A Lei Cidade Limpa é um marco na história de São Paulo.
Até 2006, quando foi implantada, tropeçávamos, sem pensar, em propagandas —letreiros gigantes, anúncios luminosos, a profusão de placas e os inacreditáveis anúncios de cuecas que cobriam empenas de prédios inteiros no Minhocão.
A surpreendente aprovação da lei durante a gestão de Gilberto Kassab revelou aquilo que estava escondido. Pudemos ver a beleza e a feiura da arquitetura a nosso redor. Nuas, as fachadas foram aos poucos sendo pintadas e decoradas, anúncios cederam espaço para grafites, a cidade se adaptou e nós nos acostumamos com o alívio que a limpeza provoca.
Inacreditavelmente, isso pode voltar atrás.
O vereador Rubinho Nunes propôs um projeto de lei que flexibiliza a Lei Cidade Limpa: se aprovado, letreiros podem cobrir até 70% da fachada de prédios históricos, os painéis de LED jogarão luz feérica sobre motoristas e passantes, a publicidade pode voltar em parklets, totens de carregamento de veículos elétricos e jardins verticais.
Sem discussão alguma, a Câmara aprovou o PL em primeira votação; só votaram contra a bancada do PT e PSOL e os vereadores Renata Falzoni (PSB), Carlos Bezerra Júnior (PSD) e Janaína Paschoal (PP). Ainda tem uma segunda votação e torço para que as audiências públicas obrigatórias aumentem a sensibilidade dos demais vereadores para um tema que virou caro aos paulistanos.
Ninguém foi consultado. Nem técnicos da SMUL, a Secretaria de Urbanismo, nem mesmo a CPPU— Comissão de Proteção à Paisagem Urbana, um órgão que só existe para isso (e do qual faço parte). A CPPU julga processos de intervenção na paisagem urbana —da Cow Parade até o painel do MorumBis— e está atualmente discutindo como lidar com a presença cada vez mais ubíqua dos painéis de LED em lançamentos imobiliários e no varejo.
A justificativa do vereador para a mudança na lei é a "modernização", priorizando "aumento de investimentos na cidade". Numa entrevista, Nunes cita até a possibilidade de criarmos uma "Times Square paulistana".
O argumento do aumento de arrecadação através da receita publicitária nunca foi demonstrado e talvez anule a grande vantagem da Lei Cidade Limpa, que é justamente a de garantir que as poucas propagandas permitidas —nos relógios de rua e pontos de ônibus— tenham alto valor.
Mesmo que haja algum aumento de receita, vale a pergunta. Quanto vale a perda de urbanidade? R$ 50 milhões? R$ 500 milhões? Para constatar o efeito possível nefasto da mudança, basta ver as fotos de antes de 2006, a simulação feita pelo IAB-SP ou então visitar alguma cidade, como Santo André (SP), que ainda permite publicidade de todos os tipos e tamanhos. Chega a dar tontura.
Do ponto de vista turístico, se a ideia é fazer um teste numa área da cidade e enchê-la de painéis iluminados e publicidade, então que se combine com a Prefeitura, conselhos participativos e Associação Comercial e que se escolha um lugar delimitado para fazer um teste. Digamos, o Largo Treze, em Santo Amaro. Sem mudar a lei. Aí, depois de algum tempo, mede-se a receita adicional, o aumento de impostos e a percepção das pessoas. Se der certo e se houver aprovação, amplia-se para outras áreas delimitadas. Mas teste dá trabalho e não dá visibilidade.
A Lei Cidade Limpa foi um avanço contra a poluição visual. Vender o espaço público de volta à publicidade, como propõe o Projeto de Lei em votação, parece apenas um retrocesso sem sentido.
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