segunda-feira, 9 de junho de 2025

Inteligência artificial como estruturas de poder, Ricardo Lewandowski opinião FSP

 Ricardo Lewandowski

Ministro da Justiça e Segurança Pública, é professor sênior da Faculdade de Direito da USP e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal

Poucos se dão conta do quanto somos dependentes da inteligência artificial na vida cotidiana. E quase ninguém —salvo os especialistas— compreende como ela é construída e funciona de fato. A verdade é que se trata de uma nova tecnologia capaz de ensinar computadores a dominar capacidades cognitivas humanas e aplicá-las em questões teóricas e práticas de forma mais célere e eficiente do que os próprios seres humanos.

A IA já está presente na pesquisa científica, fabricação de fármacos, formulação de diagnósticos médicos, segurança dos transportes, previsão meteorológica, automação industrial, melhoria da agricultura e transmissão de conhecimentos, dentre outras múltiplas atividades, sendo empregada com vantagem em tarefas que exigem o processamento rápido de uma grande quantidade de dados.

A imagem mostra um teclado preto com teclas escuras e uma mão de um robô em cima dele. Ao fundo, há um texto que diz 'AI artificial intelligence' em letras brancas, com um efeito de iluminação azul e verde.
Ilustração com a mensagem "inteligência artificial”, um teclado e mãos de robô - 28.mar.25 - Dado Ruvic/Reuters

O futuro dessa ferramenta parece auspicioso por ensejar o tratamento de doenças incuráveis, criar energia limpa, antecipar catástrofes naturais, cultivar alimentos saudáveis, realizar trabalhos repetitivos e facilitar o aprendizado, permitindo, ademais, a implementação de muitos outros benefícios para incrementar a vida das pessoas.

Em contrapartida, pode desenvolver patógenos incuráveis, desenvolver armas praticamente invencíveis, provocar guerras acidentais, interferir no comportamento dos indivíduos, eliminar empregos, estimular regimes autocráticos, manipular códigos genéticos, invadir a privacidade das pessoas e —o que é mais grave —escapar do controle de seus criadores, desenvolvendo uma vontade própria.

É fundamental, portanto, compreender que essa tecnologia não constitui uma ferramenta neutra, baseada em informações objetivas ou abstratas. Ao contrário, ela é controlada por algoritmos desenhados ao alvedrio de seus idealizadores, inserindo-se em contextos sociais, políticos, econômicos e culturais específicos, sob o controle de instituições que têm objetivos próprios, nem sempre altruísticos. Trata-se, no fundo, de um instrumento de poder que objetiva controlar pessoas e obter vantagens materiais em escala global.

Em um instigante livro denominado "Atlas of AI: Power, Politics, and the Planetary Costs of Artificial Inteligency", recentemente publicado, a acadêmica estadunidense Kate Crawford anota que essa ferramenta, embora se pareça com "uma força espectral", na realidade corresponde a "infraestruturas físicas que estão redesenhando o mundo, enquanto simultaneamente mudam o modo como ele é visto e compreendido".

A autora chama atenção para o fato de que a IA engloba vários elementos intimamente interligados, "desde política de inteligência à coleta maciça de dados; da concentração industrial do setor tecnológico ao poder geopolítico militar; do esgotamento do meio ambiente às diferentes formas de discriminação".
Acrescenta que "essas reconfigurações estão ocorrendo ao nível da epistemologia, princípios de justiça, organização social, expressão política, cultura, compreensão dos corpos humanos, subjetividades e identidades: daquilo que somos e podemos ser".

Tais políticas, segundo a professora Crawford, são dirigidas "pelas grandes casas da IA" (conhecidas como big techs),"as quais consistem em mais ou menos meia dúzia de companhias que dominam a computação planetária em larga escala".

Enfim, somente os Estados nacionais, no exercício de sua soberania, tem o poder-dever de enfrentar esse novo e desafiador fenômeno, redirecionando-o para atender os autênticos interesses de seus cidadãos, mediante uma regulação apropriada.

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