quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Desenvolvimento e trabalho, por Pochmann



Por raquel_
Do Valor Econômico
Por Marcio Pochmann
Durante meio século, entre as décadas de 1930 e 1970, o Brasil transformou-se substancialmente de uma sociedade agrária e assentada na produção primária exportadora para uma nova condição social urbana e industrial. Não obstante os avanços em sua base material, sua estrutura produtiva manteve-se fortemente heterogênea, com a convivência de uma multiplicidade de níveis de produtividade do trabalho. A prevalência de uma estrutura produtiva heterogênea estimulou o funcionamento extremamente segmentado do mercado de trabalho por decorrência de padrões tecnológicos compatíveis com o uso e a remuneração demasiadamente assimétricos da mão de obra. Em geral, isso significou que parcela significativa da força de trabalho se mantivesse ocupada no exercício de atividade de baixa produtividade, muitas vezes ao nível da subsistência apenas. Assim, o desemprego aberto permanecia quase inexistente, concedendo a falsa impressão do pleno emprego conforme verificado na Europa do segundo pós-guerra.
p>Por outro lado, constatou-se o aumento na ocupação da mão de obra em atividades de média e alta produtividade do trabalho. Enquanto uma parcela dos trabalhadores foi sendo alocada em setores modernos da economia, restou ainda parte majoritária prisioneira, muitas vezes, ao exercício de atividades associadas à subsistência. Ainda que desiguais, os diversos setores de atividades ocupacionais mantiveram-se, em geral, dinâmicos na convivência entre as funções modernas e arcaicas.
Na década de 2000, país perseguiu trajetória econômica voltada a reconfigurar parte de sua estrutura produtiva
Com a crise da dívida externa, no início dos anos 1980, o conjunto das forças políticas compromissadas com o projeto urbano industrial desde a década de 1930 passou por importante processo de decomposição. Em função disso, o Brasil percorreu, a partir daí, duas distintas trajetórias nas estruturas de produção e trabalho. Do final dos anos 1980 ao início da década de 2000, a trajetória neoliberal ganhou envergadura política suficiente para impor um significativo programa de reformas no papel do Estado e liberação generalizada no comércio, produção, mercado de trabalho e nas finanças. O resultado em termos de desempenho econômico foi pífio, uma vez que o predomínio do baixo crescimento da produção impôs enorme retrocesso na posição econômica mundial, com a retração da oitava para a 13ª posição global.
Na questão social não foi diferente. Houve enorme agravamento do desemprego que se fez acompanhado da queda na participação dos salários na renda nacional.
Em grande medida, assistiu-se ao aprofundamento no grau de subdesenvolvimento nacional, com a maior concentração da participação no Produto Interno Bruto (PIB) de setores de maior produtividade e decrescente absorção de mão de obra. Em 1998, por exemplo, os setores de alta produtividade responderam por 57% do PIB, enquanto em 1985 representavam 49,7% (elevação de 14,7%). Na contrapartida, esses mesmos setores de alta produtividade do trabalho reduziram a participação relativa na ocupação total de mão de obra de 16,1%, em 1985, para 13,9%, em 1998 (redução de 13,7%).
No outro extremo, os setores econômicos de baixa produtividade reduziram a participação no PIB, ao mesmo tempo em que elevaram o grau de absorção da mão de obra. Entre 1985 e 1998, o peso relativo no PIB dos setores de baixa produtividade caiu 24,6%, enquanto a participação na ocupação total aumentou 6,8%. Resumidamente, os segmentos de baixa produtividade terminaram servindo de amortecimento ao avanço do significativo desemprego aberto dos trabalhadores, por meio da expansão das atividades laborais associadas à subsistência. A ampliação das atividades de subsistência para grande parte da força de trabalho indicou a trajetória do aprofundamento do subdesenvolvimento brasileiro.
Na década de 2000, contudo, o país perseguiu outra trajetória econômica voltada à reconfiguração de parte de sua estrutura produtiva. Com o ritmo de crescimento da economia duas vezes superior ao do período anterior, as políticas públicas de caráter pós-neoliberal impactaram diretamente a estrutura produtiva e o funcionamento do mercado de trabalho. Assim, observa-se que entre 1998 e 2009 os setores de alta produtividade tanto reduziram o peso relativo na composição do PIB (10,2%) como ampliaram a participação relativa no total da ocupação de trabalhadores (25,9%). O rumo do desenvolvimento, nesses termos, reforça-se pela difusão contínua do progresso técnico de maneira menos desigual possível entre o conjunto dos setores da economia.
Na primeira década de 2000, os segmentos de baixa produtividade aumentaram a participação no PIB (44,2%), ao mesmo tempo em que reduziram a absorção de trabalhadores (13,6%) no ambiente geral de queda do desemprego aberto. Com a redução do segmento laboral vinculado às atividades de subsistência, o segmento econômico de baixa produtividade elevou seu peso no PIB possivelmente a partir da redução na diferença de produtividade em relação aos outros setores de alta e média produção por ocupado. Os setores de atividade econômica com média produtividade aumentaram suas posições tanto no PIB como na ocupação. Ou seja, um movimento inverso ao observado entre os anos de 1985 e 1998.
Mesmo assim, o Brasil segue com parcela substancial de sua mão de obra ainda prisioneira de atividades meramente de subsistência. Somente o avanço das políticas de convergência produtiva que promovam a continuidade da inclusão social mostra-se capaz de promover a ruptura com o curso do processo de subdesenvolvimento nacional.
Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Escreve mensalmente às quintas-feiras.

domingo, 8 de janeiro de 2012

O pau de arara da dupla Kassab-Alckmin na Cracolândia


Tortura da Roda, na Idade Média
Tortura da Roda, na Idade Média, por Wálter Fanganiello Maierovitch, no Blog Sem Fronterias
É inacreditável. Em tempos de Tribunal Penal Internacional e de luta sem fronteiras por respeito aos direitos humanos e contra a tortura, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e o governador do estado paulista, Geraldo Alckmin, adotam, na conhecida Cracolândia, violência contra dependentes de crack. A dupla de governantes acaba de oficializar a tortura.
Na quarta-feira (4), por determinação do prefeito da cidade de São Paulo e do governador do Estado, iniciou-se o denominado “Plano de Ação Integrada Centro Legal”. Esse plano, consoante anunciado, terá duração indeterminada.
O plano, como explicou o coordenador de políticas de drogas da Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania, Luiz Alberto Chaves de Oliveira, consiste em obrigar os dependentes que vivem na Cracolândia a buscar ajuda, “pela dor e sofrimento” decorrentes da abstinência, junto às autoridades sanitárias ou redes de saúde.
Ao tempo do DOI-CODI, a tortura, como regra mestra, foi largamente empregada. A regra era torturar, física ou psicologicamente, para obter o resultado esperado.
Nos campos nazistas, a fome e o abandono levavam à morte. Auxiliavam na vazão, pois, eram insuficientes em número os fornos crematórios.
A tortura indireta posta em prática pela dupla Kassab-Alckmin tem o mesmo fundamento dos campos de concentração nazista. E a tortura imperava no DOI-CODI, de triste memória.
Em nenhum país civilizado emprega-se essa estratégia desumana a dependentes. Ao contrário, investe-se no convencimento ao tratamento e até nas salas seguras para uso de drogas.
As federações do comércio e da indústria da Alemanha apoiam os programas de narcossalas com 1 milhão de euros. E ninguém esquece a lição do professor Uwe Kemmesies, da Universidade de Frankfurt: “Podemos reconhecer que a oferta de salas seguras para o consumo de drogas melhorou a expectativa e a qualidade de vida de muitos toxicodependentes que não desejam ou não conseguem abandonar as substâncias”:
http://maierovitch.blog.terra.com.br/2011/12/12/novo-perfil-no-ministerio-publico-do-tribunal-penal-internacional-nao-agrada-defensores-de-direitos-humanos/
Desde os anos 90, a cidade convive com a Cracolândia e os governos são incapazes de adotar políticas adequadas. Nem as delegacias especializadas, tipo Denarc (delegacia de narcóticos), nem a polícia militar identificaram, até hoje, a origem do crack que é ofertado. Agora, numa ação policialesca, busca-se o cerco ao usuário para se chegar ao vendedor da droga. Vendedor que, evidentemente, não é o operador da rede de abastecimento de crack para as cracolândias brasileiras.
Uma questão sócio-sanitária, de saúde pública, não pode mais ser enfrentada com soluções torturantes, como pretendem Alckmin-Kassab.
Pano Rápido. Aguarda-se que a ministra responsável pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Maria do Rosário,  tome medidas adequadas para suspender as torturas em São Paulo e o procurador-geral da República, Roberto Gurgel,  inicie apurações criminais. E espera-se que a nova procuradora junto ao Tribunal Penal Internacional, Fatou Bensouda, natural de Gâmbia (África Ocidental), levante o que acontece na Cracolândia e enquadre as irresponsabilidades e desumanidades.
Wálter Fanganiello Maierovitch

Onde nasce a tecnologia


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Ao redor de universidades, empresas inovadoras são criadas em vários pontos do País

08 de janeiro de 2012 | 3h 08
RENATO CRUZ / TEXTOS, SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - O Estado de S.Paulo
Apesar de ser a grande referência mundial de alta tecnologia produzida no Brasil, a Embraer não costuma parecer bem colocada nos rankings de inovação. A empresa costuma ficar atrás até mesmo de companhias do setor de commodities, com petróleo, mineração e agronegócios.

Em rankings gerais, a Embraer normalmente é penalizada pelo ciclo longo de desenvolvimento de produtos do setor aeronáutico, que pode chegar a 20 anos. Um dos indicadores mais usados para se medir a inovação é a participação de produtos novos (lançados nos últimos três a cinco anos) no faturamento e no resultado.

Isso faz com que a Embraer não pareça bem. As empresas de internet do Vale do Silício costumam adotar palavras de ordem como "fail fast, fail forward" (fracasse rápido, fracasse adiante). Uma fabricante de aviões, como a Embraer, não pode se permitir adotar slogans como esses.

Quando o ranking é setorial, por outro lado, a Embraer acaba ficando muito próxima da média, já que tem um peso imenso no setor aeronáutico brasileiro. Mais uma vez, acaba sendo prejudicada pelas particularidades da área em que atua.

No começo do ano passado, a Embraer finalizou um diagnóstico sobre a situação da inovação na empresa, e chegou à conclusão de que as atividades inovadoras estão muito concentradas na engenharia, no desenvolvimento dos produtos. A partir dessa conclusão, a empresa começou a criar programas para incentivar a inovação em outras áreas, como comercial e marketing.

"Basicamente, a empresa foi criada para desenvolver tecnologia, e sempre foi muito forte na área de produtos", disse Hermann Pontes e Silva, vice-presidente de sustentabilidade da Embraer, também responsável por inovação. O executivo apontou que o mercado passa por grandes mudanças. A configuração atual - em que, numa ponta, concorrem Boeing e Airbus e, na outra, Embraer e Bombardier - deve mudar rapidamente. "Chineses, russos e japoneses vão entrar nesse mercado nos próximos anos. Para nos prepararmos, precisamos oferecer melhores serviços e mudar até a própria forma comercializar nossos produtos."

A Embraer criou um torneio de inovação para seus cerca de 400 profissionais de tecnologia da informação, que enviaram ideias de aplicativos para telefones móveis. O vencedor foi um aplicativo de plano de voo para o avião Ipanema. Em janeiro, a empresa vai lançar um segundo torneio de inovação, só para os funcionários da unidade de Gavião Peixoto (SP).

Polos. A Embraer é a face mais visível do polo de tecnologia de São José dos Campos (SP), que se desenvolveu ao redor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

O Vale do Silício, principal polo de tecnologia dos Estados Unidos, nasceu da relação entre universidades, empresas e governo. Não foi resultado de uma política pública, mas, sem o investimento do governo em pesquisa nas universidades; compras públicas, principalmente do setor de defesa; e uma estrutura tributária favorável ao investimento, a história poderia ter sido outra.

Desde a fundação da HP, na cidade de Palo Alto, em 1939, as empresas foram surgindo ao redor da Universidade Stanford (e da Universidade da Califórnia em Berkeley), num ciclo virtuoso em que empreendedores alcançam o sucesso, se transformam em investidores e financiam uma nova onda de empresas iniciantes.

O Brasil tem vários polos tecnológicos, ainda que nenhum da estatura do Vale do Silício. Cidades como Campinas, São José dos Campos e São Carlos (SP), Porto Alegre e São Leopoldo (RS), Campina Grande (PB), Recife, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, têm visto surgir empresas de alta tecnologia ao redor de suas universidades, e conseguido atrair centros de pesquisa de multinacionais.

Gargalos. Startups são criadas com entusiasmo em várias cidades do País, mas há limitações evidentes nesse cenário. Uma delas é o porte das empresas. Com algumas poucas exceções (como a Embraer, em São José dos Campos), as empresas brasileiras mais bem sucedidas, surgidas nesses polos, têm dificuldade de ultrapassar a faixa dos R$ 200 milhões de faturamento anual.

Uma das explicações poderia ser o foco dessas empresas no mercado interno. A Embraer, que é a referência brasileira de alta tecnologia no mercado internacional, descobriu muito cedo que, para se viabilizar, precisaria vender aviões para o mundo. Antes dela, outras fabricantes surgiram ao redor do ITA, mas não tiveram sucesso, sendo extremamente dependentes das compras governamentais.

Outra explicação seria a falta de investimento adequado. As empresas iniciantes ainda são muito dependentes das linhas de crédito oficiais, oferecidas pelo BNDES e pela Financiadora de Projetos (Finep), do Ministério das Ciência, Tecnologia e Inovação.

Um estudo da Fundação Getúlio Vargas apontou que, em 2009, havia US$ 36,1 bilhões investidos em venture capital (capital de risco) e private equity (investimento em empresas de capital fechado) no País, um crescimento de 29% sobre o ano anterior. Pode parecer bastante, mas não é. Esse montante representava 2,33% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, quando a média mundial é de 3,7%. Os Estados Unidos estão na média. Na Inglaterra, o investimento chega a 4,7% do PIB e, em Israel, a 4,2%.

Esse cenário começa a mudar com empreendedores que se tornam investidores. Em Campinas, um grupo de cerca de 40 empreendedores resolveu se reunir para investir em startups, criando a Inova Ventures Participações (IVP). O professor Silvio Meira, do Recife, se aposentou da Universidade Federal de Pernambuco e formou a Ikewai, para apoiar empresas de tecnologia. Em São Paulo (que é um também grande polo de tecnologia), Cassio Spina, fundador da Trellis, criou a Anjos do Brasil, para investir em startups.