Notícia de presente
No dia 12 de agosto fui à posse de Eduardo Giannetti da Fonseca na Academia Brasileira de Letras (ABL), no Rio de Janeiro. Eu o conheci porque era de família de meu relacionamento desde quando eu estudava na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP (FEA-USP).
Nela, seu irmão Marcos foi meu aluno. E seu pai, Justo Pinheiro da Fonseca, então diretor do Banco Comércio e Indústria de São Paulo, era muito amistoso e de bom humor. Disse-me que como pai não foi nada original, pois os três filhos eram homens, estudaram no Colégio Santa Cruz e cursaram a FEA-USP. Foi ele quem me levou aos meus primeiros artigos neste jornal, depois de nos encontrarmos com Robert Appy, então editor de Economia. Marcos, doutor em Economia pela Universidade Yale, nos EUA, também foi professor da mesma faculdade. Seu outro irmão, Roberto, é empresário. Sua mãe, Yone, psicanalista e poetisa, escreveu quatro livros, com destaque para A Fala e a Forma. Também conheci Américo René Giannetti, seu avô e ex-prefeito de Belo Horizonte.
A posse de Eduardo na ABL foi um momento de muitas reminiscências como essas e outras. Em 1980 eu era visitante na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e hospedei-o quando apareceu lá para conhecer a cidade e a universidade.
A cidade é maravilhosa. Pequena, bem arborizada, com muitos edifícios centenários, e nela aprendi fortes e peculiares tradições inglesas. Por exemplo, o mecânico do meu automóvel usava gravata. Para consertar uma bicicleta, era preciso marcar dia e horário, e para construir nova casa eram colocados avisos nos postes da redondeza para que os demais cidadãos soubessem disso e manifestassem eventuais restrições. Soube que um prédio da cidade teve de substituir uma parede por vidros, para garantir a quem passasse na sua frente a visão da paisagem ao fundo. Minha filha Carolina, então com sete anos, ingressou numa escola pública que convocou um professor para lhe ensinar inglês. Lá, aprendeu a tocar flauta e visitou Londres. Vi filhotes de cisne e suas mães pelas estradas, e soube que eram intocáveis, pois por uma lei não escrita eram de propriedade do rei ou da rainha. Na área rural, em alguns locais as cercas das fazendas tinham pontos para a livre entrada e saída de pedestres, garantindo, assim, o direito de passagem, que remonta a tempos medievais.
Lá, tive outra filha, Gisela, o que me fez conhecer o famoso SUS local. Um atendimento impecável: o parto é tradicionalmente atendido por uma parteira e um médico só atua se necessária uma cesariana. Após o parto, por 30 dias houve a visita de enfermeiras que verificavam se estava tudo certo com a criança e a mãe. Notei, também, que as enfermeiras tinham uma hierarquia que lembrava a de militares.
Mas no que ajudei Giannetti, a ponto de ter o seu reconhecimento? Certa vez, ele veio numa mensagem: “Sem a sua generosa e providencial ajuda, em momento decisivo, aquele jovem perdido que eu era não teria ido para a Universidade de Cambridge, e nada do que veio depois teria acontecido. Eterna gratidão!”. Emocionante, não? Eu lhe dei carta de recomendação. Creio que meu status de visitante deve ter ajudado. Depois de concluir o doutorado, passou a lecionar nessa universidade, e lá ficou sete anos.
Giannetti ocupou a cadeira 2 da ABL, que entre outros ocupantes teve Guimarães Rosa, que admiro muito e de quem tenho particular lembrança. Na minha juventude, morei em Sete Lagoas (MG), e ia de trem visitar uma tia na pequena cidade de Cordisburgo (MG), onde ele nasceu e cujo entorno foi cenário de livros como Sagarana e Grande Sertão: Veredas.
A ABL funciona num grande casarão, com uma sala muito grande que serve de auditório. A posse teve início num horário estranho, 21 horas, e, antes, Giannetti ficou fechado sozinho numa sala até ser buscado para a solenidade por um grupo de acadêmicos.
No seu discurso, reverenciou a obra de seus antecessores na Cadeira 2. Mas não abordou seus próprios livros, cerca de 15, que foram ressaltados pelo acadêmico Antônio Cícero, poeta e filósofo, que o saudou. A obra de Giannetti vai bem além de sua formação inicial de economista, estendendo-se à filosofia. Entre os livros, destaco O valor do amanhã, talvez porque aborda um tema tradicional entre seus parceiros menos sofisticados, a taxa de juros.
Giannetti também criticou a própria academia, ressaltando a escassez de mulheres e de afrodescendentes, recentemente aliviada um pouco com as posses de Fernanda Montenegro e de Gilberto Gil.
Ao final, abordou as enormes dificuldades do Brasil no momento, mas concluiu, com confiança no futuro: “O Brasil tem sede de futuro. A biodiversidade da nossa terra e a sociodiversidade da nossa gente – afro-euro-ameríndia – são os principais trunfos brasileiros diante de uma civilização em crise. O futuro se redefine sem cessar – ele responde à força e à ousadia do nosso querer. Queiramos! Onde cresce o perigo cresce também o que salva”.
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