Os debates eleitorais ao vivo têm servido bem à democracia desde o primeiro grande confronto televisionado entre Kennedy e Nixon, em setembro de 1960. Por 64 anos, esses eventos forneceram uma plataforma para que eleitores comparassem, lado a lado, as propostas e visões dos candidatos, algo que sabatinas ou entrevistas isoladas não conseguem oferecer.
Isso não impediu, contudo, que os debates fossem transformados em arenas para encenações, constrangimentos e manipulações. Todo mundo aprendeu a jogar o jogo, a mentir descaradamente, a se esquivar de perguntas constrangedoras, a atacar os adversários por meio de acusações falsas. Esse jogo de dissimulação chegou a um extremo recentemente em São Paulo, com a participação de um candidato cujo propósito declarado era desmoralizar tanto o debate em si quanto o jornalismo que o promove. Um único "pombo no tabuleiro" mostrou-se capaz de instalar um caos de que só ele é beneficiário.
Frente a esse cenário, três perguntas surgem na discussão pública atual:
Por que não acabar de vez com o debate eleitoral ao vivo?
Compreendo a frustração de todos, mas eliminar os debates transmitidos ao vivo seria privar o eleitor do instrumento mais eficiente que conhecemos de comparação direta das candidaturas. O objetivo do debate sempre foi a comparabilidade simultânea da compreensão dos problemas e das soluções propostas por parte dos candidatos. E isso continua essencial.
Então, por que não impedir que candidatos "disruptivos" participem?
Esse foi o argumento de Leão Serva em artigo recente nesta Folha. "Por que continuamos chamando figuras como Trump, Bolsonaro ou Marçal para debates? Estamos repetindo o erro que levou Hitler ao poder", disse ele. O veto a esses candidatos seria, pois, uma maneira de proteger o debate e a própria democracia.
O argumento é tentador, embora seja derivado da premissa de que o jornalismo "normaliza" candidatos que ameaçam a democracia —uma tese que considero ingênua, improvável e democraticamente problemática. É fato que tanto candidatos-pombo quanto figuras extremistas, ao desviar a discussão para ataques pessoais e narrativas polarizadoras, fazem com que o debate perca sua função de iluminar a decisão do eleitor.
Contudo, essa abordagem levanta questões de legitimidade. Uma democracia que precise ser protegida através do veto a um candidato com 20% de intenções de voto merece realmente esse nome? E que Xou da Xuxa democrático seria esse em que uma Redação ou comissão organizadora poderia ter o poder discricionário de vetar antecipadamente em debates a participação de alguém que tem apoio popular significativo e legítimo em nome de um mau comportamento previsto? Ou, o que é pior, pela antevisão de deméritos futuros? Onde seria calibrada essa pré-cognição que nos autorizaria moralmente a anular hoje do debate público todos os Hitlers do amanhã?
Em vez de excluir candidatos que desestabilizam o debate, é necessário reformar o formato para que não seja tão facilmente destruído por eles.
Como melhorar os debates e impedir os "pombos enxadristas"?
O primeiro passo é mudar a mentalidade, a começar pela maneira como os debates são percebidos, inclusive pelo jornalismo. O foco não deve estar em quem "ganhou" o debate, mas sim no eleitor. O verdadeiro "vencedor" deve ser o eleitor que saiu mais esclarecido, não o candidato mais eloquente ou aquele que melhor evitou as armadilhas ou deixou o adversário sem resposta. Debates não são uma corrida de cavalos, mas um instrumento de esclarecimento público.
Além disso, alguns ajustes práticos são possíveis. A adoção de "fact checking" em tempo real, por exemplo, pode forçar os candidatos a serem mais honestos em suas respostas. Também seria prudente reduzir os confrontos diretos entre candidatos, como se fossem duelos, focando mais em perguntas substantivas feitas por jornalistas e pelo público, com base em dados concretos e realistas. Vimos também como foi útil adotar sistemas de punições imediatas para quem viola as regras de civilidade e respeito durante o debate.
Por fim, 11 debates em um único turno eleitoral só se justificam se o objetivo dos promotores for o espetáculo e a audiência gerada pelos conflitos, não a comparabilidade de propostas concretas para ajudar a esclarecer os eleitores. Não faz sentido.
Os debates eleitorais, ao longo de seis décadas, provaram-se úteis nas democracias. Reformar o formato atual, em vez de abandoná-lo, permitirá que eles continuem a cumprir essa função mesmo em tempos de polarização e manipulação.
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