Festa de aniversário, programas de fidelidade, exibição de shows e competições esportivas. Todas essas alternativas têm sido adotadas pelas salas de cinema na tentativa de sair do escuro nas vendas, cuja queda tem assombrado o setor desde o início da pandemia.
No entanto, o plano B dos exibidores tem respondido por apenas 5% da receita segundo a Abraplex (Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex). Os multiplex são os conjuntos de ao menos dez salas de cinema, que se instalam especialmente em shopping centers e representam cerca de 70% das vendas do setor no país.
Segundo a Abraplex, a bilheteria está em níveis muito inferiores aos de antes da pandemia: caiu 70% entre 2019 e 2021, para R$ 882 milhões. O número de salas diminuiu 8% para 3.249 e deve enxugar em cerca de 300 unidades este ano. "Nossas vendas só devem voltar ao patamar pré-pandemia em 2024, no mundo", diz Marcos Barros, presidente da Abraplex e da rede Cinesystem, quinta maior rfede exibidora do país –depois de Cinemark, Cinépolis, Kinoplex e UCI.
O medo de contágio não é a única justificativa para o desempenho ruim, uma vez que outras opções de entretenimento voltaram com força, como shows e jogos de futebol. Ao menos desde o último trimestre de 2020, com algumas interrupções, os cinemas reabriram, mantendo o distanciamento entre as poltronas.
"O nosso maior problema é o baixo volume de lançamentos", diz Barros. "Fomos os primeiros a fechar, os últimos a reabrir e a prateleira está vazia. Os cinemas não têm todos os filmes de que precisam", afirma o executivo, destacando que muitas produções foram adiadas por conta da pandemia.
Mas existem duas questões estruturais atrapalhando a retomada do setor: os serviços de streaming, como Netflix, Amazon Prime e Disney Plus, que foram a opção de entretenimento doméstico nos momentos mais agudos da pandemia, não tiraram só o público das salas –com mensalidades que equivalem ao valor de um único ingresso–, como também foram privilegiados ao receberem em primeira mão os lançamentos dos estúdios.
Ao mesmo tempo, os shoppings, principal canal de crescimento dos multiplex, desaceleraram a expansão, o que comprometeu a abertura de novas salas. Com a pandemia, os grandes centros de compras, por sinal, passaram a apostar cada vez mais nos restaurantes como novas âncoras, em detrimento dos cinemas (que perderam público para o streaming) e às grandes redes varejistas (que por sua vez redobraram a aposta nas vendas online).
Um alto executivo do setor de shopping centers afirmou, em condição de anonimato, que o cinema já não é considerado como um grande polo de atração de público. As últimas grandes bilheterias, os "blockbusters" –como Homem Aranha, Batman e Dr. Estranho, agora em cartaz–, ficam pouco tempo nas salas, porque vão logo para o streaming.
STREAMING CONTINUA FORTE RIVAL DA TELONA, APESAR DO BAQUE NA NETFLIX
É a chamada "janela de lançamento" de um filme: quanto tempo ele fica com exclusividade nas salas de cinema, antes de ir para o streaming. Antes da pandemia, esse espaço chegou a 90 dias. Desde a Covid-19, alguns lançamentos foram direto para os canais digitais, estreando na sala de estar dos consumidores.
"Mas hoje a indústria cinematográfica já se convenceu que é preciso estrear primeiro no cinema, para aumentar a rentabilidade do filme", diz Barros. "Uma produção que poderia render US$ 2 bilhões, fica restrita a US$ 500 milhões no streaming", afirma. Além disso, segundo o executivo, o formato streaming é o mais propício à pirataria. "Uma cópia fica disponível rapidamente para venda ilegal."
Atualmente, a janela de lançamento da média dos filmes está em 45 dias, metade do que costumava ser antes da pandemia.
A Netflix, maior expoente dos serviços de streaming, já viu dias melhores. Em abril, apresentou sua primeira perda trimestral de assinantes em mais de uma década: 200 mil, enquanto esperava adicionar 2,5 milhões à base. "Em um primeiro momento, o streaming pegou o público da TV por assinatura e, depois, durante a pandemia, o do cinema", diz Marcelo Tau Carneiro, analista da Lafis Consultoria.
"A Netflix surfou sozinha durante um bom tempo neste mercado, até a chegada de grandes competidores, como Amazon e Disney, que têm outras fontes de receita", diz Carneiro. "Diferentemente da Netflix, essas empresas podem suportar por mais tempo um período de prejuízo."
Segundo Barros, a indústria tem perdido clientes principalmente em filmes de nicho –romances, dramas, comédias. "Os blockbusters continuam com apelo", diz ele, lembrando, porém, que o público destes grandes lançamentos ficou menor, abaixo dos costumeiros 10 milhões por filme.
A Folha esteve no último dia 14, um sábado à noite, no Cinesystem do shopping Morumbi Town, zona sul de São Paulo, dez dias depois do lançamento do filme Dr. Estranho, uma das principais apostas de bilheteria deste ano. Embora houvesse movimento, as salas estiveram longe da lotação.
FESTA NO CINEMA PODE SAIR POR R$ 2.700
As redes exibidoras têm procurado alugar os espaços para fechar as contas no fim do mês, além de lançar programas de fidelidade para incrementar as vendas.
Brasileira, a rede Cinesystem soma 26 cinemas no país, com 160 salas em 10 estados. A empresa lançou o Clube da Pipoca, um programa de milhagem que já soma 600 mil inscritos. A partir da compra de ingressos ou itens da bomboniere, os inscritos somam pontos que podem ser trocados por mais comida, bebida e ingressos. Aniversariantes do clube têm ingresso grátis e sócio-torcedor de carteirinha tem desconto.
Procurado, o Cinemark não quis dar entrevista. Informou apenas que o seu programa de fidelidade, o Cinemark Club, soma 10 mil associados no país. Cada um deles paga R$ 39,90 para ter dois ingressos grátis por mês. O valor equivale à compra de um ingresso aos fins de semana. O assinante tem direito a um combo de pipoca e refrigerante no mês do aniversário e a desconto de até 20% na bomboniere.
No primeiro trimestre deste ano, a empresa americana –que opera em 16 países das Américas, com 5.849 salas em 520 complexos de cinema– anunciou receita de US$ 460,5 milhões, quatro vezes superior à do mesmo período do ano passado (US$ 114,4 milhões), mas 36% inferior ao primeiro trimestre de 2019.
Na teleconferência de resultados este mês, o presidente global do Cinemark, Sean Gamble, comentou que a abertura de salas em shoppings está mais devagar do que antes da Covid-19. O número de espaços, porém, não foi o problema.
"Não houve lançamentos suficientes no primeiro trimestre do ano", comentou Gamble com analistas –lembrando que o período englobou as férias escolares na América Latina.
Os cinemas apostam nos próximos grandes lançamentos para puxar as vendas de 2022. Entre as grandes estreias previstas estão Top Gun –Maverick (este mês), Minions 2 (junho), Jurassic World 3 (junho), Lightyear (junho), Thor– Amor e Trovão (julho), Pantera Negra: Wakanda Forever (novembro) e Avatar 2 (dezembro).
Qualquer um desses filmes pode ser o tema de um evento corporativo ou festa de aniversário: a escolha da produção fica por conta do freguês.
Uma festa para 50 convidados no Cinemark de Higienópolis, zona oeste de São Paulo, por exemplo, sai por R$ 4.600, com direito a uma porção pequena de pipoca e refrigerante.
Já no Cinesystem do shopping Morumbi Town, na zona sul da capital paulista, a mesma festa sai por R$ 2.700. Nos dois casos, é possível levar bolos, salgados e bebidas por conta. Já para levar um buffet é cobrada uma taxa extra.
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