quinta-feira, 12 de junho de 2025

Djamila Ribeiro O racismo recreativo de Leo Lins, FSP

 Convidei o professor Adilson Moreira, doutor em direito antidiscriminatório pela Universidade Harvard, professor da FGV e autor de "Racismo Recreativo", para escrever sobre a condenação de um pretenso comediante à prisão por racismo, entre outros discursos de ódio.

Leo Lins, racismo recreativo e a defesa dos interesses brancos

Não causa surpresa a reação virulenta à sentença que condenou Leo Lins à prisão pela prática de racismo recreativo. Decisões como essa são raríssimas, mas suficientes para provocar indignação em muitas pessoas, especialmente naquelas que contam com a complacência do Poder Judiciário. Elas esperam que os membros dessa instituição confirmem a tese de que elas não estavam sendo racistas quando estavam praticando o racismo. Esse contrassenso merece nossa atenção.

Por que condenar criminalmente um humorista que faz piadas racistas? Bem, o humor hostil tem sido estrategicamente utilizado para legitimar interesses de grupos majoritários ao longo da história. Por exemplo, piadas sobre a suposta ausência de virilidade de homens asiáticos surgiram para justificar ações militares contra chineses; a ideia de que negros são indolentes apareceu durante o período colonial para estigmatizar pessoas escravizadas que reagiam à opressão racial.

Alega-se que o humor representa um estado de neutralidade cognitiva e moral. Essa posição é equivocada. Ele é um tipo de mensagem que desperta o riso porque expressa consensos sobre o que pessoas podem ser e sobre o que elas podem fazer; ele naturaliza práticas institucionais ao confirmar o que se acredita serem características e funções de certos segmentos sociais.

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Alguns estudiosos dizem que o humor hostil está baseado no sentimento de superioridade de membros de certos grupos em relação a outros, o que torna minorias alvos constantes de falas desumanizadoras; Freud ensinava que piadas são também expressão de animosidade, embora sejam classificadas como meras manifestações culturais.

Brancos riem de piadas racistas porque concordam com o conteúdo delas, porque elas refletem suas percepções sobre negros e negras. Estereótipos raciais influenciam o comportamento dos seres humanos em várias situações, pois expressam representações consolidadas sobre o outro. Aquilo que faz rir também motiva discriminação. Piadas racistas são meios de difusão de estereótipos que se tornam motivos para ações. Elas promovem gratificação psicológica, uma vez que afirmam a convicção de superioridade racial: eu digo que o outro é inferior quando estou certo de que sou melhor do que ele.

Muitos classificam sentenças que condenam brancos pela prática do racismo recreativo como violações de direitos. Obviamente, os que defendem essa tese estrategicamente ignoram o fato de que a dignidade humana é o princípio regulador do nosso sistema jurídico, motivo pelo qual ela é um bem protegido por uma pluralidade de normas legais, inclusive normas penais. Mas esses críticos estão realmente preocupados com esse valor estruturante do nosso sistema normativo ou estão protegendo outro tipo de interesse coletivo?

A imagem de fundo cinza escuro traz um microfone colorido à frente e dele saem raios amarelos, que emulam a vibração sonora.
Aline Bispo/Folhapress

Humoristas ganham muito dinheiro com a exploração econômica do humor racista. Eles sabem que o desprezo racial estrutura nossa moralidade pública, então criam canais em redes sociais nos quais divulgam mensagens discriminatórias, o que os torna populares imediatamente. Eles começam a fazer apresentações pelas quais cobram cachês cada vez mais altos, o que pode torná-los ricos.

Patrocinadores, empresários, assessores, empregados e familiares também lucram com o humor racista. Vemos então que uma condenação penal por racismo recreativo significa a perda do meio de vida de muita gente.

Um ponto importante: Leo Lins não é um artista. Ele não utiliza suas habilidades pessoais como veículo de expressão estética, ela não procura produzir efeitos estéticos a partir delas. Suas piadas não expandem ou aprofundam a capacidade de contemplação dos seus ouvintes. Como ele mesmo reconhece em uma publicação, ele é um comunicador que utiliza temas controversos para fazer as pessoas rirem.

É curioso que muita gente venha a público comparar decisões que condenam pessoas brancas pela prática de racismo ao que ocorreu durante o regime nazista. É uma retórica que procura transformar Leo Lins em vítima. Essas pessoas provavelmente ignoram o papel central que o humor racista teve na justificação da tentativa de extermínio de judeus europeus. A sobrevivência do sistema de supremacia branca que opera entre nós depende da desumanização sistemática de negros, motivo pelo qual muitos se revoltam contra leis que criminalizam o racismo e contra decisões judiciais que aplicam essas normas, pois elas contrariam seus interesses.

É muito difícil para eles entender que a dignidade de pessoas negras é inegociável e que a liberdade de expressão não protege discurso de ódio.

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