Numa época em que o céu precisa competir (e quase sempre perde) com a intensa poluição luminosa urbana e em que veículos de comunicação precisar buscar cliques a (quase) qualquer preço, temos visto uma proliferação da divulgação de eventos astronômicos "raros" e "espetaculares" que, por vezes, deixam quem os vê se perguntando se está com problemas na vista.
Pois é, mesmo os mais desenganados com a astronomia costumam ver a Lua no céu com frequência, e a dita cuja repete um ciclo mais ou menos tedioso em sua jornada de 29,5 dias por quatro fases, conforme trafega em sua órbita ao redor da Terra, e o planeta avança mais um pouquinho em seu trajeto em torno do Sol. Esperar que algo muito raro aconteça nessas circunstâncias, o senso comum já diz que é errado. Mas vira e mexe tentam nos convencer do contrário.
Peguemos o mais recente exemplo, a tal "Superlua Azul", que aconteceu na última quarta-feira (30) e foi festejada em alguns cantos da internet como um evento raro, do qual o último exemplar ocorreu em dezembro de 2009 e o próximo, só em janeiro de 2037.
Não me leve a mal. A Lua estava mesmo linda e merecia ser admirada. A fase cheia foi atingida ao mesmo tempo em que o satélite natural alcançou o perigeu de sua órbita –o ponto mais próximo da Terra em um trajeto que, como sabemos, não é perfeitamente circular, mas elíptico. Com isso, esteve 14% maior e 30% mais brilhante do que quando está no apogeu (o ponto mais distante). Por essas características vistosas, o fenômeno ganha o apelido de Superlua. Mas não é raro. Ocorre três ou quatro vezes ao ano. Esta, do último dia 30, foi a terceira seguida, de quatro. Em setembro teremos mais uma.
Ué. E o papo de que a próxima é só em 2037? Entra a combinação da Superlua (fase cheia próxima ao perigeu) com a tal Lua Azul que, surpresa, não tem nada de azul. É só um apelido para se referir a uma segunda Lua cheia que ocorre no mesmo mês. Veja só: se o ciclo das fases lunares leva 29,5 dias, e a maioria dos meses tem 30 ou 31 dias, tudo que é preciso para que um mês tenha uma Lua Azul é que ocorra uma primeira Lua cheia logo no comecinho do mês. Isso também não é absurdamente incomum, ocorrendo em média uma vez a cada dois ou três anos.
Juntando a simultaneidade das duas ocorrências, chegamos à coisa da "raridade" –que na verdade não merece tanta atenção, porque não implica algo diferente a ser visto no céu. Uma Superlua Azul é indistinguível de uma Superlua, que, por sua vez, é bonita, mas não está tão distante assim de qualquer outra Lua cheia.
Os fenômenos mais incomuns e interessantes envolvendo a Lua são mesmo os eclipses, que podem ser do tipo solar (quando a Lua bloqueia ao menos parte do disco solar) e do tipo lunar (quando ela transita por trás da sombra da Terra). E mesmo esses não são excessivamente incomuns, embora se possa distingui-los (assim como as Superluas) por características específicas como distância da Terra à Lua, duração do fenômeno etc.
É sempre muito legal quando a mídia chama a atenção do público para um evento astronômico. Mas há de se ter cuidado e precisão para não anestesiá-lo ou frustrá-lo com promessas de espetáculo ou raridade que depois se mostram vazias. A Lua é mesmo linda, mas pelo que é –e seguirá sendo a mesma de sempre, não importa o que digam por aí.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, na Folha Corrida.
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