sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Os BRICs quase foram RICs

Por Patricia Campos Mello
Os BRICs quase foram RICs. O economista Jim O'Neill, que cunhou o termo BRICs em 2001, conta que a inclusão do Brasil no grupo foi um dos maiores riscos que assumiu. "Nos anos 80 e 90, o Brasil era um lugar muito volátil. E pouco antes de eu introduzir o conceito dos BRICs, tivemos a crise da Argentina, e muita gente esperava que houvesse grandes consequências negativas para o Brasil; além disso, muita gente não confiava no presidente Lula, que acabava de assumir o poder quando eu formulei o conceito de BRICs", disse O'Neill em entrevista por telefone na semana passada.
Hoje, ele não tem a menor dúvida de que incluir o Brasil foi uma escolha acertada.
"De certa forma, o Brasil está se transformando em um novo país", ele acredita.
O'Neill, que hoje é diretor do conselho da Goldman Sachs Administração de Ativos, mede o prognóstico de crescimento e de aumento de renda per capita por meio de um índice, o Growth Environment Score (GES) . O GES acompanha 180 países em 13 critérios: inflação, deficit público (como % do PIB), taxa de investimento (formação bruta de capital fixo como % do PIB), abertura da economia (importações mais exportações como % do PIB, com ajuste para população e localização geográfica), penetração de celulares (por 100 pessoas), penetração de computadores pessoais (por 100 pessoas), média de anos de estudo secundário, expectativa de vida, estabilidade política (de indicadores do Banco Mundial), cumprimento de leis e regras (do Banco Mundial) e corrupção (do Banco Mundial).
Para chegar ao GES de cada país, que vai de um a 10, os economistas da Goldman Sachs atribuem uma nota a cada critério e dividem por 13. Todos têm o mesmo peso.
O Brasil tem a nota 5,5. É bastante baixa, comparando com nações do topo do ranking, como Cingapura (8,9) e Coreia do Sul (7,5). Chile também está à nossa frente, com 6,2.
Mesmo assim, lideramos entre os BRICs, à frente até da China (5,4).
O Brasil tem deficiências sérias, como estamos cansados de saber. O país vai muito mal em taxa de investimento sobre o PIB (20%, segundo FMI), e abertura ao comércio internacional, com a pior pontuação entre os BRICs.
Mas o país se destaca em alguns criterios. "A redução dramática da inflação trouxe a estabilidade macroeconômica", diz O'Neill. "Além disso, em algumas das variáveis bem difíceis de ir bem, o Brasil tem scores melhores que os outros BRICs." Em critérios como corrupção, estabilidade política, educação, penetração de computadores e de internet, o país tem pontuação melhor do que os outros BRICs.
Isso, porém, diz mais a respeito do problema dos outros BRICs do que da suposta vantagem do Brasil --claramente é insólito dizer que o Brasil vai bem em educação ou corrupção.
Os outros BRICs tem desempenho ainda mais medíocre em alguns critérios. A China, por exemplo, precisa avançar muito em tecnologia e cumprimento de leis e regras; na Rússia (4,8), os pontos mais fracos são expectativa de vida, cumprimento de leis e regras e corrupção, e, na Índia (4,0), corrupção, estabilidade do governo, educação e todos os indicadores de tecnologia precisam de grande melhora.
Enquanto o Brasil foi o país que mais subiu no ranking do GES - sua nota passou de 3,7 em 1997 para 5,5 em 2010, e sua posição no ranking saltou de 103 para 74 - a Índia patina. Tinha nota 3,5 em 1997 e passou para 4.0 em 2010. No ranking, foi de 110, para 138.
"A Índia foi o país que menos avançou entre os BRICs", diz O'Neill.
Ou seja, está mais para para uma sigla impronunciável, BRCs, do que RICs.

A última oportunidade de São Paulo se humanizar



Coluna Econômica - 17/02/2012
Nos próximos meses, São Paulo terá a oportunidade de discutir a última grande oportunidade de se tornar numa metrópole habitável. Trata-se do projeto Operações Urbanas, no qual estão envolvidos, além da prefeitura, as principais associações profissionais e Organizações Não Governamentais (ONGs) que trabalham o tema das cidades.
O projeto visa reurbanizar cinco áreas imensas, as últimas que restam na cidade.
Somando, são 40 milhões de m2 em plena cidade, para serem recicladas com conceito de nova cidade, convivendo comércio, serviço e habitação no mesmo lugar, com qualidade para pedestres, ciclistas.
Se mantido o padrão atual de urbanização - deixando por conta do mercado imobiliário, sem nenhuma espécie de regramento - repetir-se-ão os mesmos erros históricos da cidade: espaço apenas para classes de maior renda e para o comércio, expulsando para longe toda a mão de obra empregada na região - seja no comércio, nos prédios ou nas residências.
Se bem planejado, poderá se constituir em um novo modelo civilizatório para as grandes metrópoles brasileiras.
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Do lado da prefeitura, o responsável pelo projeto é Miguel Bucalem, Secretário Municipal de Desenvolvimento Urbano e um dos muitos politécnicos que o prefeito Gilberto Kassab trouxe para a prefeitura.
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Em São Paulo existe escassez de terrenos. Há a necessidade de produtos imobiliários para a cidade crescer. Mas a cidade tem reservas estratégicas, especialmente em torno de ferrovias.
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O papel da prefeitura será, então, coordenar grupos de discussão que consubstanciem o projeto final.
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Duas das maiores áreas estão nas margens da ferrovia.
Uma delas é a que se estende da Lapa ao Braz, sendo atendida pelas linhas 7 e 8 da CPTM (Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos). De um lado da linha, há áreas bem ocupadas, como Pompéia e Perdizes. Entre a Marginal Tietê e a ferrovia, áreas subutilizadas, com padrão de ocupação industrial e densidade de 20 habitantes por hectare - contra 60 na Lapa, podendo ir a 200.
A solução proposta será enterrar a ferrovia de superfície abrindo espaço para a revitalização da área.
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A outra área será da Mooca até a fronteira com São Caetano, região de industrialização antiga ocupada por galpões industriais, muitos dos quais inativos.
A ideia será revitalizar vários córregos, abrir e criar corredores ambientais resolvendo problemas de drenagem, criando novas áreas verdes.
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Outro grande desafio será o projeto da Nova Luz. Pela concepção inicial da gestão Serra, criavam-se facilidades para investimentos imobiliários – inclusive direito do vencedor da licitação em desapropriar – sem nenhum plano urbanístico que regrasse a ocupação.
Agora, a Nova Luz terá definições que obrigarão os vencedores a mexer o mínimo possível com quem já está instalado e a providenciar moradias de interesse social, como contrapartida às moradias de médio e alto luxo que forem levantar.
Independentemente das intenções anunciadas, o importante será o acompanhamento estreito da população das decisões a serem tomadas.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Governos sem preocupação com o consumidor


blog do Nassif
Coluna Econômica - 14/02/2012
O tempo econômico pode ser dividido em duas etapas: o tempo de crise e o de calmaria.
As crises abrem espaço para medidas heroicas, as grandes transformações que não avançam em tempos de paz. Períodos de calmaria são adequados para apertar os parafusos, acertar pontos vulneráveis, melhorar incrementalmente a economia.
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Dias atrás mostramos aqui a inutilidade da taxa Selic em função dos altíssimos spreads bancários (a diferença entre taxas de captação e de aplicação).
Reduzir o spread bancário não interessa apenas à política monetária. É ponto central para o desenvolvimento do país, para legitimar o sistema bancário e para dar solidez ao mercado de consumo.
Um exemplo simples:
Um chinês e um brasileiro ganham, por exemplo R$ 1.000,00 mensais. O brasileiro paga 4% de juros ao mês em financiamentos de 24 meses; o chinês para 0,5%. Só por conta desse diferencial, o poder aquisitivo do chinês será 48% maior que o do brasileiro. Ou seja, com o mesmo valor de prestação, o brasileiro poder comprar um bem 48% mais caro que o brasileiro.
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Um dos bons trabalhos do período Antônio Palocci foram as tais micro-reformas conduzidas por Marcos Lisboa. Graças a elas, se desenrolou o imbróglio dos financiamentos habitacionais, emperrados desde o fim do BNH, nos anos 80.
Ontem, o Ministério da Fazenda divulgou um estudo econômico com críticas ao spread bancário para o tomador final – pessoa física e jurídica.
Para sair da crítica para a ação, o primeiro passo é um diagnóstico preciso das causas do spread. Diagnósticos não faltam. Existe a tributação que teria que ser revista, regras de apropriação dos inadimplentes. Mas existe, fundamentalmente o problema da concorrência.
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E aí entra um ponto central de desvios de função de governo, que vem do governo FHC, atravessa o governo Lula e se perpetua no governo Dilma: a incapacidade das agências reguladoras de imporem normas aos regulados.
Esse problema é visível na Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Montou-se um modelo em que, pensava-se, a competição seria a garantia de qualidade e preços. Na prática, criou-se uma segmentação de mercado, especialmente na telefonia celular: de um lado operadoras com serviços abaixo da crítica, que cobram preços menores; do outro, operadores com melhor qualidade, que cobram preços abusivos.
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No caso do BC, há muitos anos se sabe da falta de competição no mercado bancário e de práticas que afrontam leis de direito econômico e de defesa do consumidor. Mas nada se faz.
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No fundo, quando se discute a questão da privatização ou concessão de aeroportos, a dúvida que paira é se as autoridades reguladoras (ANAC, no caso dos aeroportos) serão defensoras dos direitos difusos dos consumidores. A única preocupação da ANAC parece ser a solidez financeira das companhias aéreas.
Em outros setores onde já existe concessão – sistema bancário e telefonia – essa ação reguladora é imperceptível, em relação ao consumidor. Se o que já existe, não funciona, qual a garantia de que a regulação funcionará a favor do consumidor?
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Depois de consolidada no primeiro ano de governo, penso ter chegado a hora da presidente Dilma Rousseff mostrar que o consumidor tem espaço em seu governo. Até agora, não mostrou.