Quando a vida é encarada como competição, a adaptabilidade torna-se o valor mais elevado. Surge assim a intuição de que os comportamentos improdutivos devem ser diligentemente eliminados, justificando a cinta e a velha palmatória para além do prazer de ferir e humilhar.
Porém, evidências acumuladas mostram que o reforçamento é bem mais eficiente do que a punição. Este princípio levou à abolição dos castigos físicos na escola —o que na prática marcou o surgimento da educação contemporânea— e também à explosão da inteligência artificial, que é programada para perseguir recompensas (matemáticas) como um bandeirante.
A convergência metodológica faz da educação um campo privilegiado para IAs especializadas, que estão mudando o setor com promessas de turbinar o aprendizado e substituir o uso desonesto dos chatbots nas lições de casa por aplicações curriculares. Nos Estados Unidos, já há escolas alegando possuir tecnologias que ensinam em duas horas o que antes tomava um dia inteiro.
Esta é a teoria; a prática revela uma divergência nada trivial de incentivos. Bons professores catalisam o desenvolvimento de modelos de entendimento e sociabilidade, assinalando o valor intrínseco destas dimensões existenciais e dando ênfase à necessidade de se esforçar para aprender. Já bons assistentes pedagógicos reforçam seu próprio uso, que é condição necessária para que sigam instruindo a turma e cobrando mensalidade.
A prerrogativa para reforçar o próprio uso é nunca frustrar o aluno, o que na prática significa jamais pôr em xeque seu papel de cliente, que deve receber elogios a cada ação e, sobretudo, pode se angustiar se a resposta à tarefa não for logo regurgitada. O caso é idêntico ao das IAs terapêuticas, reforçadas para evitar o contraditório, que é simultaneamente o grande vetor da transformação e a grande ameaça à continuidade do plano contratado.
O aprendizado formal envolve a aquisição de novas formas de pensar, o que muitas vezes obrigado o aluno a lidar com fatores extrínsecos à noção em foco (como no caso em que precisa imaginar a figura impressa girando no espaço). Assistentes de ensino com IA facilitam este processo pela personalização da demanda conceitual e redução do peso dos fatores extrínsecos, já que usam animações e outros recursos que mitigam a necessidade de malabarismos mentais capazes de dificultar a incorporação do conceito-alvo.
A promessa é de que criariam um papel ainda mais valioso do que o tradicional para o professor, que poderia focar menos a repetição e mais a promoção de convergências interdisciplinares e experiências críticas. Porém, a realidade até aqui tem sido outra. Nela, os alunos que não enxergam um propósito maior na educação se aproveitam da IA; a lição em forma de jogo desvaloriza a leitura; e a evitação do contraditório, inerente à noção do aluno como cliente, reduz o contato com a sua própria fragilidade, reforçando o seu egocentrismo.
Aos poucos, estas ideias vão circulando entre os educadores. O resultado é o surgimento de uma nova dicotomia programática no ensino privado, não mais entre as escolas que cruzaram ou não a fronteira da IA, mas entre as que concebem seu papel de forma criteriosa e as que enxergam na tecnologia a oportunidade para uma nova era de ouro do fordismo educacional.
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