quinta-feira, 19 de maio de 2022

Crise com Doria e apoio a Tebet são cortina de fumaça da guerra no PSDB, FSP

 Igor Gielow

SÃO PAULO

A crise agônica do PSDB, ora resumida no puxão de tapete dado na pretensão de João Doria de ser o candidato tucano à Presidência, é a sequência lógica de uma longa disputa que remonta ao período em que o partido governou o Brasil.

Desta forma, o tom agudo do noticiário sobre a sigla se justifica pela saborosa sucessão de erros e traições do enredo, mas nem de longe reflete uma novidade. E o apoio tramado pela direção partidária ao nome da senadora Simone Tebet (MDB-MS), se confirmado ao fim, não passa de uma cortina de fumaça.

Doria, ainda governador, durante mutirão de vacinação em São Paulo
Doria, ainda governador, durante mutirão de vacinação em São Paulo - Bruno Santos - 27.mar.2022/Folhapress

O mesmo pode se dizer sobre Doria, um caso peculiar de "outsider" que irrompeu com poderio eleitoral dentro de uma sigla estabelecida, desagradando o establishment partidário. Diferentemente do americano Donald Trump, que também surgiu como fenômeno no Partido Republicano, o tucano nunca conseguiu dobrar seus pares.

Ainda assim, logrou duas vitórias maiúsculas, em 2016 e 2018, embora o custo dos instrumentos da segunda operação tenha sido colocado alto de saída, resumidos na maldição do BolsoDoria. O resto é decantado e algo paradoxal: mesmo seus adversários afirmam que o então governador paulista fez uma gestão elogiável, em especial com o ativo de trazer a vacina contra a Covid-19 e forçar o rival Jair Bolsonaro (PL) a se mexer.

Mas a quantidade de erros políticos cometidos por Doria na tentativa de fazer do PSDB sua sigla, ignorando ritos da política tradicional, acabou por limitar seu apoio a um grupo com influência limitada fora das fronteiras do Governo de São Paulo.

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Dali para as traições, que remetem às disputas iniciadas nos anos 1990, foi um pulo. Quando Fernando Henrique Cardoso presidia o país, de 1995 a 2002, os protagonistas das crises do tucanato e de seu entorno eram Mario Covas, José Serra, Tasso Jereissati, Aécio Neves, Roseana Sarney, Antônio Carlos Magalhães, Geraldo Alckmin, entre outras figuras laterais, como o pai de Simone Tebet, o já falecido senador Ramez.

É da dinâmica do poder, assim como nos anos do PT (2003-16) havia dicotomia centrada na economia, com os aliados do caído em desgraça Antonio Palocci se digladiando com o petismo mais histórico —que venceu, levando ao reinado de Guido Mantega e à ruína de 2015-16. A diferença é que o partido tinha dono: Luiz Inácio Lula da Silva.

FHC sempre foi referência, mas até pela tendência atávica do tucanato pela autofagia, nunca dominou o partido. Seu legado só começou a ser recuperado, ironia suprema, a partir da deferência que lhe foi dada no governo de Dilma Rousseff (PT, 2011-16).

No caso de Doria, o tiro de misericórdia veio do palácio no qual despachou durante três anos. Em seu plano de voo original, contava com o então DEM de Rodrigo Maia dominante na Câmara e do MDB para sua empreitada neste ano. Dividiu cargos e poder, como atestam o setor de transportes paulista e a prefeitura da capital.

Quando o DEM rachou no começo do ano passado, parecia uma boa ideia garantir o PSDB fechado com seu plano ao trazer o então demista Rodrigo Garcia, seu vice, para o tucanato. De quebra, isso barraria as intenções de Alckmin (que nunca perdoou Doria por tentar ser candidato a presidente em 2018) de tentar buscar o governo estadual.

Só que o então governador não contou com a crescente rejeição a seus desígnios, apoiada pela baixa popularidade. A leitura básica para ela é a antipatia à imagem pessoal do tucano —se isso passa por atavismos brasileiros contra quem se projeta bem-sucedido, as "elites" tão atacadas por Lula, é tema para a academia.

Assim, quando ameaçou romper o combinado e ficar na cadeira para apoiar Rodrigo ao governo, a reação do vice e do PSDB foi explosiva. Os tucanos paulistas sabem que perder o Bandeirantes é perder a pretensão nacional da sigla, a condenando a ser uma sócia minoritária do centrão. Doria acabou cedendo, mas ali ficou explícita a noção de que a toxicidade de seu nome seria percebida como fatal para Rodrigo se eles compartilhassem o santinho da campanha.

Há também a questão de fundo sobre identidade política. O BolsoDoria não foi um acidente: naquele 2018, era o espírito do tempo eleitoral. O ex-governador sempre trafegou no antipetismo e na antipolítica, e o 2022 tem sido pautado por decisões tradicionais apesar do golpismo de Bolsonaro e da pátina esquerdista de Lula. Não por acaso, os partidos se dividiram entre eles na prática.

Seja como for, as fissuras tucanas dos anos 1990 chegaram como falhas tectônicas a 2022. Grosso modo, há hoje três grandes grupos, imiscíveis salvo para ações táticas, no PSDB. Um quer Doria candidato, hoje cada vez mais restrito a ele e a dois integrantes da Executiva do partido.

Outro, que inclui a direção partidária e a velha guarda de nomes como Tasso, quer apoiar Tebet agora para emplacar uma candidatura própria quando o MDB negar a legenda à senadora, cenário que é considerado como o mais provável por esses tucanos. Assim, por ora dizem ofertar um nome para a vice, talvez do próprio senador cearense. Na pior das hipóteses para eles, ficam assim caso o MDB surpreenda a todos e apoie Tebet.

Por fim, há o poderoso grupo de parlamentares que acabam associados à figura do deputado mineiro Aécio. Ele trabalhou por Eduardo Leite (RS) nas prévias. Agora, defende uma candidatura própria, o que é recebido com ceticismo. Aliados do mineiro falam inclusive que o jogo de Aécio é se unir ao grupo supracitado em prol de um nome próprio, temendo nessa visão o que seria uma futura fusão do PSDB com MDB ou União Brasil, a antiga casa de Rodrigo.

A questão dos céticos é que esse contingente congressual é pragmático. E pragmatismo no Parlamento hoje em dia é fazer oferenda ao altar de Arthur Lira (PP-AL) em seu sacerdócio do Bolsa Família de Bolsonaro: as emendas de relator. Além disso, claro, há o butim que Doria deixará ao ser ejetado da candidatura, talvez R$ 70 milhões, embora haja limites no que cada deputado pode ganhar.

No domingo, depois de cometer mais um erro ao ameaçar a judicialização da questão da candidatura, Doria conversou com Rodrigo. O governador ponderou sobre o isolamento terminal do ex-chefe e ouviu que ele irá até o fim, amparado na sua vitória nas prévias tucanas —o que nunca condicionou seu nome como candidato único da esvaziada terceira via.

Mas deu a senha para que os presidentes do PSDB, Cidadania e MDB encaminhassem a sugestão de apoio a Tebet. O xeque-mate pode ou não resolver a partida com Doria, mas o campeonato de desagregação do tucanato seguirá firme.

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