Não se pode prever o que acontecerá com a presidência de Javier Milei na Argentina e, pelo andar da carruagem, não será coisa boa. Mesmo assim, seu cavalo de batalha —o combate à "casta"— arrisca aparecer na política brasileira.
A casta de Pindorama reúne empresários que articulam incentivos, juízes que acumulam penduricalhos, congressistas que industrializam emendas orçamentárias e maganos que empregam parentes. Tudo dentro de uma legalidade manipulada pela casta.
Numa só semana deste ano, a casta nacional produziu as seguintes pérolas:
O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello, nomeou o próprio filho para a chefia de sua Casa Civil, até que a Justiça suspendesse o ato.
Um mês antes de se aposentar, a juíza Maria Izabel Pena Pieranti, do Tribunal de Justiça do Rio, recebeu R$ 1,1 milhão. Esse dinheiro era-lhe devido por férias não gozadas e também por férias vendidas. A juíza Pieranti passou olímpica pela magistratura. Ela apenas exerceu seu direito.
Os magistrados têm direito a 60 dias de férias por ano. Folgam um mês durante o recesso e "vendem" a outra metade. Esse penduricalho custa pelo menos R$ 6,5 bilhões anuais à Viúva, ervanário equivalente a um terço dos R$ 19 bilhões do incentivo dado à indústria automotiva.
Soube-se na quinta-feira que em dezembro passado os titulares do Tribunal de Contas atropelaram um parecer da área técnica e autorizaram um penduricalho para magistrados que acumulam funções. O mimo representa um aumento de cerca de 30% dos salários dos atendidos. (Concebido para juízes, ele se estende aos titulares do Tribunal de Contas.)
THALES RAMALHO, UM MARQUÊS DA REPÚBLICA
O jornalista Cícero Belmar publicou o livro "Thales Ramalho, Cem Anos - Política, Diálogo e Moderação". Morto em 2004, Thales foi um marquês do Império vivendo uma ditadura na República.
Hoje, quando se acompanham as figuras de Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, mal se nota que, por perto, sempre estava a figura de Thales. Com Ulysses, ele costurou o vigor do MDB, um partido que em 1970 estava ameaçado de extinção e, quatro anos depois, elegeu 16 dos 22 senadores.
Com Tancredo, ele costurou a frente que enterrou a ditadura, elegendo indiretamente o primeiro presidente civil. Foi coautor da única conciliação da história brasileira saída da oposição.
Thales sofreu um acidente vascular cerebral e um acidente de carro. Como Bernardo Pereira de Vasconcelos no Império, movia-se numa cadeira de rodas. Era um moderado numa oposição naturalmente povoada por alguns radicais. (Alguns deles negavam-lhe o cumprimento.) Tinha amigos do outro lado da cerca, como o marechal Cordeiro de Farias, um patriarca das conspirações militares, e o senador Petrônio Portella (outro marquês), presidente do partido do governo. Era capaz de prever resultados de votações na rua e no Congresso. Homem simples, escondia cultura e refinamento.
Belmar rememora o encontro que Thales e Ulysses tiveram com o general Golbery do Couto e Silva em março de 1975. O endereço do local foi passado numa caixa de fósforos e a sala do apartamento estava com as cortinas fechadas. Nessa conversa, o general expôs-lhes o projeto do governo: acabar com o AI-5, com o bipartidarismo e ir para uma anistia. Os três guardaram o segredo do encontro por cinco anos, até que Thales revelou-o parcialmente.
Belmar pesquisou milhares de documentos, inclusive papéis do Serviço Nacional de Informações, ouviu familiares e contemporâneos. Foi ajudado por Helena Ramalho, a segunda mulher de Thales, anjo que o acompanhou por décadas.
No início do livro, vai contado o casamento de Ana Clara, filha de Thales, no dia 1º de março de 1985, na igreja de Nossa Senhora dos Prazeres dos Montes Guararapes, no Recife. Foi a primeira e última celebração da Nova República de Tancredo, com todo mundo lá, inclusive ele.
O pátio fronteiro da igreja é de terra batida. Naquela noite, estava todo coberto por folhas de canela.
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