segunda-feira, 9 de junho de 2025

Benefício tributário concedido a influencers e celebridades sobrevive apesar de ter se esgotado, OESP

 Notícia de presente

BRASÍLIA - A Receita Federal bem que tentou extinguir o incentivo tributário concedido ao setor de eventos. Em março, baixou um ato e comunicou as empresas que, a partir de abril, deveriam voltar a pagar impostos federais. O programa, contudo, segue vivo, com ações de empresas na Justiça contestando a cobrança. O exemplo do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), que acabou beneficiando até influencers e celebridades com alto faturamento, mostra que revisar e extinguir incentivos tributários, como proposto para rever o aumento do IOF, não é trivial.

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse neste domingo, 8, que o governo vai apoiar uma proposta de corte linear de benefícios tributários, à exceção dos previstos na Constituição (Simples Nacional, imunidades e entidades filantrópicas).

O Perse foi extinto, segundo a Receita, porque atingiu o teto de R$ 15 bilhões em renúncia de impostos fixado na lei 14.859 de 2024. Os dados do Fisco até maio mostram que o custo do programa foi ainda maior, de R$ 21,5 bilhões, somando os valores de 2024 e 2025.

Criado em 2020 com a ideia de mitigar os efeitos da pandemia de covid-19 em empresas de eventos, bares e restaurantes, o benefício só foi sancionado em 2021, sob resistência do então presidente Jair Bolsonaro. As empresas habilitadas podiam deixar de recolher PIS, Cofins, IRPJ e CSLL.

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A regulamentação do programa, porém, só foi concluída mais de um ano depois, em novembro de 2022 e, assim, o Perse só passou a valer em 2023, já na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda assim, sob intensas críticas da equipe econômica, que nunca escondeu o desejo de cortá-lo - houve pelo menos três medidas para restringir o programa desde 2023.

Mas, apesar da decisão da Receita de decretar o fim do Perse, o Ministério da Fazenda decidiu não contabilizar no Orçamento, até agora, a arrecadação com a reoneração das empresas.

Revisão de benefícios fiscais é uma das opções na mesa de negociação entre o Ministério da Fazenda e a cúpula do Congresso
Revisão de benefícios fiscais é uma das opções na mesa de negociação entre o Ministério da Fazenda e a cúpula do Congresso Foto: Wilton Junior/Estadão

O economista Flávio Serrano, do banco BTG, estima que a incorporação dessa receita poderia render ao governo até R$ 7 bilhões em 2025 e R$ 15 bilhões no ano que vem. Como comparação, com o aumento do IOF, o governo tentava arrecadar R$ 20 bilhões em neste ano.

Questionado, o Ministério da Fazenda não informou o motivo de não ter incluído essa receita na sua programação, mas defendeu a legalidade da interrupção do Perse.

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A versão do governo e de parlamentares do PT é a de que, se o Perse não tivesse consumido tanto, o governo não precisaria agora lançar mão do IOF.

“É possível identificar uma série de decisões judiciais liminares favoráveis à União em todos os Tribunais Regionais Federais”, afirmou em nota. “O panorama é majoritariamente favorável à legalidade do encerramento do programa com base na nova redação legal. Diante de liminares desfavoráveis, a Fazenda Nacional informa que irá interpor os recursos cabíveis e confia na reversão das decisões judiciais.”

A Hyve Eventos é uma das empresas que entrou na Justiça e conseguiu uma liminar contra a interrupção do programa. A alegação é que o Perse tem uma data para acabar (2027), e a empresa sofreria um recorte de 15% no faturamento se deixasse de usufruir do programa antes de abril deste ano, quando realizaria uma feira de educação e tecnologia.

A ação já subiu à segunda instância e é alvo de contestação pela União, mas não há decisão final. Até lá, a empresa pode seguir sem recolher tributos federais. O advogado que representa a Hyve, Alessandro Ragazzi, afirma que já obteve seis liminares na Justiça sustando a cobrança da Receita. Ele representa 50 empresas do setor que estão recorrendo à Justiça para manter o benefício.

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Ragazzi afirma que a Justiça tem acolhido principalmente o argumento de que a reoneração das empresas deve seguir os princípios da anterioridade e noventena - ou seja, precisaria levar três meses para voltar a cobrar as contribuições e, no caso do IRPJ, só em 2026.

“A meu ver, a questão do Perse só será dirimida no STF devido ao princípio constitucional da anterioridade”, afirmou.

Ragazzi avalia ainda que a Receita não cumpriu os requisitos exigidos na lei porque, ao decretar o encerramento do programa, não demonstrou que o limite de R$ 15 bilhões havia sido atingido - os dados, àquele momento, ainda eram de 2024.

“O governo foi afoito: ao invés de esperar pelo atingimento dos R$ 15 bilhões e aí sim anunciar o fim do benefício, fez tudo errado, abrindo margem para questionamento judicial. A lei ordenou que ele demonstrasse o atingimento do teto, não a sua predição”, diz.

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Câmara quer abrir ‘janela’ para empresas usufruam do benefício ainda neste ano

Mas não são apenas as ações na Justiça que mantêm o Perse vivo.

Autor do benefício na Câmara dos Deputados, com a proposição de 2020, Felipe Carreras (PSB-PE) alega que muitas empresas se aproveitaram de brechas na fiscalização da Receita para usufruir do benefício, o que explica ele ter se esgotado antes do previsto - a lei previa a existência do Perse por 60 meses, ou seja, até o início de 2027.

O deputado encabeça uma mobilização para uma auditoria no Perse, junto com o Tribunal de Contas da União (TCU), para verificar quem usou o benefício e não deveria e, assim, abrir uma “janela” ainda neste ano permitindo que empresas do setor que legitimamente recorreram à renúncia de impostos possam seguir usando o Perse.

“Eu tenho a palavra do ministro Fernando Haddad, em uma reunião em que estava também a deputada Renata Abreu (Podemos-SP), que se for identificado o uso indevido por algumas empresas, o valor irá voltar para as empresas do setor”, disse Carreras.

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Segundo ele, a quantia pode ser “razoável” uma vez que há casos em que empresas informaram desempenhar atividades apenas para ter acesso ao benefício. Por exemplo: uma empresa de limpeza que, por ter feito o serviço em um show, informa ser uma empresa de eventos, e não de serviços gerais.

A lista de atividades empresariais aptas a receber o Perse foi diminuindo desde o início da sua vigência. No final de 2023, numa tentativa de podar benefícios tributários, o governo baixou uma medida provisória encerrando o programa em abril de 2024, com o argumento de que a pandemia já tinha acabado e as empresas já estavam lucrando de novo.

A ideia não convenceu parlamentares que, alegando reparar prejuízos passados, aprovaram um novo projeto de lei em 2024 reduzindo as atividades contempladas de 44 para 33 e estipulando o teto de R$ 15 bilhões.

Apesar do recorte, na lista de beneficiários, aparecem artistas e influenciadores digitais com elevado faturamento, como Virgínia Fonseca, além de empresas que ganharam clientes na pandemia, e não perderam, como o iFood, como revelado pela Folha de S.Paulo.

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Na lista de beneficiários do Perse aparecem artistas e influenciadores digitais com elevado faturamento, como Virgínia Fonseca
Na lista de beneficiários do Perse aparecem artistas e influenciadores digitais com elevado faturamento, como Virgínia Fonseca Foto: Wilton Junior/Estadão

Segundo dados da Receita Federal, a plataforma de entregas é a maior beneficiária do Perse, com uma renúncia de impostos federais de R$ 653 milhões.

Em 2023, o governo tentou restringir o acesso do iFood ao programa, mas a empresa recorreu à Justiça e conseguiu uma liminar que permitiu que ela não recolhesse tributos federais. A alegação era a de que sua atividade estava entre as contempladas na versão original do programa, na lei de 2021, cuja vigência era de 60 meses (até 2025).

Em nota, o iFood informou que deixou de usar o benefício em 2025 e afirma que cumpriu todos os critérios estabelecidos pela legislação para ter acesso ao Perse.

A empresa alega ainda que a decisão da Justiça afastou todas as restrições impostas, incluindo o teto de R$ 15 bilhões.

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“Portanto, na avaliação da empresa, os benefícios fiscais obtidos pelo iFood não deveriam ser contabilizados no teto e a sua participação não limitaria a adesão de outras empresas”, afirma o iFood.

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