segunda-feira, 23 de julho de 2012

Crédito, um venenoso remédio


Diante do recorde de inadimplência, cabe a pergunta: os homens se tornaram mais escravos do que beneficiários das coisas?

01 de julho de 2012 | 3h 10
LEDA MARIA PAULANI; É PROFESSORA TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA FEA-USP, DA PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA DO IPE/USP - O Estado de S.Paulo
LEDA MARIA PAULANI
Ao longo da semana, a imprensa trouxe várias matérias sobre o nível de inadimplência na economia brasileira hoje. O Departamento Econômico do Banco Central, por exemplo, informa que a inadimplência total está no maior patamar da série, iniciada em junho de 2000. Isso é reflexo não só da elevação porcentual do número de famílias que enfrentam problemas para honrar seus compromissos financeiros e creditícios, como do vigoroso crescimento do volume de crédito ofertado nos anos de 2009 e 2010. A ampliação do crédito, como se sabe, foi um dos instrumentos mais acionados pelo governo na busca de combater as consequências, para a economia brasileira, da crise financeira internacional deflagrada ao final de 2008.
Há muito que pensar sobre o que significa o crédito e a forma como vem sendo utilizado, tanto do ponto de vista de sua racionalidade econômica e funcionalidade num contexto de crise quanto, numa perspectiva mais ampla, sobre o significado de suas consequências do ponto de vista da sociedade que vai se construindo com seu auxílio.
Do ponto de vista da dinâmica que move a economia capitalista, a adoção desse tipo de medida é absolutamente racional e tende a ser eficiente no que concerne ao objetivo de erguer aquilo que os economistas chamam de demanda efetiva, incentivando com isso o crescimento do produto, do emprego e da renda. Suas consequências do ponto de vista dessa mesma dinâmica podem, no entanto, ser deletérias, se a ampliação do crédito "sair do controle" e começar a se alimentar de si mesma, como sói ocorrer com ativos emitidos a partir de operações desse tipo. Foi alguma coisa parecida com isso, aliás, que esteve na raiz da crise imobiliária de 2008 nos Estados Unidos, assentada na expansão do crédito e do endividamento das famílias, via hipotecas. O interessante aqui é salientar que esse crescimento por lá foi empurrado com mão forte pelo próprio governo americano, não só por meio de abrupta redução da taxa de juros como pelo incentivo direto, via peças publicitárias, para que os cidadãos americanos utilizassem seus cartões de crédito e se lembrassem que "imóvel é ativo real" e pode lastrear empréstimos. E tudo isso foi feito, a partir de 2001, visando a tirar a economia americana da crise em que mergulhara por conta do estouro da bolha das empresas "ponto com" na bolsa de Nova York.
O leitor atento já terá percebido que há aqui um processo marcado pela tautologia e pelo caráter autorreferencial, uma vez que o veneno que mergulha a economia no poço é idêntico ao remédio que se utiliza para resgatá-la. Isso é da natureza das operações de crédito e da frenética atividade de emissão de riqueza fictícia (bolhas) que elas podem gerar, mas mais que isso, na atual fase vivida pelo sistema capitalista em nível mundial, a formação de bolhas, longe de ter caráter episódico, passou a ter caráter praticamente permanente. Isso, evidentemente tornou mais agudas as contradições inerentes ao sistema econômico sob o qual vivemos.
E é sob essa chave que podemos pensar o crescimento desmesurado do crédito para além dos muros da economia, e veremos que as contradições não param por aí. A racionalidade econômica da sociedade moderna reza que, quanto mais consumo, mais produto, mais renda e mais emprego. Sem consumo, ou com consumo refreado, as expectativas de lucratividade se deprimem, os investimentos mínguam, o produto encolhe, contingentes enormes de pessoas são demitidas e têm suas vidas desestruturadas. É para evitar esse tipo de coisa, ou minorar esses fenômenos e as agruras que eles provocam, que os governos recorrem ao... crédito.
Portanto, em nossa sociedade, as coisas só andam bem no quesito econômico quando consumimos irrestritamente, por funestas que sejam as consequências desse consumo irrefreado sob todos os outros pontos de vista. Assim, se é absolutamente racional da perspectiva do andamento da economia ampliar o acesso ao automóvel particular, é completamente irracional fazê-lo do ponto de vista ambiental, da utilização dos recursos naturais, da sanidade do ambiente urbano, entre tantos outros aspectos que poderíamos citar. Mas isso não é privilégio do automóvel: qual é a lei que nos obriga a consumir muito mais vestuário do que seria necessário (a cada ano as coleções mudam!), muito mais engenhocas eletrônicas, muito mais bugigangas de toda ordem? Tudo isso não parece absolutamente irracional sob qualquer outra ótica que não a puramente econômica? A essas alturas alguém poderia observar que estamos esquecendo o elo principal de toda essa cadeia, aquilo que torna racional toda essa irracionalidade: todas essas coisas são produzidas para atender às necessidades humanas. Mas não há nesse contexto uma inversão? Hoje, na maior parte dos casos, em particular nas sociedades mais abastadas, os homens parecem mais escravos das coisas do que seus beneficiários. O caráter contraditório do crédito não é estranho a essa sociedade na qual, a depender do ângulo em que se olha, tudo parece de cabeça para baixo.

As ficções malignas, por Mario Vargas Llosa


Os seres humanos não podem viver sem ficções - mentiras que parecem verdades e verdades que parecem mentiras. E, graças a essa necessidade, existem criações maravilhosas como as belas artes e a literatura, que tornam mais suportável a vida das pessoas. Mas há as ficções benignas, como as que saíram dos pincéis de um Goya ou da pena de um Cervantes, e aquelas malignas, que negam sua natureza subjetiva, ideal e irreal e se apresentam como descrições objetivas, científicas, da realidade.
Mais recentemente, tivemos muitas oportunidades de ver os efeitos perniciosos das ficções malignas, disseminadas por alguns gurus, que dizem respeito principalmente à economia como um todo. A mais recente é a de Paul Krugman que, em sua coluna no New York Times, anunciou um próximo "corralito" na economia espanhola, o que por acaso contribuiu para acelerar a fuga de capitais da Espanha e deve ter deixado estupefatos muitos dos seus admiradores que ainda não tinham percebido que também os ganhadores do Nobel de Economia, quando se transformam em ícones da mídia, às vezes dizem bobagens.
Vale a pena dizer que os assustados com as profecias apocalípticas do professor de Princeton deveriam acreditar mais no presidente da Telefônica, César Alierta, que acabou de afirmar, categoricamente, que "a Espanha é um país solvente, tanto no setor público como no privado". Tenho certeza absoluta de que Alierta está melhor informado do que o doutor Krugman sobre a saúde econômica do país.
Uma das ficções malignas que, desde a Idade Média, é um tópico da cultura europeia é a da decadência do Ocidente. Em suas origens, ela tinha uma hipotética base religiosa e apocalíptica. No Ocidente ocorreria o fim dos tempos, da história, e o final seria precedido de um longo período de anarquia e catástrofes, matanças, pestes, confusão e ruína. Mais tarde, essas sombrias previsões foram perdendo sua conotação bíblica e adotando um semblante mais realista. Não seriam os inescrutáveis desígnios de Deus, mas a insensatez e a loucura dos próprios europeus que precipitariam a ruína e o colapso do Ocidente.
A verdade é que, apesar de guerras, epidemias, genocídios e de todas as formas de destruição e extermínio ao longo de sua história, a Europa, berço da cultura da liberdade, ainda está viva e ativa, enterrou as duas ameaças mais poderosas à democracia - o fascismo e o comunismo - e é a única região do planeta onde está em curso a construção de um grande projeto de integração de nações, sociedades, culturas, economias e instituições sob o signo da legalidade e da liberdade.
A ficção maligna em moda hoje é proclamar o fracasso da União Europeia, esse trabalho graças ao qual o Ocidente vive o mais longo período de paz e convivência da sua história e conseguiu reduzir ao mínimo os regimes antidemocráticos em seu centro e na sua periferia.
E conseguiu ainda diminuir a pobreza e elevar de maneira significativa o nível de vida da população. Diariamente, surgem relatórios técnicos, análises administrativas, pesquisas sociológicas e, principalmente, estudos econômicos demonstrando a insolvência do euro e o seu declínio inexorável, o fracasso da tentativa de unir economias avançadas e sólidas e aquelas de países pobres e subdesenvolvidos. Estatísticas fantásticas indicam que a abertura das fronteiras dentro da Europa fizeram disparar a imigração ilegal, a delinquência e abriram as portas para os terroristas radicais islâmicos.
Mudança. Provavelmente, essas ficções malignas, resultado do desvio sadomasoquista do louvável espírito crítico que caracterizou a melhor tradição da cultura ocidental, está infligindo mais danos à Europa do que a grave crise econômica que o continente enfrenta. Em todo caso, favoreceram o crescimento de partidos extremistas, de esquerda e de direita, que querem acabar com a Europa e voltar ao tempo das nações voltadas para si mesmas. Não é possível que consigam.
A crise econômica é, seguramente, muito séria e constitui um teste duro para todos os países que integram a UE. E muito mais duro, claro, para os que dilapidaram seus recursos de maneira irresponsável e viveram acima das suas possibilidades, recorrendo a créditos que agora os sufocam. Mas a crise é perfeitamente superável desde que sejam feitos os sacrifícios necessários, como demonstrou a Alemanha - país que, segundo uma outra ficção maligna do nosso tempo, devemos odiar por não permitir que a orgia de gastos continue.
A ficção maligna representa Angela Merkel como um ser insensível, para quem apenas os números importam e tem a ideia perversa de que o crescimento europeu só surgirá a partir de um ajuste fiscal e uma redução dos gastos públicos, ou seja, dificilmente serão implementadas políticas expansionistas antes de a casa ser colocada em ordem.
E a ficção maligna acrescenta que, felizmente, no escuro túnel da decadência da Europa surgiu uma luz salvadora que se chama François Hollande, que acaba de vencer as eleições na França com uma bandeira clara, simples e generosa: em primeiro lugar não está a austeridade, mas o crescimento. Bravo! Isso é ser sensível à injustiça do desemprego e à queda dos salários.
A estupidez é contagiosa, principalmente no campo político e o extraordinário é que muita gente consciente da situação real da economia europeia acredita que essa receita simplista e fantasiosa de Hollande, que lhe serviu para vencer a eleição, será também a coluna vertebral da sua política, agora que chegou ao poder. O crescimento econômico como um ato de vontade.
Se assim é, por que Grécia, Itália, Portugal e Espanha não decidem crescer e crescem? Ah, é em razão do espírito tacanho e mesquinho dos seus governantes e a da maldade inerente do capitalismo. Se tivessem um Hollande no comando...
Isso não ocorrerá pela simples razão de que um enfermo não pode correr uma maratona sem antes se curar, sob pena de morrer no caminho. E essa cura exige um período de enormes sacrifícios que são mais fáceis de suportar quando se tem a certeza de que assim a saúde e as energias serão recuperadas. A França é um país muito antigo, experiente e sábio para se suicidar cedendo a essa tentação do impossível que encheu sua cultura de tantas obras-primas. Mais cedo do que se espera, Hollande e seus colaboradores terão de reconhecer publicamente que as coisas não são tão simples como diziam e pedirão coragem e patriotismo ao povo francês para continuar apertando o cinto. Então, virá a decepção dos eleitores enganados e, bem, conhecemos o resto da história.
Desafios. Tentar o impossível somente dá resultado no mundo da arte e da literatura. No da economia e da política só provoca desastres. E a prova é a crise que hoje vive a Europa e, dentro dela, os países que gastaram mais do que tinham, que construíram Estados exemplarmente generosos, mas incapazes de investir, que se endividaram além das suas possibilidades sem imaginar que também a prosperidade tem limites. Tudo isso se paga, cedo ou tarde, é impossível evitar.
Todos os governantes europeus sabem disso, mas, entre eles, somente a chanceler alemã se atreve a dizer e agir em consequência. Com sua aparência de abadessa ou de mãe de família numerosa, Angela Merkel tem uma personalidade de ferro e se move em meio às tempestades ao seu redor com uma serenidade e uma coragem admiráveis. É possível que as ficções malignas acabem com seu governo, mas, se isso ocorrer, ela passará para a oposição com a consciência tranquila. Na verdade, ela deixou seu país muito melhor do que o encontrou. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Governo altera futuras linhas de metrô e trem


CAIO DO VALLE / JORNAL DA TARDE - O Estado de S.Paulo
Menos de um ano após divulgação da futura rede metroferroviária, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) já alterou o mapa da malha da Grande São Paulo, prevista para sair do papel até 2030. Algumas linhas sofreram mudanças no traçado. É o caso do monotrilho da Linha 2-Verde, que está em construção entre Vila Prudente e Cidade Tiradentes, na zona leste.
Agora, o Setor de Planejamento da Secretaria Estadual dos Transportes Metropolitanos trabalha com a possibilidade de estender o ramal até a Estação Ipiranga da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), na Linha 10-Turquesa. Ainda não há prazo para que essa construção seja iniciada. O restante da obra, já em execução, deve ser entregue em 2016.
Em nota, o Metrô informou que o objetivo de arrastar a ponta da linha para oeste é "criar maior facilidade de integração com a rede". Essa, porém, não é a única alteração.
O novo mapa revela que a Linha 23, apelidada de Arco Norte, teve a sua extensão trazida mais para o sul, reduzindo-a de 22,8 km para 16,6 km. Integrado à Linha 2-Verde, esse ramal formará o chamado "metroanel", circundando a parte mais central de São Paulo. Partindo da Lapa, na zona oeste, rumo ao entorno da Via Dutra, a linha cruzará avenidas hoje distantes do metrô, como Edgar Facó, Inajar de Souza e Engenheiro Caetano Álvares, na zona norte.
No mapa da futura rede divulgado anteriormente, em setembro do ano passado, a Linha 23 tinha outra cor - prata - e numeração - 16. Apesar de no novo desenho ela aparecer rosa choque, o Metrô afirmou que ainda não há coloração oficial para o ramal, que também não tem data para ser construído.
A Linha 2-Verde também sofreu mudança. Há dez meses, o governo do Estado revelou que pretendia estendê-la da Vila Madalena até a Estação Imperatriz Leopoldina, na Linha 8-Diamante da CPTM, na zona oeste. Contudo, agora o Metrô quer levá-la até o meio do caminho, na Rua Cerro Corá. A empresa informou que sua avaliação é "que a integração com a Linha 8 da CPTM será melhor através da Linha 20, na Estação Lapa".
A Linha 4-Amarela não deverá ir mais ao Pari. As novas diretrizes podem ser vistas no mapa da rede futura publicado no edital para a elaboração do projeto da Linha 20 (ainda sem cor oficial) e do prolongamento da Linha 2 até Cerro Corá.
Alterações. José Geraldo Baião, presidente da Associação de Engenheiros e Arquitetos do Metrô (Aeamesp), diz que mudanças no planejamento de linhas são comuns. "É uma visão que pode ter uma diferença de um governo para outro. Só quando o governante e as condições financeiras permitem é que vão priorizando linhas projetadas."
Fatores sociais também influem. Ele cita como exemplo as linhas antigas, projetadas em 1968. "Houve alteração do traçado original para o atual."