sexta-feira, 13 de junho de 2025

Valdinei Ferreira - O futuro não será evangélico, FSP

 

Valdinei Ferreira
Valdinei Ferreira

É doutor em sociologia pela USP e fundador do Mapa Centrante

Os evangélicos não serão maioria na população brasileira em 2050 ou no futuro mais distante. Minha "profecia" não parte da estatística, mas do conhecimento da lógica da expansão evangélica e da observação da dinâmica do campo religioso brasileiro nas últimas décadas.

O crescimento dos evangélicos no Censo 2022 foi menor que o esperado. José Eustáquio Alves, estatístico do IBGE, empurrou a previsão da ultrapassagem dos católicos pelos evangélicos para o ano de 2050 e não mais para 2032, como havia afirmado anteriormente.

José Eustáquio, em entrevista para Anna Virginia Baloussier nesta Folha, se mostrou mais cauteloso com a nova "profecia" e afirmou ter dúvidas se de fato os evangélicos se tornarão maioria na população brasileira.

Um homem de óculos e terno cinza, com uma gravata vermelha, está falando em uma mesa de reunião. Ele parece estar explicando algo, gesticulando com a mão. À sua frente, há um copo de água e papéis. Ao fundo, um outro homem, vestido de preto, está sentado e prestando atenção. O ambiente é de uma sala de reuniões, com paredes claras e uma mesa de madeira.
José Eustáquio Diniz Alves durante audiência pública no Senado; ele agora prevê que evangélicos poderão ultrapassar católicos no país após 2050 - Edilson Rodrigues - 24.set.15/Agência Senado

A pregação evangélica convida as pessoas à experiência da conversão pelo contato direto com Deus. É enfatizado que "Jesus Cristo é o único mediador entre Deus e os homens". Logo, a intermediação de santos, clérigos e da própria igreja, como no caso do catolicismo romano, são postos de lado.

A expansão das igrejas evangélicas, paradoxalmente, promove uma desvalorização da instituição eclesiástica. Essa desvalorização, por sua vez, fomenta o surgimento de inúmeras novas denominações. Contudo, o mesmo argumento que justifica a criação de uma nova igreja —ou seja, que a salvação reside em Jesus e não na instituição— também serve para justificar o abandono definitivo da igreja, após a experiência em diversas delas.

O sociólogo da religião Peter Berger descreve o protestantismo como uma "religião de saída da religião". Obviamente, os líderes evangélicos não fazem isso intencionalmente. Trata-se de uma espécie de efeito colateral: a escolha religiosa individualista de hoje pode levar à busca por uma nova igreja da moda amanhã, por exemplo, uma "church" de parede preta. O resultado são crentes cansados da igreja que engrossam as estatísticas dos "desigrejados" e dos "sem religião".

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O fator mencionado acima é inerente ao jeito de crer e pertencer à igreja evangélica, portanto, estrutural. O segundo fator que desacelera o avanço evangélico rumo à conquista da maioria da população brasileira é sua mudança de atitude frente ao catolicismo romano.

Uma das hipóteses citadas por José Eustáquio Alves para a desaceleração do crescimento evangélico é a identificação da maioria dos crentes com a extrema-direita. Além de afastar os evangélicos moderados das igrejas, essa identificação com as pautas ligadas aos costumes aproximou os evangélicos do catolicismo conservador. Um tipo de ecumenismo a partir do conservadorismo político.

A expansão evangélica ocorreu por meio da conversão de católicos. No entanto, ao se aliarem ao conservadorismo católico para combater a "esquerda secularista", vista como promotora de agendas anticristãs, a pregação conversionista para católicos perde sua razão de ser.

O discurso evangélico focado em atacar os inimigos dos costumes conservadores tem eficácia eleitoral, mas não se mostra eficiente para converter pessoas de comportamento secularizado. Em outras palavras, indivíduos que acreditam em formas éticas de viver que não se baseiam em visões religiosas.

O resultado é: a pregação evangélica não está convertendo pessoas secularizadas e a dinâmica individualista e consumista das igrejas está aumentando o número de "desigrejados" e "sem religião" e, com isso, fortalecendo a própria secularização.

O novo olhar dos evangélicos para a Igreja Católica a partir da aliança política conservadora enfraquece as críticas ao espaço das imagens na devoção dos católicos. Ainda é tímido o movimento de evangélicos rumo ao catolicismo, mas já começa a ser detectado.

O Brasil permanecerá religioso no futuro. Contudo, a ideia de uma maioria evangélica parece cada vez mais improvável. Isso se deve a uma espécie de "autossabotagem" inerente à forma como as igrejas evangélicas se expandem e à sua mudança de postura em relação ao catolicismo romano.

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