quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Assembleia gastará mais R$ 21,2 milhões em nova reforma

Fábio Leite, do Jornal da Tarde, e Roberto Almeida, de O Estado de S. Paulo
Após a polêmica construção de um anexo para acomodar parte dos parlamentares, concluída em 2009 ao custo de R$ 29,2 milhões, sob suspeita de irregularidades, a Assembleia Legislativa de São Paulo passará por mais uma ampla reforma. A Casa assinou nove contratos para obras e inspeções do Palácio 9 de Julho no valor de R$ 21,2 milhões.
A principal e mais vultosa obra é a de "modernização" do Hall Monumental e dos acessos do edifício, que custará R$ 6,4 milhões. A Assembleia também pretende implantar um novo projeto de sinalização das áreas externas e internas do edifício "à luz das normas da ABNT" ao custo de R$ 4,62 milhões.
Entre os demais contratos, estão programadas "modificações, readequações e outras intervenções" no sistema de iluminação da fachada do palácio, ao custo de R$ 2,828 milhões, a instalação de um sistema de som por R$ 1,92 milhão e a implantação de cancelas por R$ 470 mil.
Há, ainda, um contrato para "serviços de inspeção e pronto restabelecimento das condições de uso do Palácio 9 de Julho", no valor de R$ 2,9 milhões. E outro para instalações elétricas ao custo de R$ 1,875 milhão.
Uma das obras com valor abaixo da casa dos milhões é a reforma do parlatório, onde o governador Geraldo Alckmin (PSDB) discursou ao tomar posse, no dia 1.º de janeiro. O contrato é de R$ 119 mil.
A Casa contratou ainda a Companhia Paulista de Obras e Serviços (CPOS), por R$ 72 mil, para que a estatal prepare licitação para obra de "adaptação e modernização da ala parlamentar" do prédio antigo. Trata-se da reforma que vai integrar os gabinetes ociosos após a saída de metade dos deputados para o prédio anexo.
‘Modernizar’. A "modernização" do Hall Monumental será tocada pela Construtora Progredior Ltda. O contrato foi assinado no dia 23 de dezembro do ano passado. O hall é a área de entrada de parlamentares e autoridades no edifício. Alckmin passou por ali, em tapete vermelho, quando foi diplomado e tomou posse no início do ano. O salão também é reservado para eventos e cerimônias.
As obras no sistema de iluminação do palácio, com contrato assinado também no dia 23 de dezembro, já estão em andamento. A contratada é a JRA Empreendimentos e Engenharia.
Os serviços de instalações elétricas serão tocados pela Empreitec Construções Elétricas e os de montagem de som pela Construtora Cronacon - a mesma que reforma por R$ 18,9 milhões o prédio da Secretaria Estadual de Planejamento, no Itaim.
Procurada desde terça-feira para explicar os investimentos, a assessoria da Assembleia não se pronunciou até o fechamento desta edição. A construção do anexo continua sob investigação sigilosa do Ministério Público.

Sem fila para plano de saúde, cirurgia no Incor demora até um ano para SUS


Instituição ligada ao governo estadual foi uma das primeiras a adotar o atendimento de clientes de planos de saúde em suas instalações, medida até hoje polêmica

13 de janeiro de 2011 | 0h 00

Fabiane Leite - O Estado de S.Paulo
Análise do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Sistema Único de Saúde) concluída em agosto do ano passado apontou que os pacientes atendidos pelo sistema público no Instituto do Coração (Incor), na zona oeste de São Paulo, esperam de oito meses a um ano e dois meses para ter acesso a determinados atendimentos. Enquanto isso, não há filas para os pacientes de convênio que também são atendidos na unidade pública.
Hélvio Romero/AE-28/12/2010
Hélvio Romero/AE-28/12/2010
Aperto. No pronto-socorro destinado ao SUS, os pacientes esperam em um corredor lotado
O Incor, que pertence ao complexo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e é vinculado ao governo do Estado de São Paulo foi uma das primeiras instituições públicas a adotar o atendimento de clientes de planos de saúde em suas instalações, com o objetivo de incrementar a oferta de recursos financeiros pelo SUS.
A medida, vigente há mais de uma década, foi alvo de ação judicial do Ministério Público no passado, mas a Justiça deu razão à unidade. No entanto, até hoje o modelo é criticado em razão de, na visão de alguns especialistas, permitir que em uma unidade pública haja diferença de tratamento entre os pacientes.
A auditoria que fala das esperas no Incor, à qual o Estado teve acesso, foi realizada dentro de uma análise mais ampla no instituto e a pedido do Ministério Público. Segundo o trabalho, a espera para uma segunda consulta nos casos de diagnóstico de arritmia, insuficiência cardíaca e hipertensão era de oito meses a um ano.
Exames para diagnóstico como ecocardiograma (tipo de ultrassom) para adultos eram marcados, na data do levantamento (agosto de 2010), só para maio deste ano. O ecocardiograma infantil ficava para agosto de 2011. Já as cintilografias (tipo de exame radiológico) só ocorreriam no próximo mês de setembro. Por fim, as vagas para a colocação do aparelho Holter (que monitora o ritmo cardíaco) eram para outubro deste ano.
"Os mesmos exames e procedimentos supracitados não têm espera para pacientes de convênios e particulares", diz o trabalho, assinado pelo auditor João de Deus Soares.
Modelo. Recentemente o governo estadual aprovou na Assembleia Legislativa projeto de lei que permite que até 25% dos atendimentos de hospitais de alta complexidade do Estado, terceirizados para Organizações Sociais, possam ser destinados a convênios.
Os críticos da mudança, como o Ministério Público, apontam que isso aumentará as filas do SUS. A secretaria da Saúde promete que não haverá diferença nos tempos de atendimento e que a medida visa a remunerar as unidades pela procura que já existe de pessoas com planos.
"As pessoas acham que poderá ocorrer diferença nos tempos de espera, mas tudo depende de como o governo vai regulamentar o novo projeto", opinou Jorge Kayano, pesquisador do Instituto Polis.
Para ele, há a tendência de que passe a existir algum tipo de diferenciação do atendimento também nesses locais, como há no Incor. Ele também destaca que, caso a previsão de ressarcimento dos planos ao SUS, prevista na lei federal do setor, funcionasse, não seriam necessários expedientes como o previsto no projeto aprovado.
Prazo vencido. No fim de 2009, levantamento do Ministério da Saúde apontou que a maioria dos hospitais de ensino administrados pelo Estado de São Paulo e que se comprometeram a dedicar, até outubro daquele ano, 100% dos atendimentos ao SUS ainda não tinha cumprido a meta.
Entre eles estava o Incor, com o menor porcentual de atendimento dedicado ao setor público naquele momento (80%). Estavam previstos até cortes de repasses pelo descumprimento.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que deverá realizar uma nova avaliação da situação das unidades de saúde e do atendimento a pacientes de planos neste ano. 


domingo, 9 de janeiro de 2011

''Integração entre cérebro e máquinas vai influenciar evolução''

Alexandre Gonçalves - O Estado de S.Paulo

Para Nicolelis, corpo não vai mais limitar ação da mente sobre o mundo. Pesquisador também comenta os desafios impostos à ciência no País pela burocracia e desorganização

09 de janeiro de 2011 | 0h 00

Miguel Nicolelis é um dos pesquisadores brasileiros de maior prestígio. Pioneiro nos estudos sobre interface cérebro-máquina, suas descobertas aparecem na lista das dez tecnologias que devem mudar o mundo, divulgada em 2001 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). Em 2009, tornou-se o primeiro brasileiro a merecer uma capa da Science. Na quarta-feira, foi nomeado membro da Pontifícia Academia de Ciências, no Vaticano. Ao Estado, Nicolelis falou sobre o impacto da neurociência no futuro da humanidade. Criticou de forma contundente a gestão científica no País, especialmente em São Paulo. Também questionou os critérios - marcadamente políticos - que teriam norteado a escolha do ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante.
O que as interfaces cérebro-máquina devem proporcionar no futuro?
No curto prazo, penso que as principais aplicações serão na medicina, com novos métodos de reabilitação neurológica, para tratar condições como paralisia. No médio, chegarão às aplicações computacionais. Não usaremos mais teclados, monitores, mouse... o computador convencional deixará de existir. Vamos submergir em sistemas virtuais e nos comunicaremos diretamente com eles. No longo prazo, o corpo deixará de ser o fator limitante da nossa ação no mundo. Nossa mente poderá atuar com máquinas que estão à distância e operar dispositivos de proporções nanométricas ou gigantescas: de uma nave espacial a uma ferramenta que penetra no espaço entre duas células para corrigir um defeito. E, no longuíssimo prazo, a evolução humana vai se acelerar. Nosso cérebro roubará um pouco o controle que os genes têm hoje sobre a evolução. Daqui a três meses, publicarei um livro em que comento esses temas.
O que o sr. chama de curto, médio, longo e longuíssimo prazo?
Curto prazo são os próximos anos. Médio prazo, as próximas duas décadas. Longo prazo, o próximo século. Longuíssimo prazo, milhares de anos.
Como andam suas linhas de pesquisa na medicina?
Estamos avançando rapidamente no exoesqueleto (um dispositivo que dá sustentação ao corpo de uma pessoa paralisada e é capaz de se mover obedecendo ao controle da mente). Outra linha de pesquisa importante é Parkinson. Publicamos um artigo na Science no ano passado. Estimulamos com eletricidade a medula espinhal de ratos com uma doença semelhante ao Parkinson e conseguimos reverter o congelamento motor característico da doença.
Ainda precisaremos dos sentidos para dialogar com sistemas computacionais?
Vamos publicar um trabalho em breve descrevendo o envio do sinal de uma máquina diretamente ao tecido neural de um animal, sem mediação dos sentidos: na prática, criamos um sexto sentido. Vai ser uma novidade explosiva, mas não posso dar mais detalhes, pois o artigo ainda não foi publicado. Mas posso afirmar que a internet como conhecemos hoje vai desaparecer. Teremos uma verdadeira rede cerebral. A comunicação não será mediada pela linguagem, que deixará de ser o único ou o principal canal de comunicação.
Quais as implicações antropológicas e sociológicas no longo prazo?
Costumo dizer que será a verdadeira libertação da mente do corpo, porque será a mente que determinará nosso alcance e potencial de ação na natureza. O que definimos como ser mudará drasticamente no próximo século.
O que o sr. acha da política científica brasileira?
Está ultrapassada. Principalmente a gestão científica. Foi por isso que eu escrevi o Manifesto da Ciência Tropical (mais informações nesta página). O talento humano é sufocado por normas absurdas nas universidades. Devemos ter uma carreira para pesquisadores em tempo integral e oferecer suporte administrativo profissional aos cientistas. Mas aqui no Brasil há a cultura de que, subindo na carreira científica, o último passo de glória é virar um administrador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) ou da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Uma tragédia.
O sr. afirmou diversas vezes que a ciência precisa ser democratizada.
Sem dúvida. É uma atividade extremamente elitizada. Não temos a penetração popular adequada nas universidades. Quantos doutores são índios ou negros? A ciência deve ir ao encontro da sociedade brasileira. Há bem pouco tempo, a ciência ainda era uma atividade da aristocracia brasileira.
Como o sr. se vê na Academia?
Sou um pária. Não tenho o menor receio de falar isso. Sou tolerado. Ninguém chega para mim de frente e fala qualquer coisa. Mas, nos bastidores, é inacreditável a sabotagem de que fomos vítimas aqui em Natal nos últimos oito anos. Em 2010, na avaliação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), tivemos um dos melhores pareceres técnicos da área de biomedicina. E nosso orçamento foi misteriosamente cortado em 75%. Pedi R$ 7 milhões. Recebemos R$ 1,5 milhão. As pessoas têm medo de abrir a boca, pois você é engolido pelos pares.
Qual é o futuro dos jovens pesquisadores no País?
Atualmente, eles têm uma dificuldade tremenda para conseguir dinheiro, porque não são pesquisadores 1A do CNPq. Você precisa ser um cardeal da academia para conseguir dinheiro e sobressair. Cheguei à conclusão de que Albert Einstein não seria pesquisador 1A do CNPq, porque não preenche todos os pré-requisitos - número de orientandos de mestrado, de doutorado... Se Einstein não poderia estar no topo, há algo errado. Até agora, ninguém teve coragem de enfrentar o establishment da ciência brasileira. Minhas críticas não são pessoais. Quero que o Brasil seja uma potência científica para o bem da humanidade. As pessoas precisam ver que a juventude científica está de mãos atadas. Devemos libertar esse povo.
O sr. tem uma opinião bastante crítica sobre a política científica no País. Mas, na eleição, manifestou apoio público a Dilma. Por quê?
Porque a outra opção era trágica. Basta olhar para o Estado de São Paulo: para a educação, a saúde e as universidades públicas. Eu adoro a USP, onde me formei. Mas a liderança que temos hoje na USP é terrível. A Fapesp é uma joia, um ícone nacional, reconhecida no mundo inteiro. Mas isso não quer dizer que as últimas administrações foram boas. Temos de ser críticos. Esta última administração, em especial, foi muito ruim. A Fapesp está perdendo importância. Veja só: a Science (no artigo publicado há algumas semanas sobre a ciência no Brasil) não dedicou uma linha à Fapesp.
Como o sr. avalia o governo Lula?
Apoiei e apoio incondicionalmente o presidente Lula, porque vivemos hoje o melhor momento da história do País. A proposta global de inclusão do governo Lula - e espero que será a mesma com a Dilma - é aquela em que eu acredito. Contudo, detalhes devem ser corrigidos. Admiro o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Sérgio Rezende. Tivemos grandes avanços com a criação dos INCTs e dos fundos setoriais. Mas o ministro não enfrentou a estrutura. Em oito anos, nunca fui chamado para dar uma opinião no ministério ou para apresentar os resultados do projeto de Natal. Sei que outros cientistas, melhores que eu, também não foram chamados. Mas fui chamado pelo Ministério da Educação. O ministro (Fernando Haddad) é o melhor que já tivemos.
O que o sr. achou da escolha de Aloizio Mercadante para o MCT?
Estou curioso para saber qual é o currículo dele para gestão científica. Fiquei surpreso com a indicação, mas não o conheço. Não tenho a mínima ideia do seu grau de competência. Mas não fica bem para a ciência brasileira um ministério tão importante virar prêmio de consolação para quem perdeu a eleição. Não é uma boa mensagem. Mas talvez seja bom que o futuro ministro não seja um cientista de bancada, alguém ligado à comunidade científica. Assim, se ele tiver determinação política, poderá quebrar os vícios. 


Manifesto de cientista propõe massificação do conhecimento de ponta


O Estado de S.Paulo
Apoiado em seu prestígio, o neurocientista Miguel Nicolelis lançou em novembro o Manifesto da Ciência Tropical. O documento - disponível na página do Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN, cujo site é natalneuro.org.br) - reúne 15 metas para a criação de um Programa Brasileiro de Ciência Tropical.
Boa parte das propostas diz respeito à criação de um audacioso sistema de educação científica no País, que seria oferecido no contra-turno dos ensinos fundamental e médio: o Programa Educação para Toda a Vida.
O manifesto também contempla a democratização do acesso à formação científica com a criação de institutos de tecnologia e polos de ciência em regiões com baixo desenvolvimento humano.
O ambiente aparece como uma das prioridades. Em concreto, o documento propõe a criação de um arco contínuo de Unidades de Conservação e Pesquisa da Biosfera da Amazônia, para limitar a agropecuária e o desmate predatório.
Em um tom nacionalista, o texto sugere também a retomada e a expansão do Programa Espacial Brasileiro.
Para fazer com que as ideias da academia cheguem à indústria, Nicolelis sugere a criação do Banco do Cérebro, que financiaria empreendedores científicos no País.