Isabella Weber
[RESUMO] A alta inflação de alimentos nos últimos anos no Brasil tem um alto custo político e pode ser o maior obstáculo a uma eventual tentativa de reeleição de Lula (PT). Para lidar com a situação, economistas propõem a criação do Observatório Brasileiro de Preços de Alimentos, órgão que identifique pontos de pressão nas cadeias alimentares e subsidie políticas estruturais para prevenir a inflação de alimentos.
A inflação dos alimentos é sempre uma má notícia: exacerba desigualdades por pressionar mais as famílias mais pobres, sobrecarrega a classe média e piora a fome no país, levando a um alto custo político para governantes. Poderá se tornar o maior obstáculo a uma eventual tentativa de reeleição do presidente Lula em 2026? Não é questão simples de responder.
A conjuntura macroeconômica brasileira, diga-se com clareza, é extremamente favorável à reeleição de Lula. O crescimento do PIB está acima do observado em quase todos os países do G20, o desemprego em patamar historicamente baixo e os níveis de pobreza caem de forma significativa após uma década de estagnação econômica e elevação da desigualdade no país.
A aceleração da inflação nos últimos anos, no entanto, puxada pela alta do dólar e dos preços dos alimentos, dificulta a redução da taxa de juros pelo Banco Central e se torna a pedra no sapato de um governo que não tem conseguido converter seus bons resultados em popularidade. Não à toa, o presidente Lula convocou seus ministros desde o início do ano para estudar medidas que possam ajudar a solucionar o problema.
A alta inflação de alimentos não é um fenômeno apenas nacional. Os alimentos contribuem para acelerar a inflação em diversos países, notadamente na África Subsaariana. Nenhum deles chega perto de ser a potência agrícola que é o Brasil, o terceiro maior exportador mundial de bens dessa natureza. Ainda assim, desde 2020, a inflação de alimentos acumulada é da ordem de 43% no Brasil e o índice segue trajetória de elevação nos últimos meses.
O desfecho fracassado da campanha de reeleição do Partido Democrata nos Estados Unidos acendeu o alerta. Apesar do alto crescimento econômico, do baixo desemprego e dos salários reais crescentes que vigoravam na economia norte-americana ao final do governo de Joe Biden, diversas pesquisas eleitorais associaram o voto em Donald Trump a uma percepção de piora nas condições de vida da população.
Entre as explicações para essa aparente contradição, ganhou destaque a alta na inflação de alimentos e de outros itens essenciais como energia e moradia, quadro que se agravou no mundo pós-pandemia e ganhou tintas dramáticas a partir da eclosão da Guerra da Ucrânia.
Diversos estudos já apontavam uma forte relação entre a inflação de alimentos e a instabilidade social.
No período recente, o aumento da inflação foi uma das principais razões de derrota da maioria dos partidos de situação em eleições ao redor do mundo. Duas exceções se destacam: México e Espanha. Em ambos os casos, governos progressistas criaram ferramentas inovadoras para combater a inflação de produtos essenciais.
Na Espanha, um dos instrumentos adotados foi a criação do Observatório das Margens de Lucro. O observatório espanhol, lançado em 2023, busca calcular e dar transparência aos dados sobre margem de lucro das empresas a partir da colaboração entre o Ministério de Economia, que garante o alinhamento das atividades do observatório com os objetivos da política econômica, o Banco Central, que contribui com dados financeiros e análises econômicas de empresas, e a agência de administração tributária do país, que fornece informações sobre lucros e valor adicionado das empresas.
É possível identificar quais alimentos impulsionaram a inflação no Brasil ao longo do tempo. Mais recentemente, a carne bovina, o café, os laticínios e as frutas se destacaram. Ainda é difícil dizer, no entanto, em que medida esses aumentos de preços são reflexos de aumentos nos custos de produção ou se resultam de déficits de oferta, falta de concorrência ou expansão das margens de lucro. É provável que a explicação seja distinta a depender do tipo de alimento considerado —se é ou não exportado, se é primário ou processado, se depende ou não de insumos importados, por exemplo.
A criação de um Observatório Brasileiro de Preços de Alimentos poderia ajudar a identificar pontos de pressão ao longo das cadeias alimentares, contribuindo para o desenho de políticas de estabilização mais direcionadas e eficazes. A iniciativa poderia ser implementada por meio de parceria entre a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), o Ministério da Fazenda e o Banco Central. Grande parte dos dados necessários já são coletados por órgãos governamentais, mas precisam ser analisados —e o resultado dessa análise deve ser aberto ao público.
Uma resposta comumente adotada para combater a inflação de alimentos e já implementada no Brasil neste ano é a redução de impostos e tarifas sobre produtos básicos. Os efeitos de medidas de desoneração sobre os preços no varejo podem ser limitados quando intermediários ou comerciantes não repassam integralmente a redução dos custos para o consumidor final.
A versão brasileira do observatório pode dar mais transparência a esse processo, mostrando ao consumidor os ganhos potenciais advindos da redução de impostos.
Tornar essas informações públicas também poderia desencadear investigações antitruste no setor de alimentos, já que os mecanismos de concorrência são frustrados quando isenções tributárias e benefícios semelhantes não são repassados ao preço final.
Finalmente, o governo seria capaz de condicionar tais benefícios ao repasse da redução de custos ao consumidor final: empresas que não fizessem o repasse perderiam acesso a incentivos fiscais e teriam sua posição de mercado prejudicada em relação aos concorrentes dispostos a cumprir tais regras.
A análise sistemática e contínua dos preços pelo observatório também poderia alimentar políticas estruturais de médio prazo para prevenir a inflação de alimentos. Em uma era de mudanças climáticas, os rendimentos agrícolas podem ser voláteis. Em tempos de guerras comerciais, as taxas de câmbio e a demanda por exportações podem mudar rapidamente. Tudo isso pode aumentar as flutuações dos preços das commodities, que são um componente significativo da inflação dos alimentos.
Fortalecer a capacidade da Conab de administrar estoques reguladores que compram commodities no atacado, quando os preços caem, e de vender para o mercado interno, quando os preços sobem, é um passo importante. Além disso, tornar a agricultura mais resiliente às mudanças climáticas e aumentar a produção interna de insumos pode reduzir ainda mais as vulnerabilidades.
Um dos grandes desafios para o controle da inflação de alimentos é a relevância das commodities agrícolas para a pauta exportadora do Brasil, o que faz com que os preços domésticos sejam frequentemente impulsionados pelo aumento dos preços no mercado internacional. Há medidas anticíclicas, contudo, que podem ajudar a resolver esse problema.
Se a oferta nacional for escassa e os preços estiverem subindo, por exemplo, subsídios fiscais e taxas de juros subsidiadas concedidas a exportadores previstos no Plano Safra podem ser condicionados a uma cota de vendas para o mercado interno. Por outro lado, se a demanda mundial por produtos agrícolas brasileiros estiver fraca, o subsídio aos exportadores poderia ser maior para garantir sua posição competitiva no mercado internacional.
As informações do observatório também poderiam ser úteis para subsidiar políticas voltadas a desacoplar os preços de varejo das flutuações do mercado internacional, o que beneficiaria tanto produtores quanto consumidores. Um padrão comumente observado nas cadeias de valor dos alimentos é que os agricultores, em especial os pequenos produtores, tendem a se beneficiar menos de aumentos nos preços dos produtos do que os comerciantes. Isso abre uma porta para o estabelecimento de canais de comercialização direta, conectando os pequenos agricultores aos consumidores finais.
A Conab e o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome já administram um programa de aquisição com capacidade para comprar comida direto dos produtores. Hoje, as aquisições do programa são distribuídas gratuitamente, por exemplo, para utilização na merenda escolar.
Discussões acerca da possibilidade de expandir esse programa e criar canais de varejo que atendam famílias de baixa renda em desertos alimentares, que sofrem tanto com o acesso limitado a alimentos saudáveis quanto com impactos ainda mais severos dos aumentos de preços, apontam na direção correta: a ampliação do programa de aquisições beneficiaria os produtores e os consumidores mais vulneráveis.
Assistimos hoje ao ressurgimento mundial da extrema direita. Por meio das presidências do G20 e da COP, o governo brasileiro assumiu um papel crucial de liderança no enfrentamento de desafios globais importantes, como o combate à pobreza e às mudanças climáticas, tornando-se um defensor da agenda progressista a nível regional e global.
Agora, para ser capaz de proteger a população brasileira do peso da inflação de alimentos e dar continuidade aos avanços dos últimos anos, o governo não pode acabar no cemitério dos partidos de situação. É essencial que o governo brasileiro faça tudo o que estiver ao seu alcance para aliviar pressões sobre os preços dos alimentos.
A criação do observatório pode ser um primeiro passo importante. As políticas mencionadas aqui são apenas alguns exemplos de instrumentos de estabilização disponíveis. É hora de ampliar essa caixa de ferramentas ainda mais —e a criação de um Observatório Brasileiro de Preços de Alimentos pode fornecer as evidências necessárias para isso.
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