quarta-feira, 25 de junho de 2025

Um Judiciário com parafuso solto, Elio Gaspari, FSP

 O paralelo pode parecer exagerado, mas o caso é o seguinte:

Em 1788, depois de ter perdido as colônias da América do Norte, George 3º, o rei da Inglaterra, ficou maluco. Um ano depois, deu-se uma Revolução na França. Luís 16 foi deposto, preso e guilhotinado. Degolaram também sua mulher e barbarizaram a vida de seu filho, uma criança.

A revolução aconteceu na França porque lá o andar de cima perdeu a cabeça na defesa de privilégios e honrarias absurdos, pouco se lixando para a defesa das instituições que lhes pareciam sólidas. A cegueira dos franceses foi tamanha que madame Du Barry, namorada do avô de Luís 16, fugiu para Londres e vivia bem, até que decidiu voltar à França. Presa, foi para a lâmina.

Dois séculos e um oceano separam o Brasil do 21 da França do 18. Muitos são os males que afligem Pindorama, mas uma parte da magistratura e do Ministério Público foram para uma coreografia de penduricalhos y otras cositas más. Armou-se um sistema de autoavacalhação institucional.

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Corredor no prédio do TJ de São Paulo, no centro da capital paulista - Eduardo Knapp - 11.out.19/Folhapress

Dentro de uma legalidade que é desenhada pela magistratura, o Código do Processo Civil permite que assessorias jurídicas "podem ser exercidas de modo verbal", sem necessidade "de formalização por contrato de honorários". Em 2016, 10 dos 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça tinham parentes advogando na corte. Anos depois esse número passou para cerca de 15. Vá lá, quem trabalha de graça é relógio. A questão acaba sendo a forma como se trabalha.

Graças aos penduricalhos, uma desembargadora de São Paulo recebeu R$ 678 mil líquidos em dezembro passado. São os supersalários, disseminados pelo país e pelas diversas instâncias. No ano passado, os penduricalhos custaram à Viúva R$ 6,7 bilhões. Os supersalários transbordaram para o Ministério Público. Todos legais, diria o conde de Artois, irmão de Luís 16.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, reclamou dos penduricalhos, dizendo que "estamos vivendo um quadro de verdadeira desordem". Astuciosa desordem, pois sempre custa à Viúva, jamais a remunera. Astuciosa e potente, pois a repórter Rosane Oliveira foi condenada a indenizar uma juíza que recebeu R$ 662 mil partindo de um vencimento de R$ 35 mil. Tudo legal. O malfeito da repórter foi ter dado cifras aos bois.

Os penduricalhos estabeleceram-se disfarçando-se como gratificações que poderiam ser cobradas retroativamente. Em abril, tentou-se saber a quanto ia a conta. Nada feito. Novo pedido, nova negaça. Numa gracinha típica da espécie, o Ministério Público de São Paulo decidiu conceder um mimo que pode chegar a R$ 1 milhão, indenizando os promotores pelos serviços prestados há décadas, quando eram estagiários.

Magistrados e procuradores sonham com a planilha salarial de Polichinelo. Contratado por 30 liras mensais, ele queria receber uma lira por dia, sete por semana, 15 por quinzena e 30 ao fim do mês.

Estavam assim as coisas quando o repórter Arthur Guimarães de Oliveira revelou que os penduricalhos do Ministério Público de São Paulo formaram um passivo de R$ 6 bilhões, ervanário equivalente a uma vez e meia o orçamento anual da instituição. Esse dinheiro não existe, mas as excelências correrão atrás dele.

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