O cérebro humano é um trapaceiro. Quando não sabe a resposta para uma pergunta difícil, cata a primeira "verdade" remotamente aparentada à questão original e a eleva à categoria de solução. O nome desse processo mental é viés de substituição de atributo.
Exemplo. A empresa X vai gerar lucros no futuro? Como essa é uma questão complexa para a qual não tenho resposta, meu cérebro "resolve" a dificuldade trocando a pergunta original por outra mais fácil de processar: eu gosto da marca X?
Quando isso ocorre de forma inconsciente, estamos diante de um autoengano; quando consciente, seria um autodesengano. Penso que o recém-aprovado projeto de lei que aumenta o número de deputados na Câmara cai na segunda categoria.
Cobrado pelo Judiciário a dar materialidade à norma constitucional que determina que as bancadas dos estados na Câmara obedeçam ao critério da proporcionalidade populacional, o Legislativo prevaricou.
Em vez de rebalancear os tamanhos das bancadas à luz dos novos dados demográficos do Censo, os parlamentares resolveram simplesmente aumentar o número de deputados dos estados que ganharam habitantes, sem reduzir o dos que perderam. Não é preciso PhD em matemática para perceber que a regra da proporcionalidade foi violada.
A medida, além de ampliar gastos, decepa um princípio democrático. Na Câmara deveria imperar a lógica do "um homem, um voto", mas a nova regra bagunça ainda mais as coisas. Um dos grandes prejudicados é São Paulo, cuja sub-representação, determinada pelo teto de 70 deputados por estado, é agravada.
Numa conta de guardanapo, São Paulo, com 22% da população do país, faria jus a 113 dos atuais 513 deputados, mas, com o teto, tem sua representação tolhida em 43 assentos. Com uma Câmara de 531 assentos, o prejuízo vai a 47 cadeiras, o que é mais que um Rio de Janeiro.
A questão deve ser rejudicializada. Veremos se o STF tem disposição para impor o rigor matemático ou se preferirá não aumentar sua lista de contenciosos com o Congresso.
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