segunda-feira, 3 de setembro de 2012

É a política, Serra!, por Demétrio Magnoli


Uma lenda urbana atribui ao jornalista Gilberto Dimenstein a queda livre de José Serra nas pesquisas de intenção de voto para a Prefeitura de São Paulo. O pretenso culpado deve gostar da fama produzida por tal interpretação. Contudo, ela é falsa. O desencanto com o candidato não deriva da ruptura de um compromisso fajuto assinado num papelucho, durante a campanha eleitoral municipal de 2004, mas da ruptura de um compromisso verdadeiro firmado com os eleitores paulistanos nas campanhas estadual de 2006 e presidencial de 2010.
O dever profissional dos jornalistas é noticiar e interpretar os fatos. Alguns, porém, operam em frente dupla, atuando como jornalistas militantes e criando os próprios fatos políticos. Dessa distorção do jornalismo nasceu a iniciativa de Dimenstein de solicitar publicamente, em 2004, que Serra assinasse o papelucho no qual prometia cumprir integralmente o mandato de prefeito. O candidato, sem alternativa face às circunstâncias de uma campanha eleitoral, assinou a declaração de intenção. Dois anos mais tarde, entregou o cargo de prefeito ao vice, Gilberto Kassab, e candidatou-se ao governo do Estado. Hoje, os "serristas" plantam o diagnóstico de que a "maldição de Dimenstein" assombra o candidato. A explicação, tão simples quanto errada, cumpre a função de ocultar o fundo político do problema.
O PT ergueu o papelucho como uma lança contra Serra nas eleições de 2006 e 2010, fracassando duas vezes. Serra foi eleito governador com os votos da maioria dos eleitores da capital paulista e, depois, bateu Dilma Rousseff na cidade de São Paulo. Os eleitores revelaram compreender a natureza da política na democracia. Aceitaram o "contrato" proposto pelo prefeito, que não é um funcionário burocrático, um gerente ou um síndico, mas um líder político. No "contrato", acordava-se que o vice-prefeito Gilberto Kassab representaria a continuidade da gestão municipal e que Serra representaria a oposição ao governo federal nos voos mais altos rumo ao Bandeirantes e ao Planalto. A mensagem - correta! - dos eleitores é que esse contrato foi fraudado, nas suas duas cláusulas.
Cláusula um: Kassab, a continuidade. O prefeito realiza uma administração medíocre, mas a rejeição do eleitorado explodiu na hora em que resolveu inventar o PSD - um partido que, nas suas curiosas definições negativas, não seria "de direita, de esquerda, nem de centro", e também não marcharia com a oposição ou a situação pois, "em relação ao governo federal, nossa posição será de independência". O partido de Kassab, todos entenderam, é um segundo PMDB: uma reunião ecumênica de oportunistas ou, mais claramente, um balcão de negócios no varejo e no atacado. Serra e, depois, Kassab, venceram as eleições municipais em disputas contra Marta Suplicy, do PT. A declaração de "independência" de Kassab foi interpretada pelos eleitores como a traição do "contrato" assumido em 2004 e renovado em 2008. Mas o prefeito, ungido originalmente por Serra, continua a figurar como seu aliado político. A aventura kassabista do PSD pesa contra Serra. Alguém aí acha que os eleitores estão errados?
Cláusula dois: Serra, o oposicionista. A aversão registrada pelas pesquisas atuais ao candidato tucano tem suas raízes na campanha presidencial de 2010, quando Serra renunciou ao dever de falar de política. Quando sufragaram majoritariamente seu nome, os paulistanos já agiam movidos pela inércia derivada da carência de alternativa. Ninguém esquecera que o tucano inaugurou o horário eleitoral obrigatório associando fraudulentamente sua imagem à de Lula. Nem que sua campanha, no lugar da crítica política ao governo e da oferta de um rumo diferente, preferiu estabelecer um "concurso de beleza" entre os candidatos, operando nos registros da "experiência" e da "capacidade administrativa" do tucano.
Serra não apenas perdeu eleitoralmente, uma contingência normal na democracia, mas faliu politicamente, recusando-se a representar o eleitorado de oposição. No dia da derrota, evidenciando aguda arritmia política, substituiu os devidos cumprimentos à candidata vitoriosa por um discurso patético de conclamação à "resistência" na "trincheira democrática". Depois, jamais apresentou à opinião pública um balanço da derrocada, escolhendo o caminho da autoilusão. Seu marqueteiro de 2010 conduz a atual campanha à Prefeitura, uma escolha que deveria integrar as novas edições das enciclopédias de filosofia como ilustração do verbete hubris, palavra de origem grega que reúne as ideias de orgulho e arrogância, em grau próximo à desconexão com a realidade.
Há algo de triste, quase trágico, em tudo isso. Serra possui qualidades admiráveis, que se destacam sobre uma paisagem política dominada por espertalhões, salafrários e bandidos. Ele mesmo, contudo, cuidou de ocultá-las minuciosamente, acendendo apenas os holofotes que iluminam a sua hubris. Azar dele, talvez. Mas todos nós, inclusive seus adversários políticos honestos, perdemos alguma coisa.

O peso, a mola, o suicídio,José Roberto de Toledo - O Estado de S.Paulo



José Serra (PSDB) cresceu. Pode não ter sido nas pesquisas, mas evoluiu politicamente. Sua fidelidade a Gilberto Kassab (PSD) é de fazer inveja aos tucanos. Sua disposição para elogiar a gestão do prefeito nos erros e nos acertos é rara na política. O candidato Serra mudou 180 graus em comparação à eleição presidencial de 2002. Tornou-se um campeão da continuidade com continuísmo. Era tudo o que Fernando Henrique Cardoso queria dez anos atrás. Alguém que defendesse seu governo e sua imagem com gana. Que falasse seu nome e mostrasse suas obras na TV.
Não é fácil defender um governante impopular. Custa e caro. O candidato aliena o eleitorado que desaprova aquela administração. Mas Serra está pagando sem reclamar. O tucano segue no patamar de 13% de intenção de voto entre os eleitores que acham o governo Kassab ruim ou péssimo, segundo o Ibope. Não seria um problema se o contingente dos que acham a gestão Kassab ruim ou péssima fosse pequeno. Era 43% do total do eleitorado da cidade antes da propaganda começar. É 48% agora.
"O Kassab tem uma gestão na Prefeitura que é bem melhor do que a avaliação que neste momento tem". As palavras "neste momento" dessa frase de Serra (dita em entrevista à TV Estadão na sexta-feira) encerram sua esperança. Em 2008, Kassab também era mal avaliado antes da campanha eleitoral, mas usou suas horas na TV para convencer o eleitor do contrário e acabou reeleito.
A torcida de Serra não basta para a história se repetir. Talvez sua propaganda ajude, mas está atrasada. Na eleição paulistana anterior, o prefeito partiu de um fosso menos profundo e começou a escalada antes. Além disso, enfrentava uma adversária que carregava uma taxa de rejeição equiparável à de Serra hoje. As circunstâncias são diferentes, o resultado pode ser também.
Serra não está levando um voto sequer para carregar Kassab. Antes do horário eleitoral, tinha 42% entre os raros eleitores que acham a gestão do prefeito boa ou ótima. Tem agora 36%. Entre o terço que classifica o governo Kassab como "regular", o tucano caiu de 31% para 21%. Como os números do Ibope mostram, a administração do fundador do PSD está longe de ser uma mola.
Olhando de fora, carregar um peso como Kassab parece fatal para um candidato. Mas Serra conformou-se na entrevista à TV Estadão: "É uma realidade". Prefeito e candidato são uma coisa só. Um veio do outro. É como se Kassab tivesse mantido a cadeira ocupada para ninguém sentar enquanto Serra foi ali disputar uma eleição de governador e outra de presidente. Unha e carne. São tão indissociáveis que Serra não só defende como diz que "faria o mesmo" quando a Prefeitura de São Paulo viola o sigilo médico de um eleitor que só queria curar os olhos para voltar a trabalhar, mas foi usado como bola de pingue-pongue pelas campanhas do PT e do PSDB na sua guerra de versões.
O episódio, trazido à luz pelo corajoso furo da repórter Julia Duailibi, sintetiza a sucessão paulistana até agora. Petistas e tucanos ficam de picuinha, e o eleitor paga a conta. Gabriel Chalita (PMDB) martela esse diagnóstico diariamente, mas quem fatura é um adversário. Celso Russomanno (PRB) lidera a eleição enquanto Serra e Fernando Haddad (PT) empatam, um ao outro.
Neomalufismo. Paulo Maluf (PP) suicidou-se, politicamente, ao bancar Celso Pitta como seu sucessor à Prefeitura de São Paulo. Nunca mais ganhou uma eleição majoritária. Mas seu legado reaparece nesta sucessão, ironicamente pelas asas de um renegado. Russomanno nasceu para a política quando Maluf era governador, há mais de 30 anos. Rompeu e, agora, "Celsinho do Detran" herda o malufismo, sem Maluf. Como Lula, ele transforma eleitor em consumidor e vice-versa. É o malufismo de consumo.
Neofilia. Chalita foi de uma sinceridade comovente ao confirmar, em entrevista à TV Estadão, que está faltando dinheiro e faz campanha a fiado. É dos poucos a admitir, mas está longe de ser o único a enfrentar escassez de doações eleitorais. A prestação parcial de contas mostra que a maior parte do dinheiro gasto até agora (42%) nas campanhas Brasil afora veio - pasme - do bolso dos candidatos. Devem ver o gasto como um investimento.
Não é o caso de Chalita, que tem sido (mal) bancado pelo PMDB. Os partidos, aliás, tiraram mais dinheiro de seus cofres para custear campanhas do que as empresas. Ao menos por enquanto. É um sinal de que os empresários estão esperando para ver quais candidatos emplacam nas pesquisas para só investir no favorito. Chega de gastar com perdedor. Por falar em perdedor, tem partido de candidato derrotado a presidente com fatura de mais de R$ 700 mil pendurada até hoje na praça. Os fiadores de Chalita devem estar preocupados.

O fim da geração das diretas




Coluna Econômica - 03/09/2012 por Luis Nassif

As pesquisas eleitorais da semana passada – IBOPE, DataFolha e Vox Populi – marcam definitivamente o fim de uma era na política brasileira.
Mostraram a candidatura de José Serra à prefeitura de São Paulo desabando em todos os níveis e, particularmente, entre eleitores do PSDB. Parte migrou para o candidato Celso Russomano, parte menor para Gabriel Chalita.
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Serra morre politicamente, mas arrasta o partido consigo. Não fosse seu estilo trator, sua incapacidade crônica de permitir o florescimento do novo, o PSDB paulistano estaria com Gabriel Chalita em boa colocação, sem um centésimo da taxa de rejeição do candidato oficial. Ou estaria com José Aníbal, tucano histórico que, em muitas oportunidades, sacrificou-se pelo bem do partido. Ou apostando em outro nome novo que, mesmo perdendo, lançasse as bases para a renovação partidária.
No entanto, percebendo o potencial político de Chalita, assim que assumiu o governo do Estado Serra iniciou um trabalho pertinaz de desconstrução da imagem do correligionário. Fez o mesmo com Aníbal e com quem mais pudesse, no futuro, despontar como liderança partidária.
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A insistência irracional de Serra em manter-se à tona, em pensar apenas no próprio umbigo, deixa o PSDB em posição difícil. E revela o derradeiro fracasso de FHC frente a Lula.
Até então, a política brasileira pós-redemocratização girava em torno dos políticos que ascenderam com a campanha das diretas. Houve dois partidos com perspectiva de poder – PSDB e PT – ambos dominados por oligarquias políticas da geração das diretas.
No caso do PSDB, houve um sopro de renovação trazido por Franco Montoro (quando governador de São Paulo pelo PMDB), mas com o partido focado em São Paulo. No caso do PT, uma base ampliada de militantes, permitindo revelar lideranças em outros estados, mas ainda assim com o centro do poder concentrado em São Paulo – dos sindicalistas e “igrejeiros” de Lula aos egressos da guerrilha, de José Dirceu.
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Lula percebeu os novos tempos, entendeu que havia se esgotado o ciclo de Aloisio Mercadante, Martha Suplicy e, de cima para baixo, impôs a renovação: pessoas com perfil administrativo, sem a pesada carga ideológica dos velhos militantes. Lançou Dilma Rousseff para a presidência e Fernando Haddad para a prefeitura de São Paulo.
FHC não teve o mesmo descortino. Em 2010 bancou a candidatura pesada de Serra à presidência, abortando o voo de Aécio Neves – no único momento em que o cavalo passou encilhado para o ex-governador mineiro. Permitiu que o partido ficasse nas mãos do inexpressivo Sérgio Guerra, fechou os olhos para o potencial de um Antônio Anastasia, governador de Minas, abriu mão das políticas inovadoras do Espírito Santo, perdeu o discurso socialdemocrata.
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Com Aécio demonstrando total falta de vontade de abrir mão da vida pessoal, sem abrir espaço para outras vocações, o PSDB perde o protagonismo.
Passados os efeitos dessas eleições, haverá um rearranjo da política nacional. Encerra-se a geração das diretas, entram outros protagonistas, como o governador de Pernambuco Eduardo Campos ou o prefeito do Rio, Eduardo Paes. E o próprio Anastasia como vice de Campos, se o PSDB tiver juízo.