sexta-feira, 13 de junho de 2025

João Pereira Coutinho - Antes rico e com saúde do que pobrezinho e doente, FSP (DEFINITIVO)

 Filmes ou séries de TV com ricos no enquadramento são fenômenos de compensação. Nós, a plebe, os descamisados, os infelizes do mundo não temos o dinheiro das piranhas. Mas, pelo menos, podemos rir-nos delas. Das suas ambições, frustrações, neuroses e infelicidades.

Parafraseando o tio Karl, os ricos das telas são o ópio do povo. Algumas horas com "Succession" ou "White Lotus" e até agradecemos aos céus por não sermos ricos como eles.

Quatro homens posando para uma selfie em uma área de neve. Eles estão usando roupas de esqui laranja e acessórios divertidos, como óculos escuros e chapéus. O fundo mostra um céu nublado e montanhas cobertas de neve.
Cory Michael Smith, Steve Carrell, Ramy Youssef e Jason Schwartzman em cena do filme 'Mountainhead', dirigido por Jesse Armstrong - Divulgação

Nunca comprei essa versão. Para começar, as caricaturas não batem com a experiência: os ricos que vou conhecendo são sempre mais saudáveis e generosos do que as suas versões cinematográficas. O dinheiro melhora a espécie e, em certos casos, o caráter.

Pelo contrário: é no fim da cadeia alimentar, na pobreza e na miséria, que se encontra o leite mais amargo da natureza humana. Faz sentido: quando lutamos pela sobrevivência, a empatia e a etiqueta não estão entre os bens mais praticados.

Além disso, se aquela é a vida dos ricos, eu não me importava de experimentar. Mesmo as neuroses deles me parecem preferíveis às neuroses do proletariado. Ou, para usar um ditado bem português (ou será brasileiro?): "Antes rico e com saúde do que pobrezinho e doente."

Foi com essas reservas que me aproximei de "Mountainhead" (na HBO), filme de Jesse Armstrong, o criador de "Succession". Mais uma denúncia satírica dos ricos e da estupidez que os define?

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Sim, Armstrong repete os velhos temas. Mas, dessa vez, o foco não está na arrogância do dinheiro. Está na dimensão utópica que uma classe restrita de tecnoplutocratas tem cultivado por aí.

Riqueza, para eles, é um meio, não um fim. O fim é refazer a humanidade e jogar a espécie para um futuro pós-humano.

É com tais premissas que encontramos quatro membros desse clube numa mansão isolada no topo da montanha. Fisicamente, o espaço faz lembrar o "ninho da águia", o retiro de Hitler nos Alpes Bávaros, apesar de um deles formular a questão retórica: "Seremos nós os novos bolcheviques?"

Nazistas, bolcheviques: é tudo farinha do mesmo saco na ambição desmedida de destruir o mundo velho para construir um reino novo onde eles mandam nos países, a inteligência artificial faz o trabalho duro e a imortalidade consiste em transferir as consciências individuais para uma nuvem, o que quer que isso seja.

O problema, como sempre acontece com qualquer projeto utópico, é esse detalhe a que chamamos realidade. Como, por exemplo, a realidade que existe fora da casa e que mostra países inteiros em desagregação política e caos civil por causa das fake news que a IA vai promovendo nas redes sociais. Preocupante?

Nem por isso. Como diria Gramsci, é entre o velho mundo que está morrendo e o novo que tarda a aparecer que nascem os monstros. Mas, no fim, tudo vai dar certo porque a nobreza do ideal é mais forte do que os acidentes de percurso.

Isso, claro, se um dos membros do comitê não começar a ter reservas quanto à viabilidade do projeto. É também um clássico dos movimentos revolucionários: a emergência de "inimigos do povo" (ou, na linguagem tech, "desaceleracionistas") que devem ser eliminados para que a causa triunfe (ou, melhor dizendo, acelere).

Se as revoluções do passado devoraram seus próprios filhos, não há nenhum motivo para que as revoluções do futuro não continuem o banquete.

Aliás, se dúvidas houvesse, bastaria olhar para o divórcio entre Donald Trump e Elon Musk. Sim, podemos reduzir o conflito a um mero desacordo sobre política fiscal.

Mas é mais que isso: um embate entre dois revolucionários sobre o caminho da revolução. De um lado, a ambição tecnolibertária de Musk; do outro, o populismo nativista de Trump. Quem vence essa batalha?

Pergunta absurda: Trump conta com o poder do Leviatã para disciplinar, legal ou até extralegalmente, os delírios do Vale do Silício. Razão pela qual Elon Musk já veio pedir desculpas pelos seus excessos de linguagem.

Pobre Musk. No planeta Marte, talvez as coisas sejam um dia de outra forma. Mas, aqui na Terra, o poder ainda está no cano de uma arma.

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