sexta-feira, 13 de junho de 2025

Mauro Calliari - Lei cidade suja, FSP

 

Mauro Calliari

Lei Cidade Limpa é um marco na história de São Paulo.

Até 2006, quando foi implantada, tropeçávamos, sem pensar, em propagandas —letreiros gigantes, anúncios luminosos, a profusão de placas e os inacreditáveis anúncios de cuecas que cobriam empenas de prédios inteiros no Minhocão.

A imagem mostra um outdoor publicitário em São Paulo, com uma mulher sentada em um banco, vestindo uma blusa preta e calças jeans. O outdoor é da marca Viamarte e contém a frase 'INSPIRE A VIDA'. Ao fundo, há prédios urbanos e um tráfego de veículos na via em primeiro plano. Placas de sinalização indicam direções e limites de velocidade.
Outdoor instalado na região do Minhocão, próximo a avenida Francisco Matarazzo, no centro de São Paulo - Rubens Cavallari - 27.abr.2007/Folhapress

A surpreendente aprovação da lei durante a gestão de Gilberto Kassab revelou aquilo que estava escondido. Pudemos ver a beleza e a feiura da arquitetura a nosso redor. Nuas, as fachadas foram aos poucos sendo pintadas e decoradas, anúncios cederam espaço para grafites, a cidade se adaptou e nós nos acostumamos com o alívio que a limpeza provoca.

Inacreditavelmente, isso pode voltar atrás.

O vereador Rubinho Nunes propôs um projeto de lei que flexibiliza a Lei Cidade Limpa: se aprovado, letreiros podem cobrir até 70% da fachada de prédios históricos, os painéis de LED jogarão luz feérica sobre motoristas e passantes, a publicidade pode voltar em parklets, totens de carregamento de veículos elétricos e jardins verticais.

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Sem discussão alguma, a Câmara aprovou o PL em primeira votação; só votaram contra a bancada do PT e PSOL e os vereadores Renata Falzoni (PSB), Carlos Bezerra Júnior (PSD) e Janaína Paschoal (PP). Ainda tem uma segunda votação e torço para que as audiências públicas obrigatórias aumentem a sensibilidade dos demais vereadores para um tema que virou caro aos paulistanos.

Ninguém foi consultado. Nem técnicos da SMUL, a Secretaria de Urbanismo, nem mesmo a CPPU— Comissão de Proteção à Paisagem Urbana, um órgão que só existe para isso (e do qual faço parte). A CPPU julga processos de intervenção na paisagem urbana —da Cow Parade até o painel do MorumBis— e está atualmente discutindo como lidar com a presença cada vez mais ubíqua dos painéis de LED em lançamentos imobiliários e no varejo.

A justificativa do vereador para a mudança na lei é a "modernização", priorizando "aumento de investimentos na cidade". Numa entrevista, Nunes cita até a possibilidade de criarmos uma "Times Square paulistana".

A imagem mostra uma rua urbana com várias lojas e uma igreja ao fundo. À esquerda, há uma igreja com torres altas e detalhes arquitetônicos. À direita, prédios comerciais exibem grandes letreiros coloridos com as palavras 'BIG SALE', 'FOOD', 'MEGA SHOP' e 'PASTON'. A rua está parcialmente vazia, com algumas pessoas caminhando. Há também um sinal de promoção com a frase 'OFERTAS IMPERDÍVEIS'.
Simulação gerada por IA mostra impacto que flexibilização da Lei Cidade Limpa pode ter - IAB-SP

O argumento do aumento de arrecadação através da receita publicitária nunca foi demonstrado e talvez anule a grande vantagem da Lei Cidade Limpa, que é justamente a de garantir que as poucas propagandas permitidas —nos relógios de rua e pontos de ônibus— tenham alto valor.

Mesmo que haja algum aumento de receita, vale a pergunta. Quanto vale a perda de urbanidade? R$ 50 milhões? R$ 500 milhões? Para constatar o efeito possível nefasto da mudança, basta ver as fotos de antes de 2006, a simulação feita pelo IAB-SP ou então visitar alguma cidade, como Santo André (SP), que ainda permite publicidade de todos os tipos e tamanhos. Chega a dar tontura.

Do ponto de vista turístico, se a ideia é fazer um teste numa área da cidade e enchê-la de painéis iluminados e publicidade, então que se combine com a Prefeitura, conselhos participativos e Associação Comercial e que se escolha um lugar delimitado para fazer um teste. Digamos, o Largo Treze, em Santo Amaro. Sem mudar a lei. Aí, depois de algum tempo, mede-se a receita adicional, o aumento de impostos e a percepção das pessoas. Se der certo e se houver aprovação, amplia-se para outras áreas delimitadas. Mas teste dá trabalho e não dá visibilidade.

A imagem mostra um cruzamento em Largo Treze, com um ônibus azul em movimento. Ao fundo, há várias lojas com fachadas coloridas, exibindo anúncios de promoções. Um semáforo está visível, com luz verde acesa. No lado direito, há uma placa indicando o nome do local, 'Largo Treze'.
Simulação gerada por IA mostra impacto que flexibilização da Lei Cidade Limpa pode ter - IAB-SP

A Lei Cidade Limpa foi um avanço contra a poluição visual. Vender o espaço público de volta à publicidade, como propõe o Projeto de Lei em votação, parece apenas um retrocesso sem sentido.

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