Outro dia, no Twitter, observei que apoiadores do governo –e seus bots, que se multiplicaram nas últimas semanas– demonstram grande nervosismo quando são chamados de fascistas.
Um deles, não sei se humano ou robótico (faz diferença?), me desafiou a definir a palavra e apresentar um único argumento em defesa da afirmação. Um só? Que tal 14?
O bolsonarismo não é apenas uma forma de fascismo. É uma forma especialmente bem acabada daquilo que o pensador italiano Umberto Eco (1932-2016) chamou de "Ur-fascismo" ou "fascismo eterno". É fascismo de manual.
Numa conferência de 1995, incluída no livro "Cinco Escritos Morais" e depois publicada à parte como "O Fascismo Eterno" (Record, ambos), o ex-menino levado a cultuar Mussolini faz uma lista de 14 características do fascismo.
Ressalva que nem todos os requisitos precisam ser preenchidos para haver fascismo, pois este tem certa maleabilidade. No caso do bolsonarismo, todos os 14 são, como veremos.
Primeiro é preciso entender como, sendo tão fascista, o bolsonarismo pode ter a pretensão de se esquivar de uma palavra que veste como luva.
Isso se deve a uma deterioração da linguagem iniciada há décadas, quando, talvez por se julgar a salvo do fascismo real, parte da esquerda passou a empregar a palavra de modo abrangente demais, esvaziando-a.
A ideia era xingar adversários políticos em geral ou denunciar o autoritarismo cotidiano, as pequenas violências que dormem no subsolo da civilidade. No dia em que um acadêmico chamou Caetano Veloso de fascista (meninos, eu vi!), ficou claro que a palavra já não prestava.
No entanto, hoje precisamos dela como nunca, e não só no Brasil. Será possível devolver à palavra fascista seu gume, sua gosma, seus engulhos?
Vou resumir a lista de Eco e acrescentar, de forma bem sucinta e incompleta, alguns dos muitos dados históricos que fazem do bolsonarismo um fascismo modelar.
Os três primeiros itens são o culto da tradição ("ah, o regime militar, ah, o Império..."), a recusa da modernidade ("vacina mata, a Terra é plana") e o ódio à cultura ("artista é tudo vagabundo").
Em seguida vêm a negação do pensamento crítico, do debate e da negociação ("o STF é o inimigo") e dois itens que dispensam explicação, por serem bolsonarismo puro: o medo do diferente e o ressentimento nascido do fracasso individual ou social (Mário Frias à frente da cultura etc.).
Os itens seguintes são nacionalismo ("Brasil acima de tudo"), humilhação diante da suposta riqueza do inimigo ("abaixo a lei Rouanet, como pode minha empregada ir à Disney, cadê os bilhões dados aos regimes de esquerda?"), culto à guerra permanente e "elitismo de massa" –que, para diferenciar do aristocrático, Eco associa à hierarquia militar.
Os requisitos de números 11 e 12 são o culto do herói ("mito, mito", mas serve até Daniel Silveira) e este candidato a alegoria mais vistosa do desfile bolsonarista, o desvio da potência sexual para as armas. "Seus jogos de guerra são devidos a uma inveja do pênis permanente", diz Eco.
Completam a lista o "populismo qualitativo", em que o líder afirma falar pelo povo e isso basta, pois este, o povo, não passa de "ficção teatral" (como nas motociatas); e aquilo que George Orwell batizou de "novilíngua", uma linguagem empobrecida e sistematicamente deturpada.
Que vem a ser, claro, o que permite a um fascista dizer que não é fascista, não, imagina! Olho vivo com essa cambada.
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