebra do seu sigilo bancário. A Justiça Federal de Brasília negou o pedido, e o processo está parado.
Em 2011, no governo da doutora Dilma, Weber enganou o baronato da AGU. Estranha situação, pois, nessa época, um advogado da instituição cuidava do prosseguimento de um processo contra ele, travado por um mandado de segurança.
Em todos os episódios, os mecanismos de defesa do Estado foram esterilizados pela ação dos comissários. Até onde essa proteção deu-lhes uma sensação de onipotência e invulnerabilidade, só eles poderão dizer. Tomara que digam.
Não é esse o caso do ex-senador Gilberto Miranda. Ele ganhou a cadeira nos anos 90, com a mágica da suplência. Sua biografia tem abundantes referências à generosidade com que ajuda os amigos e ofende a Viúva. Seus learjets eram uma espécie de táxis aéreos para notáveis de Brasília. Seu palacete francês no Jardim Europa valia US$ 4 milhões. Colecionou três Rolls Royces. Tinha interesses na Zona Franca de Manaus e nas obras físicas para a rede de radares na Amazônia. Isso para não falar nas grandes aduanas do país. Referia-se ao presidente José Sarney como “Sassá” e teve um irmão no gabinete de Collor. Conhece as costuras dos bolsos da política brasileira.
Lendo-se os grampos da Operação Porto Seguro vê-se quão perto do comissariado Gilberto Miranda operava. Houve tempo em que ele dizia que “sou muito rico, não preciso de dinheiro”. Pelo visto, precisou e descobriu companheiros que também precisavam.
Lula Fashion Show
A quimioterapia parece ter levado a barba de Lula, pelo menos por um tempo. Já a cor de seus cabelos e do bigode estão com jeito de trato de salão. Nosso Guia ficou parecido com sargento de filme mexicano.
Passeata de classe
A passeata dos royalties realizada no Rio de Janeiro inovou a técnica de manifestações populares. Nela, havia um cercadinho VIP para os manifestantes ilustres. Era demarcado por um cordão e protegido por seguranças. Os convidados VIPs diferenciavam-se da patuleia, pois recebiam pulserinhas verdes. Nesse ritmo, a próxima passeata terá três classes: primeira, executiva e de turistas.
Adauto de volta
Foram muitas as fantasias vendidas pelos advogados de defesa aos seus clientes do mensalão. A maior delas foi o uso da teoria do caixa dois como blindagem. O truque transformou-se em mortalha. Há uma nova: na fase dos recursos, novos ministros abrandariam as penas de alguns réus. Quem acredita nisso deve pensar melhor. Como ficariam os doutores, se baixasse no plenário o espírito de Adauto Lúcio Cardoso, e três ministros jogassem a toga, abandonando o tribunal? Em 1971, quando o STF legitimou a censura à imprensa, Adauto despiu a capa e foi-se embora. Puro palpite: o que fariam Joaquim Barbosa, Celso de Mello e Gilmar Mendes?
Ódio a Fux
O comissariado petista conformou-se com a posição de Joaquim Barbosa no processo do mensalão. Absorveu os votos de Carlos Ayres Britto e não quer confusão com Cármen Lúcia e Rosa Weber. Em relação ao ministro Luis Fux, o sentimento é outro: ódio, em busca de vingança.
A conta
Em 2003, quando Nosso Guia resolveu ocupar um gabinete da sede do Banco do Brasil, na Avenida Paulista, companheiros da burocracia da instituição defenderam a legalidade do presente. Um banco que tem ações na Bolsa não deveria ceder instalações ao governo. Felipão enganou-se quando disse que quem trabalha no Banco do Brasil não sofre pressões. Sem pressão, ninguém entrega um gabinete na esquina da Paulista com a Rua Augusta. Nem nomeia o ex-marido da chefe do escritório da Presidência para um lugar de conselheiro da BrasilPrev (com diploma falso).
Boca rica
A entrada dos planos de saúde americanos no Brasil cria uma questão interessante. Nos Estados Unidos, o atendimento da rede pública para casos de emergência, idosos e desvalidos é regulado por uma legislação complexa, altamente burocratizada. Lá, não existe a possibilidade de uma empresa vender um plano por US$ 50 (R$ 100), oferecendo uma cobertura que sua rede não tem condições de prover, pressupondo que a vítima será atendida na rede pública. No Brasil, abundam os planos que se consideram ressegurados com a ida de seus clientes para o SUS, deixando a conta para a Viúva, pois as operadoras, beneficiadas pela sonolência da Agência Nacional de Saúde Suplementar, escapam do ressarcimento. Isso cria um paraíso para os empresários. Se o SUS melhora, o negócio deles prospera a custo zero. Também explica um incompreensível interesse de magnatas de planos com nomeações para o STF