sábado, 6 de outubro de 2012

Sistema esgotado, por Fernando Rodrigues na Folha


SÃO PAULO - Os eleitores aqui na maior cidade do país escolhem seu novo prefeito sem terem tido a oportunidade de assistir a um debate real, com troca de ideias e questionamentos sérios entre os três líderes nas pesquisas.
Houve encontros com oitos candidatos. São eventos inúteis. Misturam aventureiros e alguns nanicos bem-intencionados com os que de fato governarão a cidade. A lei obriga as TVs a convidar todos os candidatos cujos partidos estejam representados no Congresso.
É um modelo obsoleto e esgotado. Não serve aos candidatos nem aos eleitores. Os políticos ficam sem a chance de provar, num ambiente de pressão real, que suas propostas param em pé. Os eleitores são privados das informações necessárias para votar melhor.
Tudo poderia estar resolvido se estivesse em vigor uma cláusula de desempenho eleitoral para os partidos políticos. Uma lei a esse respeito foi aprovada nos anos 90. O STF a considerou inconstitucional. A mudança precisa vir por meio de emenda constitucional.
A proposta mais madura no Congresso é a que estabelece como desempenho eleitoral mínimo 5% dos votos para deputado federal em todo o país (sendo 5% em pelo menos nove das 27 unidades da Federação). Quem ficasse abaixo desse percentual teria acesso bem limitado à TV e ao rádio (para fazer propaganda) e ao dinheiro do Fundo Partidário. Também não seria presença obrigatória em debates na mídia eletrônica.
Numa projeção para 2014, não passariam pela cláusula mais de seis partidos. Em disputas majoritárias, sempre há coligações entre grandes siglas. Ou seja, nunca haveria mais do que três ou quatro candidatos nas disputas por cargos executivos --e nos debates.
Depois da Lei da Ficha Limpa, a cláusula de desempenho é a iniciativa mais relevante para continuar a profilaxia na política brasileira.
Fernando Rodrigues
Fernando Rodrigues é repórter em Brasília. Na Folha, foi editor de "Economia" (hoje "Mercado"), correspondente em Nova York, Washington e Tóquio. Recebeu quatro Prêmios Esso (1997, 2002, 2003 e 2006). Escreve quartas e sábados na versão impressa Página A2.

País tem mais jovens fora da escola e do mercado de trabalho



Em dois anos, população na faixa entre 15 e 17 anos que não estuda e nem trabalha passa de 85,2% para 83,7%

22 de setembro de 2012 | 3h 11
FELIPE WERNECK / RIO - O Estado de S.Paulo
A Pnad do IBGE revela aumento na proporção de jovens que não estudam nem trabalham no País. Em 2009, 85,2% da população de 15 a 17 anos frequentava a escola. Dois anos depois, esse porcentual caiu para 83,7%, interrompendo uma tendência de crescimento da taxa de escolarização nessa faixa etária que era verificada desde 2005. 

O número absoluto de estudantes de 15 a 17 anos se manteve estável em 8,8 milhões de 2009 para 2011, apesar de ter havido um aumento da população desse grupo no período. A explicação para a queda da taxa de escolarização entre os jovens não é a ida para o mercado de trabalho formal, afirma a gerente da pesquisa, Maria Lucia Vieira. 

Segundo a Pnad, os jovens de 15 a 17 anos representavam 3,1% da população ocupada no País em 2009, participação que caiu para 2,8% em 2011, uma variação negativa de 11,1%. Em termos absolutos, houve uma diminuição no período de 319 mil pessoas dessa faixa etária trabalhando. 

"Não conseguimos investigar exatamente a causa, mas a princípio eles não trabalham e não estudam", acrescenta Maria Lucia. 

Para o economista Cláudio Moura Castro, a queda da taxa de escolarização entre os jovens reflete uma crise no ensino médio. "A matrícula está caindo porque o (ensino) médio é muito ruim, é chato. As pessoas desanimam", diz ele. "A explicação consensual é de que se trata muito mais de uma expulsão do médio que atração pelo mercado de trabalho", acrescenta Castro. 

Segundo ele, estatísticas de censos educacionais indicavam "estagnação e contração". "A queda não é dramática, mas a gente esperaria uma expansão contínua." Para Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE, o ensino médio é pouco estimulante e a perda de alunos é consistente. Ele lembra que o abandono é maior entre os homens.

A atual presidente do IBGE, Wasmália Bivar, avalia que a população adolescente ainda precisa de incentivos e políticas mais específicas para que a permanência na escola ocorra de fato. "Trata-se de um desafio, de uma mudança quase cultural, para que o adolescente troque a renda de hoje por uma renda melhor no futuro por meio da educação", acrescenta. 

Entre as crianças de 6 a 14 anos, a taxa de escolarização teve um aumento de 0,6 ponto porcentual, passando de 97,6% para 98,2% no mesmo período analisado pela pesquisa. 

Analfabetismo. A Pnad também mostra que o País ainda tem 12,9 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais de idade. "Não há campanha que mude os números de analfabetismo. Quem resolve é Deus. A queda é mecanicamente previsível. Não vai haver surpresa", diz Moura Castro. Do total de analfabetos, 8,2 milhões (63%) tinham 50 anos ou mais em 2011. 

Wasmália reconhece que o desafio é grande por causa da grande fatia de população analfabeta envelhecida, mas considera expressiva a queda de 1,1 ponto porcentual da taxa de analfabetismo em relação a 2009, quando comparada com movimentos anteriores. 

O contingente de analfabetos está concentrado no Nordeste, especialmente na população idosa. Apesar das quedas sucessivas nos últimos anos, a região apresentou em 2011 uma taxa que atinge quase o dobro da média nacional (16,9%, ante 8,6%). Há 6,8 milhões de analfabetos no Nordeste, mais da metade (52,7%) do total do País. 

A Pnad traz também a variação na rede pública de ensino, que em 2009 foi responsável pelo atendimento a 87% dos estudantes do nível fundamental, 86,4% do nível médio e 23,3% do nível superior.
Em 2011, o porcentual foi o mesmo no ensino fundamental, oscilou para 87,2% no nível médio e subiu para 26,8% no ensino superior. Ou seja: apesar do aumento nos últimos dois anos, a rede privada atende a 73,2% dos estudantes universitários. Apenas 6,6 milhões de estudantes cursavam o ensino superior no País em 2011. / COLABOROU FERNANDO DANTAS





Retratos do Brasil - Mais jovens fora da escola
Resultados do levantamento do IBGE mostram que o percentual de estudantes entre 15 e 17 anos fora da escola caiu para 83,7%, o que representa um contingente de 1,72 milhão de alunos. Nesta faixa de idade são alunos do ensino médio.
22/09/2012
Clipping Planejamento / O Globo

Ao contrário do que acontece com as crianças, há menos adolescentes na escola. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), a taxa de escolarização do grupo de 15 a 17 anos de idade - que deveria estar no ensino médio - caiu de 85,2% para 83,7% em dois anos. Com isso, o país convive com 1,72 milhão de jovens fora da escola. Já na faixa de 4 a 5 anos, a escolarização cresceu, passando de 74,8% para 77,4%.
- Como o nível de ocupação de 15 a 17 anos de idade também reduziu, eles não foram para o mercado de trabalho. A princípio, eles não trabalham e não estudam - diz Maria Lucia Vieira, gerente da Pnad.
Da evasão escolar ao desalento, passando pela gravidez precoce, não são poucos os motivos que - conforme mostrou reportagem do GLOBO no domingo passado - fazem com que grande parcela da juventude brasileira nem estude nem trabalhe, os "nem-nem"
- O Brasil ainda não conseguiu universalizar o ensino médio e, isso, sem dúvida, é um quadro muito preocupante. É uma geração chave, que está desiludida quanto ao ensino, e se perde. Contudo, houve avanços que não podem ser subestimados - diz Naércio Menezes Filho, professor do Insper.
19,2 milhões não tÊm instrução
Para Wasmália Bívar, presidente do IBGE, essa população é um desafio:
- Ainda é preciso incentivo de políticas mais específicas, para que a permanência na escola ocorra de fato. Estimulado pelo próprio aquecimento da economia (em 2010, o país cresceu 7,5%), o acesso ao trabalho remunera melhor. O desafio é fazer o adolescente trocar a renda de hoje pela renda melhor no futuro.
Sergei Soares, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), destaca a importância do crescimento da pré-escola. A parcela de crianças de 4 ou 5 anos na escola cresceu de 74,8% para 77,4%:
- Essa escola atende à população mais pobre.
Após considerar como "muito positivos para a educação" os dados da Pnad, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, disse que o governo aposta em várias medidas para diminuir a evasão, como a ampliação do Programa Bolsa Família para quem tem filhos até 17 anos, investimento no ensino profissionalizante e ações para reduzir a gravidez na adolescência.
- Estamos falando de mais de 300 mil meninas que ficam grávidas nessa faixa etária (do ensino médio) - diz o ministro, que defende a reformulação do currículo. - O ensino médio é uma estrutura enciclopédica que precisa ser reavaliada.
Dados da Pnad mostram que 19,2 milhões de pessoas (11,5% do total) com mais de 10 anos não têm qualquer instrução ou estudaram por menos de um ano. Na outra ponta, só 6,6 milhões de brasileiros estavam matriculados no ensino superior, sendo que 73,2% desse total estudavam na rede privada.
- O futuro, dependente da formação de riqueza humana, está comprometido com menos jovens matriculados nas escolas. A política de aumento de renda e emprego a curto prazo parece estar sendo deletéria à formação de capital humano. O aluno fora da escola hoje significa o problema social amanhã - diz Flavio Comim, consultor da Unesco do Brasil. - Essa Pnad mostra a miopia social do país que subinveste em bens públicos e descuida da formação de riqueza humana. O emprego de hoje não pode ser conseguido às custas da redução do capital humano do amanhã.
analfabetismo acentua queda
Ainda que o país some 12,9 milhões de pessoas que não sabem ler nem escrever, a taxa de analfabetismo brasileira caiu de 11,4% em 2004 para 8,6% em 2011. Em 2009, a taxa foi de 9,7%. Ou seja, no ano passado, houve uma queda mais forte do que vinha sendo registrado anteriormente. E o analfabetismo se concentra na população mais velha: mais de 60% dos analfabetos têm mais de 50 anos.
- A taxa de analfabetismo vinha caindo muito lentamente. Entre 2009 e 2011, a redução é expressiva frente aos movimentos anteriores. Mostra a efetividade de políticas que antes demoraram a aparecer - diz Wasmália.
As estatísticas também dão conta do analfabetismo funcional, representado por pessoas com 15 anos ou mais que tenham menos de quatro anos de estudo completos. Neste caso, 20,4% das pessoas dessa faixa etária se encaixam neste perfil. Se comparada com os indicadores de 2009, a marca foi considerada estável.
- A taxa de analfabetismo cai em todas as unidades da federação. Essa taxa está bastante concentrada no Nordeste, na população mais idosa. É um problema de estoque. O desafio da educação está em sensibilizar a população com 50 anos ou mais a se escolarizar. É nesse grupo que se concentra a maior parte dos analfabetos - diz Maria Lúcia.
Em anos de estudo, o avanço foi mais lento. Os números mostraram que a população brasileira de 10 anos ou mais atingiu uma média de 7,3 anos de estudo, contra 7,2 anos em 2009.
Trabalhando na enxada desde os 8 anos em um sítio de Sairé, a 135 quilômetros de Recife, Maria do Carmo da Silva, 43, foi ser doméstica na capital aos 11 anos. Em Recife, tentou conciliar escola e trabalho, mas não conseguiu: desistiu, casou, teve dois filhos. Quando os meninos foram para a escola, ela tentou estudar em casa pelas lições das crianças. E aprendeu as primeiras letras e sílabas. Mas ler e escrever ela só conseguiu há dois anos, na escola Estadual Santo Antônio:
- Ler mesmo, entender tudo, escrever, posso dizer que foi aqui que aprendi, em 2010, na quarta série.
Autores: Fabiana Ribeiro, Cássia Almeida e Letícia Lins

Os descaminhos do dinheiro: a compra das eleições, do blog L. Dowbor



A grande corrupção é aquela que é tão grande que se torna legal. Trata-se do financiamento de campanhas. A empresa que financia um candidato – um assento de deputado federal tipicamente custa 2,5 milhões de reais – tem interesses. Estes interesses se manifestam do lado das políticas que serão aprovadas mais tarde. Do lado do candidato, apenas assentado, já lhe aparece a preocupação com a dívida de campanha que ficou pendurada, e a necessidade de pensar na reeleição. O custo da campanha é cada vez mais descontrolado. O artigo é de Ladislau Dowbor.

No quadro acima, o crescente custo das campanhas nos Estados Unidos, segundo The Economist, Sept. 8th-14th p. 61


“The idea that in a democracy you should be able to trade your wealth
into more influence over what the government does is just wrong.”
Lawrence Lessig [1]

“Les vices n’appartiennent pas tant à l’homme qu’à l’homme mal gouverné”
Rousseau [2]

Transformar o exercício da justiça em espetáculo midiático não é correto nem ético. Fazê-lo em nome da ética, menos ainda. Para muita gente, parece tratar-se de uma catarse política, canalização de ódios acumulados. Não se resolve grande coisa desta maneira. e gera-se sim dinâmicas perigosas. E sobre tudo, canaliza-se toda a energia contra pessoas, obscurecendo os vícios do sistema. O sistema agradece, e permanece. A realidade, é que há um imenso desconhecimento, por parte de não economistas, de como se dão os grandes vazamentos de recursos públicos. 

Bem, vamos por partes. Primeiro, a grande corrupção, a grande mesmo, aquela que é tão grande que se torna legal. Trata-se do financiamento de campanhas. A empresa que financia um candidato – um assento de deputado federal tipicamente custa 2,5 milhões de reais – tem interesses. 

Estes interesses se manifestam do lado das políticas que serão aprovadas, por exemplo contratos de construção de viadutos e de pistas para mais carros, ainda que se saiba que as cidades estão ficando paralisadas. As empreiteiras e as montadoras agradecem. Do lado do candidato, apenas assentado, já lhe aparece a preocupação com a dívida de campanha que ficou pendurada, e a necessidade de pensar na reeleição. Quatro anos passam rápido. Entre representar interesses legítimos do povo – por exemplo, mais transporte coletivo, mais saúde preventiva – e assegurar a próxima eleição, ele que estudou economia ou direito, e por tanto sabe fazer as contas e sabe quem manda, está preso numa sinuca. 

O próprio custo das campanhas, quando estas viram uma indústria de marketing político, é cada vez mais descontrolado. Segundo The Economist, no caso dos EUA, os gastos com a eleição de 2004 foram de 2,5 bilhões de dólares, em 2010 foram de 4,5 bilhões, e a estimativa para 2012 é de 5,2 bilhões. Isto está “baseado na decisão da corte suprema em 2010 que permite que empresas e sindicatos gastem somas ilimitadas em marketing eleitoral”. Quanto mais cara a campanha, mais o processo é dominado por grandes contribuintes, e mais a política se vê colonizada. O resultado é a erosão da democracia. E resultam também custos muito mais elevados para todos, já que são repassados para o público através dos preços. [3] 

Comentando os dados dos gastos corporativos na campanha eleitoral de 2010, Robert Chesney e John Nichols, da universidade de Illinois, escrevem que os financiamentos corporativos “se traduziram numa virada espetacular para a direita: a captura da vida política por uma casta financeira e midiática mais poderosa do que qualquer partido ou candidato. 

Não se trata apenas de um novo capítulo no interminável romance entre o dinheiro e o poder, mas de uma redefinição da própria política pela conjunção de dois fatores: o fim dos limites de doações eleitorais por parte das empresas e a renúncia por parte da imprensa ao exame dos conteúdos das campanhas. Resulta um sistema no qual um pequeno círculo de conselheiros mobiliza montantes surrealistas para orientar o voto para os seus clientes. Este ‘complexo eleitoral dinheiro-mídia’ constitui presentemente uma força temível, subtraída a qualquer forma de regulação, liberada de qualquer obrigação de prudência por uma imprensa que capitulou. Esta máquina é permanentemente mediada por cadeias comerciais de televisão que faturaram, em 2010, 3 bilhões de dólares graças à publicidade política”. [4] 

No Brasil este sistema foi legalizado em governos anteriores. A lei que libera o financiamento das campanhas por interesses privados é de 1997. [5] Podem contribuir com até 2% do patrimônio, o que representa muito dinheiro. Os professores Wagner Pralon Mancuso e Bruno Speck, respectivamente da USP e da Unicamp, estudaram os impactos. “Os recursos empresariais ocupam o primeiro lugar entre as fontes de financiamento de campanhas eleitorais brasileiras. Em 2010, por exemplo, corresponderam a 74,4%, mais de R$ 2 bilhões, de todo o dinheiro aplicado nas eleições (dados do Tribunal Superior Eleitoral)”. [6] 

E a deformação é sistêmica: além de amarrar os futuros eleitos, quando uma empresa “contribui” e por tanto prepara o seu acesso privilegiado aos contratos públicos, as outras se vêm obrigadas a seguir o mesmo caminho, para não se verem alijadas. E o candidato que não tiver acesso aos recursos, simplesmente não será eleito. Todos ficam amarrados. Começa a girar a grande quantidade de dinheiro no sistema eleitoral. Criminalizar as empresas, ou as pessoas, não vai resolver, ainda mais se os criminalizados são apenas de um lado do espectro político. É preciso corrigir o sistema. 

Mas custos econômicos incomparavelmente maiores resultam do impacto indireto, pela deformação do processo decisório na máquina pública, apropriada por corporações. O resultado, no caso de São Paulo, por exemplo, de eleições municipais apropriadas por empreiteiras e montadoras, são duas horas e quarenta minutos que o cidadão médio perde no trânsito por dia. Só o tempo perdido, multiplicando as horas pelo PIB do cidadão paulistano e pelos 6,5 milhões que vão trabalhar diariamente, são 50 milhões de reais perdidos por dia. Se reduzirmos em uma hora o tempo perdido pelo trabalhador a cada dia, instalando por exemplo corredores de ônibus e mais linhas de metrô. serão 20 milhões economizados por dia, 6 bilhões por ano se contarmos os dias úteis. Sem falar da gasolina, do seguro do carro, das multas, das doenças respiratórias e cardíacas e assim por diante. E estamos falando de São Paulo, mas temos Porto Alegre, Rio de Janeiro e tantos outros centros. É muito dinheiro. Significa perda de produtividade sistêmica, aumento do custo-Brasil. 

Este tipo de corrupção leva a que se deformem radicalmente as prioridades do país, que se construam elefantes brancos. A deformação das prioridades mediante desvio dos recursos públicos daquilo que é útil em termos de qualidade de vida para o que é mais interessante em termos de contratos empresariais, gera um círculo vicioso, pois financia a sua reprodução. 

Uma dimensão importante deste círculo vicioso, e que resulta diretamente do processo, é o sobre-faturamento. Quanto mais se eleva o custo financeiro das campanhas, conforme vimos acima com os exemplos americano e brasileiro, mais a pressão empresarial sobre os políticos se concentra em grandes empresas. Quando são poucas, e poderosas, e com muitos laços políticos, a tendência é a distribuição organizada dos contratos, o que por sua vez reduz a concorrência pública a um simulacro, e permite elevar radicalmente o custo dos grandes contratos. Os lucros assim adquiridos permitirão financiar a campanha seguinte.

Se juntarmos o crescimento do custo das campanhas, os custos do sobre-faturamento das obras, e sobre tudo o custo da deformação das grandes opções de uso dos recursos públicos, estamos falando em muitas dezenas de bilhões de reais. Pior: corrói o processo democrático, ao gerar uma perda de confiança popular nos processos democráticos em geral. 

Não que não devam ser veiculados os interesses de diversos agentes econômicos. Mas para a isto existem as associações de classe e diversas formas de articulação. A FIESP, por exemplo, articula os interesses da classe industrial do Estado de São Paulo, e é poderosa. É a forma correta de exercer a sua função, de canalizar interesses privados. O voto deve representar cidadãos. Quando se deforma o processo eleitoral através de grandes somas de dinheiro, é o processo democrático que é deformado. 

A moral da história é simples. Comprar votos é ilegal. Vincular o candidato com dinheiro não é ilegal. Já comprar o voto do candidato eleito é de novo ilegal. A conclusão é óbvia: vincula-se os interesses do candidato à empresa, o que é legal, e tem-se por atacado quatro anos de votação do candidato já eleito, sem precisar seduzi-lo a cada mês [7]. O absurdo não é inevitável. Na França, a totalidade dos gastos pelo conjunto dos 10 candidatos à presidência em 2012 foi de 74,2 milhões de euros. [8]

A grande corrupção gera a sua própria legalidade. Já escrevia Rousseau, no seu Contrato Social, em 1762, texto que hoje cumpre 250 anos: “O mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o dono, se não transformar a sua força em direito e a obediência em dever” [9]. Em 1997, transformou-se o poder financeiro em direito. O direito de influenciar as leis, às quais seremos todos submetidos. Ético mesmo, é reformular o sistema, e acompanhar os países que evoluíram para regras do jogo mais inteligentes, e limitaram drasticamente o financiamento corporativo das campanhas.

(*) Ladislau Dowbor, economista, é professor da PUC de São Paulo, e consultor de várias agências das NNUU. http://dowbor.org 

NOTAS
[1] “A ideia que numa democracia você deveria poder trocar a sua riqueza por maior influência sobre o que faz o governo é simplesmente errada” – Lawrence Lessig – Republic Lost: how money corrupts congress – and a plan to stop it – Twelve, New York, 2011, p. 313 

[2] “Os vícios não pertencem tanto ao homem, quanto ao homem mal governado” – J.J. Rousseau, Narcisse

[3] Ver dados completos em The Economist, Of Mud and Money, September 8th 2012, p. 61; Sobre esta decisão da corte suprema americana, Hazel Henderson produziu uma excelente análise intitulada “Temos o melhor congresso que o dinheiro pode comprar” (We have the best congress money can buy).

[4] Robert W.McChesney e John Nichols – Et les spots politiques ont envahi les écrans – Le Monde Diplomatique, Manière de Voir, n. 125, Où va l’Amérique, Octobre-Novembre 2012, p. 62 – A liberação do financiamento corporativo das campanhas eleitorais foi conseguida pelo lobby conservador Citizens United, junto à Corte Suprema dos Estados Unidos, em 21 de janeiro de 2010, em nome da “liberdade de expressão”.

[5] O financiamento está baseado na Lei 9504, de 1997 "As doações podem ser provenientes de recursos próprios (do candidato); de pessoas físicas, com limite de 10% do valor que declarou de patrimônio no ano anterior no Imposto de Renda; e de pessoas jurídicas, com limite de 2%, correspondente [à declaração] ao ano anterior", explicou o juiz Marco Antonio Martin Vargas, assessor da Presidência do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo.” – Revista Exame, 08/06/2010, Elaine Patricia da Cruz, Entenda o financiamento de campanha no Brasil.

[6] “Pouquíssimos candidatos conseguem se eleger com pouco ou nenhum dinheiro”, comenta Mancuso, que coordena o projeto de pesquisa Poder econômico na política: a influência de financiadores eleitorais sobre a atuação parlamentar. Ver em Bruna Romão, Agência USP

[7] No plano propositivo, há um excelente trabalho de Lawrence Lessig, professor de direito da Universidade de Harvard, Republic Lost: how money corrupts Congress and a plan to stop it, Twelve, New York 2011, em particular p. 266 e seguintes. 

[8] Le Monde Diplomatique, Manière de Voir, Où va l’Amérique, Octobre-Novembre 2012, p.11 

[9] “Le plus fort n’est jamais assez fort pour être toujours le maître, s’il ne transforme sa force en droit et l’obéissance en devoir”. Du Contrat Social, 1762. “Maître” em francês é muito mais forte do que “mestre” em português, implica força, controle.


Fotos: The Economist, Sept. 8th-14th p. 61