As novas autorizações para caça ao javali, animal exótico considerado praga ambiental, estão suspensas em todo o País. A suspensão vale até que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) proceda à adequação das normas atuais ao Decreto 11.615, baixado pelo governo federal em 21 de julho. A norma restringe a liberação de armas para a população civil. Segundo o Ibama, as autorizações emitidas antes de 21 de julho continuam valendo até a data de vencimento do documento. Em 2022, foram abatidos por caçadores 465 mil javalis no Brasil.
O decreto governamental limita a quantidade de armas e munições, além dos calibres das armas que podem ser liberadas para os caçadores. No caso de autorizações para caça ativa (perseguição ao animal) ou ceva (atrair o javali para armadilhas), a autorização deve ser emitida pelo Comando do Exército. Em três anos, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o número de autorizações para caça ao javali triplicou, subindo de 76,4 mil em 2020 para 239,5 mil em 2022, segundo o Ibama.
A expansão da atividade gerou um risco adicional. Só no Estado de São Paulo, três pessoas morreram este ano, atingidas acidentalmente por disparos feitos por colegas. Como o Estadão mostrou, a caçada de javalis tem até safári em fazendas e já teve ao menos 11 mortes acidentais em cinco anos.
Antes, autorizações para caçar javalis eram pouco burocráticas, realidade que, segundo as entidades do agronegócio, muda a partir do decreto. Bastava cadastrar as propriedades rurais que concordavam com a caça em seu território no Sistema de Informação de Manejo de Fauna (Simaf) do Ibama e obter o documento por meio digital.
As licenças eram renovadas a cada seis meses, com a apresentação de relatórios com o número de javalis abatidos em cada propriedade. Para fazer o manejo com armas de fogo, o interessado precisa também do Certificado de Registro de Caçador do Exército. O Ibama não estabeleceu prazo para adequação das normas ao novo decreto.
Para a Sociedade Rural Brasileira (SRB), uma das principais entidades representativas do agronegócio, a suspensão de emissões para abater a espécie invasora, que são autorizados em caráter excepcional, pode colocar em risco o status sanitário do País. “A presença de espécies exóticas como o javali na fauna e flora brasileira não só traz prejuízos ambientais como também vem gerando importantes impactos econômicos à agricultura brasileira”, disse.
“É de conhecimento de todos que os javalis e os javaporcos (cruzamento do animal selvagem com o porco doméstico) são reservatórios de várias doenças”, aponta. Conforme a SRB, a questão precisa ser resolvida rapidamente. “A burocracia e a inoperância não podem colocar em risco o status sanitário do país, o minucioso trabalho de retirada da imunização da febre aftosa , tão pouco o rebanho brasileiro.”
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) diz ter enviado ofícios aos ministros da Casa Civil, Agricultura e Meio Ambiente e ao Comando do Exército manifestando preocupação. Presidente da Associação Brasileira de Caçadores, Rafael Salerno afirma que a medida favorece a multiplicação do javali, que é muito rápida – de 6 a 10 filhotes por gestação.
Na rede social da entidade, Salerno pede a produtores e sindicatos rurais que mobilizem prefeitos, vereadores e autoridades. “Precisamos nos mexer, pois as licenças estão vencendo e daqui há pouco vamos ficar sem armas com autorização para fazer o controle.” Segundo ele disse ao Estadão, hoje o animal avança pelo Centro-Oeste, “justamente a região com menor número de caçadores”. Cada fêmea abatida, segundo ele, representa 200 javalis a menos em 4 anos.
É preciso corrigir brechas no acesso a armas, diz especialista
Para o gerente do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, as novas medidas do governo, tanto no âmbito do Ministério da Justiça quanto do Ibama, corrigem brechas ampliadas na gestão Bolsonaro. “Com a desculpa de combater uma espécie invasora, o governo anterior simplesmente facilitava o acesso à arma. Em primeiro lugar, passa-se a se exigir, para liberação de armas, que haja análise do Ibama, tanto para liberação do registro de caçador no Exército, como na renovação e compras de armas”, disse.
Outro ponto que ele considera fundamental é que Ibama e Ministério do Meio Ambiente farão uma análise sobre o resultado da liberação de caça. “Essa atividade exercida pelos CACs (grupo formado por caçadores, atiradores e colecionadores) até o momento parece ter servido mais para espalhar e aumentar a população de javali do que controlá-la. Pela regra anterior, uma pessoa poderia se cadastrar no Exército, comprar 30 armas, incluindo fuzis e passar 10 anos, sem nunca precisar comprovar ter abatido javalis”, disse.
A reportagem entrou em contato com o Comando do Exército, que passa a ter maior controle sobre a caça ao javali, e ainda aguarda retorno.
Caça de espécie invasora foi liberada em 2013
A caça de animais silvestres é proibida por lei no Brasil, mas o controle de espécies invasoras é autorizada sob condições especiais pelos órgãos ambientais. A caça ao javali, agora sob revisão, foi autorizada pelo Ibama em 2013.
De acordo com o órgão, o animal de nome científico Sus scrofa é nativo da Europa, Ásia e norte da África. Foi trazido para o Brasil a partir da década de 1960 para criação e consumo da carne. Quase sem predadores, o animal exótico se transformou em praga, passando a atacar lavouras, assorear cursos d’água e destruir a vegetação nativa. Há registros do animal em ao menos 18 Estados brasileiros.
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