domingo, 2 de setembro de 2012

Há 40 anos, o metrô - enfim - começava a operar


BRUNO RIBEIRO , EDISON VEIGA - O Estado de S.Paulo
Espanto. Empolgação. Otimismo. E um pouco de medo. Foi assim que São Paulo viu nascer seu metrô, em 6 de setembro de 1972. Nessa data ocorreu o primeiro teste de um trem da companhia, em evento que contou com a presença de autoridades municipais, estaduais e federais.
O transporte rápido sobre trilhos só começaria a operar comercialmente dois anos mais tarde, mas o teste foi considerado uma inauguração: afinal, ainda que por poucos metros, era a primeira vez que um metrô andava em São Paulo.
"Naquele tempo, uma coisa dessas era novidade para todo mundo", comenta Antonio Aparecido Lazarini, que teve o privilégio de ser o condutor desse primeiro teste (leia mais abaixo). "Tinha gente que perguntava se, por andar debaixo da terra, dava para ver o subsolo. E muitos tinham medo, diziam que podia ser perigoso, que jamais andariam em um negócio desses. Alguns imaginavam que andar de metrô seria como entrar em uma caverna."
Os funcionários mais antigos da companhia também se recordam que muitos paulistanos não aprovavam as obras. Reclamavam dos transtornos na região, da demora em concluir tudo e, principalmente, do alto valor investido.
Evolução. Autoridades, urbanistas e as pessoas mais esclarecidas, por outro lado, viam a novidade com extremo otimismo. Em 25 de janeiro de 1972, o Estado publicou uma reportagem em que especialistas previam que, dentro de 20 anos, a cidade contaria com "dezenas de linhas de metrô". Quarenta anos se passaram e as linhas são apenas cinco. Quando o metrô entrou em operação, seus trens percorriam, diariamente, 353 km. Hoje, o total percorrido é de cerca de 67 mil km.
Outro fato importante é que o metrô já nasceu atrasado em São Paulo. Para se ter uma ideia, Londres, a primeira cidade do mundo a contar com um sistema de transporte assim, fez essa inauguração em 10 de janeiro de 1863. Isso mesmo: 111 anos antes da inauguração comercial do sistema em São Paulo. Resultado: enquanto a malha metroviária da capital britânica é de 400 km, os paulistanos têm apenas 78,1 km à disposição (veja mais dados no infográfico acima).
Otimismo. O secretário de Estado de Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, diz que a marcha lenta da criação de novas linhas ficou no passado. "A expectativa hoje é muito mais segura. Você tem quatro linhas em construção e, até março, poderemos ter cinco obras ao mesmo tempo. É inevitável que vamos partir para um patamar de 10 km de linhas construídas por ano." O que se viu até agora, no entanto, foi um número muito menor. Na história do metrô, a média tem sido de 2 quilômetros de linha a cada 12 meses.
Com mais linhas abertas, a promessa da atual gestão da Companhia do Metropolitano é de uma cidade integrada. "Certamente vai mudar o perfil. Será uma rede que ultrapassará os 100 km em 2014 e os 200 km no final da década", afirma o secretário.
As projeções dos órgãos que planejam o transporte público da cidade são de que, antes de 2020, a maior parte das viagens realizadas na cidade será feita por metrô.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

As duas visões da diplomacia comercial brasileira


Coluna Econômica - 31/08/2012 Luis Nassif

Cristina Kirchner, da Argentina, é uma populista irremediável, Hugo Chávez, da Venezuela, um subversivo disposto a colocar fogo no continente e Ollanta Humalla, do Peru, um esquerdista indefinido. E para as grandes empresas brasileiras, os três representam excelentes oportunidades de negócio, muito bem aproveitadas pelo não-alinhamento pragmático da diplomacia brasileira.
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De 2004 a 2009, por exemplo, a Odebrecht mantinha na Argentina um escritório com 15 funcionários. A partir de 2012, tem 15 mil funcionários atuando em projetos de infraestrutura, energia.
A empresa divide grandes obras, entre outros, com a sueca Skanska, com a argentina Hochtief. As contratações são efetuadas, os pagamentos feitos em dia.
O mesmo ocorre no Peru, com investimentos estáveis, apesar das mudanças políticas.
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Nem se fale da Venezuela, que tornou-se grande parceira do Brasil desde o governo Fernando Henrique Cardoso.
Boquirroto, valentão, impulsivo, vá lá, mas Hugo Chávez assumiu o poder disposto a mudar a realidade do país, dominado pela mais corrupta elite latino-americana.
Sem dispor de quadros técnicos, passou a considerar o Brasil o modelo a ser seguido. Referia-se a Fernando Henrique Cardoso como “mi maestro. No dia em que Lula foi eleito e proferiu o famoso discurso inicial, tornando os pobres o público preferencial, imediatamente ganhou a admiração de Chávez.
No que importa: foram essas afinidades que abriram espaço para as empresas brasileiras conquistarem amplos espaços, especialmente depois da nacionalização de parte da produção petrolífera venezuelana.
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As aventuras da Odebrecht com o Chile e com o Peru são bastante signficativas para entender os efeitos da diplomacia sobre os negócios.
Quando iniciou sua internacionalização, as primeiras investidas da Odebrecht foram em países vizinhos, construindo uma hidrelétrica no Chile, outra no Peru. Ambos os países eram ditaduras militares, o Chile dominado pela direita de Augusto Pinochet; o Peru pela esquerda de Velasco Alvarado.
Politicamente, as afinidades brasileiras eram com a ditadura de Pinochet. Só que o general colocou o Chile sob a órbita dos Estados Unidos. Com isso, abriu uma enorme mercado nos EUA para as frutas chilenas. Mas nenhuma empresa brasileira conseguia entrar no mercado chileno.
Quando Jimmy Carter assumiu a presidência dos EUA, durante um certo período interrompeu toda a ajuda ao Chile, devido aos problemas com direitos humanos. A Odebrecht aproveitou a brecha, ampliou sua presença no país.
Ao assumir a presidência dos EUA, Ronald Reagan reabriu as portas para o Chile, que virou as costas para o Brasil, deixando as empresas brasileiras penduradas com a broxa na mão.
Até hoje o Brasil não tem entrada no Chile.
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Alvarado era apoiado pela URSS.
A convivência com os soviéticos, no Peru, permitiu à Odebrecht ser convidada para construir as obras civis da hidrelétrica de Capanda, em Angola. Era o ano de 1984, em que o país se denominava de República Marxista-Leninista de Angola.
É por isso que, enquanto na velha mídia se pratica o jogo do faz-de-conta, em outros setores trata-se a América Latina com visão pragmática e estratégica.

Desequilíbrio, por Delfim Netto


Uma concepção importante que separa as tribos que constituem a nação dos economistas é a de "equilíbrio". Na sua formação, o economista é ensinado a entender uma situação onde tudo permanece como está, exceto a variável sob a qual se debruça.
Para "explicar" a variação do preço do tomate, por exemplo, ele "constrói" uma curva de demanda por tomate somando as "curvas individuais"
de demanda por tomate de toda a comunidade para cada nível suposto de preço. Chama essa "construção" de curva de procura por tomate: é a quantidade de tomate que a comunidade deseja e tem renda para consumir numa certa unidade de tempo, para cada nível de preços com que se defrontar no mercado.
Do lado da oferta, é evidente que ela, na mesma unidade de tempo, é fixa e determinada pelo estoque de tomate disponível no mercado. "Idealmente", o preço do "equilíbrio" do tomate nesse mercado é o que, na curva de procura global, esgota o estoque disponível no momento.
Duas observações valem a pena. Primeiro: essa aparente simplicidade, quando tornada logicamente rigorosa, envolve muitas hipóteses, algumas seguramente arbitrárias. Segundo: como deve ser evidente, o tal "equilíbrio" se sucede a cada unidade de tempo. Nenhum deles pode, logo, ser considerado o "preço de equilíbrio" contra o qual comparamos os outros.
Essas considerações valem para o mercado de tomate, mas são ainda mais válidas quando incluímos todos os mercados. Aí a noção de "equilíbrio" perde ainda mais seu significado. Afinal, o que seria tal equilíbrio? Uma situação em que nada varia! Onde todos os agentes sociais e econômicos envolvidos, trabalhadores, empresários, banqueiros e governo não teriam incentivo para alterar sua situação.
Na vida econômica (ao contrário da "teoria"), não há equilíbrio, porque este é o "rigor mortis"! E muito menos "equilíbrio dinâmico", porque isto é um oximoro!
Algumas vezes tenta-se colocar a ideia do "equilíbrio" como o estágio final de um processo de sucessivos desequilíbrios que convergiriam para ele, concepção que incorpora uma formalização altamente abstrata e duvidosa.
O desenvolvimento econômico, nas condições institucionais adequadas, é um processo de permanente desequilíbrio. Quando bem-sucedido, produz mais desequilíbrios!
A frustração dos planos dos agentes econômicos é exatamente o incentivo para mantê-los na busca de sua realização. É por isso que é papel fundamental de um Estado forte, constitucionalmente controlado, manter relação amistosa com o setor privado na produção de "desequilíbrios criadores", como é o caso das concessões de infraestrutura.