quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Brasil mínimo

Por Roberto Malvezzi (Gogó)*

No Brasil, para a maioria da população, tudo é mínimo: o salário, a renda, o Bolsa Família, até o Estado há pouco tempo atrás era para ser mínimo. A saúde e a educação talvez nem cheguem ao mínimo, mas o mínimo é a meta a ser conquistada.

Superar a fome, a sede, a miséria, sanear as cidades e implantar uma educação e saúde eficientes é possível mesmo dentro de um Estado capitalista. Portanto, por hora nem se discute a implantação de um Estado socialista, com a superação das injustiças estruturais. As próprias políticas do governo Lula, assim como o propósito de erradicação da miséria de Dilma, se dão dentro dos marcos da sociedade atual. Com o potencial de solos, água, sol, minerais e até mesmo tecnológico que temos, são metas que podem ser atingidas até dentro desse modelo.

Claro, por outro lado sobra o Brasil máximo: a renda concentrada, o patrimônio, a propriedade, além da concentração do poder, do saber e demais mecanismos que garantem a estruturação classista brasileira.

Talvez aqui resida o nó mais controverso entre as esquerdas nos últimos anos. Enquanto alguns setores desdenham essas conquistas mínimas, porque não mudam estruturalmente o Brasil, outros as defendem como se tivéssemos solucionado todos os problemas nacionais.

Vivendo na região semiárida há trinta anos, sabemos o quanto essas conquistas do Brasil mínimo foram e são importantes para nosso povo. Afinal, é melhor viver num capitalismo comendo e bebendo que morrendo à míngua de fome e sede, como literalmente acontecia até pouco tempo atrás.

Porém, contentar-se com o que está posto, é contentar-se com a sub cidadania. Chegará a hora, como acontece nas periferias francesas, que essas populações se rebelarão com o mínimo a que foram relegadas, enquanto outros desfrutam de todas as benesses da sociedade moderna.

Ainda mais, com as mudanças nos paradigmas que estamos atravessando, ficará cada vez mais difícil pleitear o consumismo como parâmetro. De alguma forma, teremos que nos contentar com o que é fundamental, com um vida digna, descartando ter como meta a sociedade do luxo e do desperdício.

*Roberto Malvezzi (Gogó) é assessor da Comissão Pastoral da Terra.

**Publicado originalmente na edição 415 do Brasil de Fato - http://www.brasildefato.com.br/node/5648.

Aumenta consumo de combustíveis no Brasil, mas cai o consumo de etanol

17/02/2011 - 10h02


Por Sérgio Abranches, do Ecopolítica

Cai demanda por etanol, cresce demanda por gasolina. Resultado da diferença óbvia entre um biocombustível que é produzido junto com uma commodity alimentar de valor no mercado global e um combustível fóssil, cujo preço é fixado por empresa dominante, quase monopolista, no mercado doméstico.

O preço do álcool/etanol terá sempre por referência o preço do açúcar dado pelo mercado internacional. O preço da gasolina é determinado pela Petrobrás e não pelo mercado. Se a demanda por açúcar estiver aquecida e elevar seus preços internacionais, os produtores aumentarão a produção de açúcar em detrimento da de álcool. Com menor oferta de álcool os preços sobem. Se o preço do álcool não compensa o diferencial de eficiência do biocombustível nos motores flex, o consumidor opta pela gasolina.

Por isso caiu a demanda por etanol, em 3% e aumentou a de gasolina, em 17,5%. Também subiu o consumo de óleo diesel, em 11%. O consumo total de combustíveis cresceu 8,4%. Gasolina cresceu mais que a queda do etanol não tanto por causa dos importados rodando só a gasolina. A razão principal dessa diferença é que todo o aumento de consumo dos novos automóveis flex foi atendido pela gasolina, que também cobriu a queda do consumo de etanol. Ou seja houve demanda nova atendida por gasolina e substituição de etanol por gasolina.

Tudo bem, até aí. Mera introdução à economia. O problema é que o governo apresenta o carro flex como a grande solução global para a redução das emissões de gases estufa. Já ouvi autoridade graúda dizer que se o mundo fizesse como nós, o problema estaria resolvido. Exageros à parte, o que está errado? A aposta em soluções únicas e mágicas na política energética. O etanol, em particular, e o biocombustível de primeira geração, em geral, não são a resposta definitiva, nem as melhores a longo prazo para o setor de transportes. Não exige “a” solução, pelo menos no horizonte tecnológico atual.

O mesmo problema existe na política para o setor elétrico: as mega-hidrelétricas, especialmente na Amazônia, não são a única, nem a melhor forma de ampliar a capacidade instalada. Nem as termelétricas fósseis a única alternativa a elas. A melhor política é de diversificação de fontes e redução efetiva da participação das fontes fósseis.

No setor de transportes, o recurso a veículos elétricos e híbridos é uma resposta óbvia e crescente no mundo. Aqui, o governo cria todas as dificuldades possíveis, para evitar concorrência ao motor flex. A aposta em uma única solução gera dependência e não segurança. O resultado é que ficamos à mercê das oscilações do preço do açúcar no mercado internacional. E é preciso que se diga, com toda clareza: o aumento no consumo de gasolina e diesel elevou as emissões de gases estufa do setor de transportes e piorou a qualidade do ar das cidades. Prejuízos para o clima e a saúde pública.

No setor elétrico, é claro que já deveríamos ter proibido termelétricas a carvão, ao invés de estimulá-las com incentivos e transferir esses e outros incentivos aos combustíveis fósseis para a eletricidade eólica e solar. Deveríamos estimular, também, usinas baseadas na energia das ondas e marés. Isso poderia parecer esquisito há uma ou duas décadas atrás. Hoje, não recorrer a essas fontes significa ficar na retaguarda das principais economias do mundo, inclusive nossas congêneres emergentes como China e Índia. A matriz energética brasileira está ficando mais suja, mesmo com as hidrelétricas do Norte, e sem contar o impacto delas. Deveria e poder estar ficando mais limpa com a diversificação das fontes renováveis.

Esta não é uma política energética durável. Insustentável ela claramente é. Nem é uma resposta às nossas necessidades no contexto do processo de desenvolvimento e concorrência global que marcará o restante do século XXI.

(Envolverde/Ecopolítica)


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O pré-sal e o etanol

- POR ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

A despeito da inquestionável competência da Petrobras, é imensa a vantagem do etanol sobre o petróleo do pré-sal quanto à sustentabilidade


De acordo com as últimas avaliações da Petrobras, a reserva total do pré-sal soma cerca de 13 bilhões de barris, o que corresponde a aproximadamente 1% das reservas restantes mundiais e que nada significaria para a humanidade quanto ao deslocamento do pico de produção.
Admitindo um tempo de vida de 80 anos para as reservas dos campos do pré-sal, calculamos que sua contribuição será, em média, de aproximadamente 20% acima da atual produção nacional.
Por outro lado, com o barril de petróleo a preços superiores a US$ 90, até as avaliações menos otimistas de custos de produção do barril de petróleo do pré-sal talvez justificassem o investimento.
Para a comparação de vantagens financeiras entre combustíveis são essenciais duas variáveis: os custos de produção da unidade de energia e os custos de investimento por unidade de energia por dia.
Pois bem, dentro dos limites tecnológicos atuais, o melhor que se pode esperar para o pré-sal é um custo de produção de pelo menos o dobro daquele da produção de etanol. Quanto aos custos de investimento, tudo parece indicar que a situação é ainda pior para o pré-sal.
Um terceiro fator a ser considerado é o risco financeiro.
Em primeiro lugar, há a questão de um mercado cujos governos encontram sucessivos sofismas para retardar a penetração do etanol brasileiro. Por outro lado, os riscos de produção do etanol são ínfimos em comparação com os do petróleo do pré-sal, cuja tecnologia de extração ainda não está desenvolvida.
Consideremos agora a questão da sustentabilidade e, sob esse aspecto, do aquecimento global. Enquanto o petróleo é o problema, o etanol de cana-de-açúcar é a solução. Mas não é apenas sob esse importante ângulo de sustentabilidade que a imensa superioridade do etanol sobre o petróleo do pré-sal deve ser considerada.
Risco de vazamento a grandes profundidades e sob altas pressões são imprevisíveis. Portanto, a despeito da inquestionável competência técnica da Petrobras, é imensa a vantagem do etanol sobre o petróleo do pré-sal sob qualquer aspecto de sustentabilidade.
Enquanto a produção de etanol é intensiva em mão de obra, a de petróleo o é em capital, o que é uma desvantagem para um país em desenvolvimento, em que o crescimento populacional exige a criação de empregos em vários níveis de especialização. Portanto, também sob o ponto de vista social, o etanol é preferível ao petróleo do pré-sal.
Com apenas 8% dos 200 milhões de hectares de pastagem, seria possível substituir por etanol 5% da gasolina consumida no planeta. Ou seja, a opção pelo etanol nessa medida, bastante conservadora, proporcionaria uma produção de combustível líquido entre três e quatro vezes maior que todo o petróleo do pré-sal até hoje confirmado, e não apenas por 60 ou 80 anos, mas indefinidamente.
Se tudo o que foi dito aqui é verdade, ou pelo menos verossímil, então como se explica a opção pelo pré-sal? Ou é um grande equívoco ou é uma revelação. A imensa intuição do presidente Lula deve ter percebido que o Brasil, nesse estado juvenil de desenvolvimento em que se encontra, precisa de um projeto nacional, pioneiro. Precisa de seu "homem na Lua".
Enquanto o etanol seria só um pouco mais da mesmice prosaica do século passado, o pré-sal, com seus imensos desafios tecnológicos e financeiros, seria a bandeira do desenvolvimentismo ousado, para não dizer agressivo, que deveria propelir o país no século 21. O Brasil chegaria, assim, mais fundo, aonde nenhum outro país teria ousado ir.

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 79, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron) e membro do Conselho Editorial da Folha.