'Se o PT insistir em sectarismo, vai dar um passo atrás'
Para cientista político, partido não pode retomar radicalismo político e deve apoiar Dilma no combate à corrupção no governo
04 de setembro de 2011 | 0h 00
Gabriel Manzano - O Estado de S.Paulo
ENTREVISTA
Aldo Fornazieri, cientista político
Aldo Fornazieri, cientista político
Clayton de Souza/AE-8/10/2008
Efeito. 'A corrupção impede a modernização e a transparência'
Se o PT quer ajudar o governo Dilma Rousseff, nas decisões de seu 4.º Congresso Nacional deste fim de semana, deve colaborar com seu empenho em livrar o governo da corrupção. "Esse não é só um problema moral, mas político. A corrupção impede a modernização do País e a promoção de políticas para entrar no século 21", afirma o cientista político Aldo Fornazieri, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Ele diz estranhar um certo tom "dos anos 80" nos documentos. "Me espanta, nas conversas entre petistas, esse discurso sobre conspiração midiática", diz o cientista político. "Percebo uma certa recaída no sectarismo. Se o PT insistir nisso, vai dar um passo atrás".
Para ele, não passa de invenção o conflito entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua sucessora. Fornazieri entende que Lula não deve ser cobrado pela corrupção da atual equipe de governo, porque o ministério Dilma "resultou de um acordo eleitoral do qual ela participou". Nesta avaliação sobre os dois dias de debates do PT, ele faz duas sugestões: a criação de um "Estatuto da Corrupção, como fez a Colômbia", e que o PT faça "um reparo histórico" e admita os méritos do governo Fernando Henrique Cardoso.
Há um tom mais radical, estilo anos 80, na linguagem e nas propostas da resolução discutida no congresso. É uma estratégia, para se firmar junto ao Planalto?
Os documentos que vi, até a véspera do encontro, revelam uma certa recaída no sectarismo político. Se o PT insistir nisso, terá dado um passo atrás. O congresso foi convocado para uma reforma estatutária, falar de prévias e eleições internas, mas é claro que a política não pode ficar de fora. E o tema é essa agenda negativa da corrupção.
Na qual o partido não exibe a indignação de outros tempos.
Sim, sua atitude tem sido ambígua. Parece que o PT reluta em apoiar as medidas saneadoras de Dilma, temendo que respinguem na figura de Lula. Isso é um equívoco, pois Lula está apoiando o governo nessa luta.
Não é por ele ter tido papel decisivo na nomeação dos demitidos de hoje?
O ministério atual é produto de um acordo eleitoral do qual Dilma participou. Todos sabiam que era um ministério com prazo de validade. Só que a validade acabou mais cedo, por causa dos escândalos de corrupção.
Escândalos que podem, ainda, envolver mais dois ministros.
Num país com alto padrão de moralidade, o Pedro Novais, do Turismo, nem deveria ter sido nomeado. O PT não deveria titubear sobre esse tema. A corrupção não é só um problema moral, é político. Se o Brasil não avançar para um padrão melhor, não fará a revolução necessária para ser um país moderno, transparente, do século 21. E quando surgem problemas, o povo tem de protestar, a imprensa tem de chiar e o governo tem de agir.
Alguns líderes do PT só gostam da imprensa que não chia.
Pois é, me espanta no PT esse discurso sobre a tal conspiração midiática. Ninguém leva mais isso a sério. O PT precisa se modernizar, entender que a imprensa é uma caixa de ressonância da sociedade. Basta considerar que nenhum dos escândalos foi desmentido. Seria melhor debaterem algo como um Estatuto da Corrupção, no estilo do aprovado pela Colômbia, e uma boa lei de transparência e de acesso à informação.
As resoluções sobre mídia estão no centro dos debates. Para onde isso aponta?
Todo mundo concorda que as comunicações precisam de março regulatório. Isso já existe em muitos países. Mas não há o que discutir a respeito do conteúdo da informação, que é garantido pela Constituição.
O PT voltou a falar em reforma política, com financiamento público e lista fechada - criticada por concentrar poder na direção dos partidos. O que o sr. acha?
Reforma política e do Estado é uma agenda permanente, mas pouco viável. Faz mais sentido que ela seja pontual, ao longo do tempo, e não feita toda de uma vez. Quanto ao financiamento e à lista fechada, acho que os dois pontos têm de ficar de fato amarrados. Só vejo sentido com os dois juntos. Se você cria o financiamento e mantém a lista aberta, não tem como o partido controlar os recursos, eles serão pulverizados. Quanto ao poder dos partidos, o próprio texto que fala em financiamento criava mecanismos legais exigindo processos democráticos para a elaboração da lista. Para que não seja definida pela direção, sozinha.
Alguns líderes tucanos, como Aécio, Alckmin e FHC, têm feito certa aproximação com o governo Dilma. Onde isso vai dar?
Com Dilma, mudou o padrão de relacionamento com a oposição. Acho que alguém do PT, seria bom que fosse o próprio Lula, deveria fazer um reparo histórico, admitindo os avanços do governo FHC, dizer que o que ele deixou não foi herança maldita. A Dilma fez isso, na hora em que era possível fazer.
O PT deve mexer nas prévias?
Se o congresso decidir por isso, será um retrocesso. O PT devia preservar essa conquista. Hoje há um desencanto da juventude com os partidos, vistos como cúpulas burocráticas que se apoderaram do espaço de fazer política. As prévias são um antídoto contra isso. O Lula, a meu ver, tem todo direito de patrocinar uma candidatura, como a do Fernando Haddad, em São Paulo, mas o candidato é quem tem de batalhar por um consenso, sem depender da supressão das prévias.
QUEM É
Doutor em Ciência Política pela USP (2007), é diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Fez graduação em Física na Universidade Federal de Santa Maria (1979) e pós-graduação em Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1985)