domingo, 30 de setembro de 2012

Pacto pela infância


SUELI PECCI PASSERINI É DOUTORA EM PSICOLOGIA PELA USP, PROFESSORA DA FAAP E AUTORA DE O FIO DE ARIADNE - UM CAMINHO PARA A NARRAÇÃO DE HISTÓRIAS; COORDENA CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA WALDORF E INTEGRA A ALIANÇA PELA INFÂNCIA - O Estado de S.Paulo
SUELI PECCI PASSERINI
É possível alfabetizar uma criança com menos de 7, 6 ou até 5 anos de idade? Sim, é possível alfabetizar muito cedo uma criança. Mas será uma alfabetização significativa? Que comprometimentos podem advir do que entendemos como aceleração da alfabetização? Qual é o ganho efetivo para a criança?
Ouço muitas vezes no consultório os pais preocupados com o futuro caminho profissional definido pelo vestibular de seu filho ou filha de apenas 3, 4, 5 anos. Quando pergunto aos pais o que eles entendem do brincar de sua criança, geralmente respondem que é apenas um passatempo, exceto pelos jogos de raciocínio. Eles consideram importante preparar a sua criança para a vida, para a competição do mundo, para uma profissão que lhe dê "felicidade" - palavra quase sempre atrelada a "dinheiro".
No entanto, se olhamos a criança quando ela está brincando, fantasiando, subindo em árvores ou correndo com outras crianças, verificamos um universo muito particular no qual ela desenvolve capacidades e uma confiança que, muitas vezes, não encontramos no universo dos adultos bem sucedidos. É por esse motivo que nas escolas Waldorf nós defendemos que até pelo menos os 6 ou 7 anos a criança simplesmente... brinque. O tempo que alguns julgam que ela "perde" por não ser rapidamente alfabetizada, ela na verdade ganha, acumulando forças e mecanismos internos para poder enfrentar o mundo que às vezes tanto preocupa os adultos.
Há quase 100 anos da fundação da primeira escola Waldorf na Alemanha, cuja concepção, denominada Antroposofia, foi elaborada pelo filósofo Rudolf Steiner, acreditamos cada vez mais nessa prática, hoje disseminada em mais de 3 mil instituições em todo o mundo, orientando educadores quanto a essa questão. A antropologia antroposófica reconhece a importância do desenvolvimento físico, anímico e espiritual do ser humano em formação. E os sete primeiros anos da criança, por exemplo, representam uma fase de grande dispêndio de energia para preparar toda uma condição física. Isso se evidencia no princípio da troca dos dentes e em um desenvolvimento neurológico e sensorial que tem sua expressão no domínio corporal, na linguagem oral, na fantasia, na inteligência.
Contudo, é na atividade do brincar que essas capacidades são desenvolvidas com alegria e seriedade, com atenção e responsabilidade, com segurança e confiança em um mundo bom, que não exige da criança além de suas possibilidades, ou seja, uma entrada precoce no mundo adulto. E alfabetizar precocemente significa empurrar a criança para o mundo adulto (para o qual ela não está preparada, portanto) antes da hora, um gasto de energia que poderá fazer falta na vida futura dela.
Em minha experiência docente, assim como psicopedagógica, sempre constato que, para uma criança pequena, o código alfabético é estéril, sem cor, sem beleza, pois é abstrato e desconhecido. Mesmo depois de alfabetizada, é o desenho que representa tão significativamente as suas vivências. Podemos verificar tal condição quando estudamos a escrita de nossos antepassados e a forma de comunicação de nossas crianças, o desenho. A escrita do povo egípcio, os hieróglifos, é a representação objetiva da realidade, ou seja, a re(a)presentação do mundo sensório pelo desenho. Mas quando em 3.000 a.C. surgiu a escrita fonética dos fenícios, ocorreu um distanciamento dessa forma de expressão, porque o fonema não tem mais relação direta com os elementos do mundo circundante.
O desenho da criança é, portanto, a sua forma de comunicação natural, semelhante aos antigos egípcios, que revela seu universo infantil com o código que lhe é caro e próprio. Quando a sua criança lhe mostra um desenho que tenha feito, ela está lhe contando como vê o mundo, como se sente, se está alegre ou triste. Não é só a escrita que é capaz disso.
Nas escolas Waldorf a alfabetização pelo código fonético inicia-se pelo desenho, de forma lenta e gradual, a partir dos 6 anos, mas o desenho e a pintura correm em paralelo por toda a escolaridade, como uma forma de comunicação tão importante quanto nossa linguagem escrita.
A pedagogia Waldorf pressupõe que o professor, realizador dessa pedagogia, conheça o ser humano em seu desenvolvimento geral, respeite o contexto sociocultural em que o aluno está inserido e saiba organizar seu ensino privilegiando a brincadeira, o canto, a dança, para que a alfabetização (e qualquer outro conteúdo de ensino) tenha significado e seja efetiva.
Entendemos o brincar como o princípio lúdico que embasa as atividades artísticas e orienta toda a prática docente, mas que também significa ou re-significa o ensino-aprendizado, pois é o motivo, o vínculo afetivo com o professor e com o conteúdo. Termino com a frase do filósofo Friedrich Schiller: "O homem só brinca ou joga enquanto é homem no pleno sentido da palavra, e só é homem enquanto brinca ou joga".

O mapa das nossas minas, IstoÉ


Segundo maior produtor mundial de ferro e manganês, o Brasil faz a conta de quanto tempo as atuais reservas irão durar enquanto procura por novas jazidas

Edson Franco
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Piercings, motores de jatos e oleodutos têm algo em comum. Todos levam nióbio em sua composição. Resistente e raro, esse metal é um presente geológico para o Brasil, que concentra 98% da oferta mundial. Caso novas jazidas não sejam encontradas, esse quase monopólio nacional tem prazo para acabar. Ao ritmo atual de exploração, em 57 anos não será encontrado mais um grama de nióbio em solo brasileiro.

Com preocupações desse tipo, os maiores geólogos e especialistas em mineração do mundo se reúnem em Santos (SP), entre 30 de setembro e 5 de outubro, durante o 46º Congresso Brasileiro de Geologia. Além de encontrar formas de beneficiar as populações das áreas exploradas, os pesquisadores vão expor ideias que garantam matéria-prima para que as gerações futuras também possam ter seus piercings, jatos e oleodutos.

Especialistas na área são unânimes em afirmar que estão distantes os dias em que os recursos minerais estarão extintos. Muito mais do que se preocupar com o fim das reservas conhecidas, engenheiros e geólogos devem descobrir como explorá-las com mais eficiência e procurar por novas jazidas. “No Brasil, podemos e precisamos encontrar muitas outras reservas. O problema é que gastamos em pesquisa geológica o mesmo que Argentina e Chile, que têm território muito menor”, pondera Fábio Braz Machado, presidente da comissão organizadora do congresso. 

Contrário às previsões mais alarmistas sobre o fim de nossas reservas, o geólogo David Siqueira Fonseca, do Departamento Nacional de Produção Mineral, lembra o cenário da crise do petróleo em meados dos anos 1970. “Diziam que o mundo teria óleo, no máximo, até 1985. Mas as técnicas de prospecção evoluíram tanto que ninguém mais estipula uma data para o fim do petróleo na Terra”, diz. Para ele, um dos maiores problemas da mineração nacional é o baixo conhecimento que o País tem sobre suas próprias formações geológicas. Um fator que impede estudos mais aprofundados são as áreas de proteção ambiental ou indígenas. Nelas, os cientistas são impedidos de lançar as suas sondas. Mas isso não gera um conflito entre geólogos e ecologistas. “Essas áreas são uma espécie de reserva para o futuro. Quando as jazidas atuais estiverem esgotadas, será a hora de discutir o momento de começar a explorar essas áreas”, afirma Fonseca.
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Outra dificuldade da pesquisa geológica nacional é a falta de engenheiros e geólogos. Estimular a formação e preparação de profissionais especialistas em mineração é uma das preocupações do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea). Desde o início deste século, a mineração nacional passou por um boom e chegou a uma situação de pleno emprego, o que obriga as empresas do ramo a prospectar engenheiros e geólogos como se fossem ouro.

Mesmo com essa deficiência de pessoal, o Brasil comemora a descoberta de jazidas com metais supervalorizados e raros nesses tempos em que a tecnologia exige materiais cada vez mais versáteis. Em 2011, foi encontrada na Bahia uma grande reserva de tálio, metal usado em contrastes de exames cardiológicos e como supercondutor na transmissão de energia. Outra descoberta, também na Bahia, ocorreu neste ano. O geólogo João Carlos Cavalcanti encontrou no oeste do Estado uma reserva estimada em 28 milhões de toneladas de neodímio – um dos 17 elementos que compõem o grupo de minerais chamado de terras raras, usados em equipamentos como carros elétricos, smartphones e tablets.

Enquanto os estudiosos debatem soluções e comemoram descobertas como essas, o público que for ao congresso em Santos terá várias portas de entrada para o mundo da geologia. A 800 metros do Centro de Convenções Mendes, sede do evento, será montada a Praia das Geociências, espaço para que leigos e curiosos conheçam a variedade geológica do Brasil. Os frequentadores também poderão adquirir o livro “Brasil Geológico”, do geólogo Ricardo Siqueira, que juntou ciência e fotografia para investigar as mais fascinantes formações rochosas brasileiras. Por fim, quem comparecer volta para casa com uma amostra da nossa riqueza mineral: um vidrinho contendo 1,8 ml de petróleo vindo diretamente do pré-sal. 

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Sorria, você está sendo filmado


Hélio Schwartsman

SÃO PAULO - O Colégio Rio Branco, uma das mais tradicionais escolas particulares de São Paulo, instalou câmeras de vigilância nas salas de aula. Até onde devemos avançar na utilização de tecnologias de monitoramento? Esse é o melhor teste para distinguir consequencialistas, isto é, aqueles espíritos essencialmente pragmáticos, dos deontologistas, os partidários de éticas do dever.
E o grande problema com as câmeras, como observou o filósofo Emrys Westacott, é que elas funcionam. Sua mágica é que fazem com que a obrigação coletiva (o cumprimento de regras) e o interesse próprio (não ser apanhado), que muitas vezes andam separados, coincidam. É só acionar uma dessas engenhocas que as pessoas começam a se comportar melhor. Como ser contrário a isso?
Essa é uma missão para Immanuel Kant. Para o filósofo prussiano, um homem pode fazer a coisa certa ou por temer a sanção ou por reconhecer a racionalidade por trás da norma. Só na segunda hipótese ele age de forma moral e livre. É só aí que ele se constitui como sujeito autônomo.
Avançando um pouco mais no raciocínio kantiano-westacottiano, as câmeras, ao jogar o interesse para o mesmo lado da obrigação, na verdade nos privam da liberdade de fazer o que é certo, isto é, impedem nosso crescimento como agentes morais.
O dilema não tem solução, ou melhor, a resposta muda conforme o contexto. A maioria de nós tende a ser favorável à colocação de câmeras em lugares públicos de grande afluxo de pessoas, como aeroportos e prisões, já que elas melhoram bastante a segurança. Mas não aderimos tão entusiasmadamente a elas em situações mais privadas, como o quarto conjugal ou, de forma menos dramática, o ambiente de trabalho. E a razão, creio, é que prezamos a ideia de aprimoramento moral. Eu pelo menos, apesar de minhas inclinações consequencialistas, hesitaria em matricular meus filhos numa escola sob vigilância perpétua.
Hélio Schwartsman
Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve na versão impressa da Página A2 às terças, quartas, sextas, sábados e domingos e às quintas no site.