segunda-feira, 23 de maio de 2022

Ministro direcionou emenda para comprar caminhão de lixo de amiga que frequenta seu gabinete, OESP

BRASÍLIA - O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (Progressistas), destinou R$ 240 mil para a compra de um caminhão de lixo fornecido pela empresa de uma amiga que frequenta o seu gabinete. Da liberação dos recursos até a aquisição do veículo, todas as etapas passaram pelas mãos de aliados do ministro. A estatal que fez o pregão é comandada por um apadrinhado dele, a prefeitura que efetuou a compra é de uma correligionária e a empresa que vendeu é de uma amiga que frequenta seu gabinete.

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Pertencente à empresária Carla Morgana Denardin, o Grupo Mônaco Diesel Caminhões, Ônibus e Tratores Ltda ampliou a venda de veículos compactadores de lixo para o governo justamente depois que Ciro Nogueira se aproximou de Jair Bolsonaro. Desde então, conseguiu um contrato no valor de R$ 11,9 milhões com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) do Piauí, reduto eleitoral do ministro.

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Carla Morgana Denardin com Ciro Nogueira no dia da posse dele como ministro-chefe da Casa Civil
Carla Morgana Denardin com Ciro Nogueira no dia da posse dele como ministro-chefe da Casa Civil Foto: REPRODUÇÃO INSTAGRAM CARLA MORGANA DENARDIN

Estadão revelou neste domingo, 22, um esquema de compra de caminhões de lixo disparou no atual governo, um aumento de 500%. Ao analisar 1,2 mil documentos referentes à aquisição desses veículos, o jornal encontrou suspeitas de sobrepreço de R$ 109,3 milhões. O dinheiro sai de emendas parlamentares de deputados e senadores, e a compra é feita por estatais que Bolsonaro deu para controle do Centrão.

A articulação ganhou nas redes o nome de “Bolsolão do Lixo”, numa referência ao mensalão – esquema de pagamento de mesada a políticos no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) –, e foi um dos assuntos mais comentados do Brasil no Twitter neste domingo, 22.

A emenda de Nogueira, senador licenciado, garantiu a compra de um caminhão compactador de lixo para atender a cidade de Brasileira (PI), que tem 8.364 habitantes. O equipamento é desaconselhado para municípios com menos de 17 mil habitantes por causa do alto custo, segundo especialistas. O ideal, nesses casos, seria caminhão basculante.

Do jeito que está montada, a compra dos caminhões pelo governo para atender a sua base no Congresso não segue nenhuma política pública de saneamento básico e não garante todas as fases da coleta de lixo. No Piauí, por exemplo, 89% das cidades ainda recorriam a lixões a céu aberto.

No Piauí, 89% das cidades ainda recorrem a lixões a céu aberto
No Piauí, 89% das cidades ainda recorrem a lixões a céu aberto  Foto: Divulgação/MPF-PI

Há ainda, no Piauí, um problema anterior. Um terço dos 224 municípios nem sequer elaborou um plano para dar fim aos lixões. Segundo a coordenadora do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do Ministério Público do Piauí, Áurea Madruga, o cenário de dois anos atrás é igual ou pior, hoje. “Nos 10% que diziam não ter lixões não encontrei municípios que pudessem atender às normas ambientais”, frisou.

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O certame vencido pelo Grupo Mônaco, da amiga de Nogueira, permite a compra de até 40 caminhões de lixo, ao custo total de R$ 11,9 milhões. A superintendência da Codevasf no Piauí, que fez o pregão, é comandada desde abril de 2019 por Inaldo Guerra, apadrinhado do ministro da Casa Civil. Guerra foi o responsável por ratificar o resultado da licitação.

O pregão ocorreu em dezembro de 2020, quando Nogueira era senador. Os contatos com a empresária Carla Denardin, que já frequentava o seu gabinete, continuaram quando ele assumiu a chefia da Casa Civil, no ano passado. Na ponta final da história está a prefeitura de Brasileira, a 183 quilômetros de Teresina, administrada por outra aliada de Nogueira, a prefeita Carmen Gean (Progressistas). Foi ela quem recorreu à ata da Codevasf-PI para comprar o caminhão. Entregue em abril deste ano, o mesmo veículo foi a estrela de dois eventos de inauguração, em menos de 15 dias.

Iracema Portella (ao centro, de amarelo) entrega caminhão em Brasileira (PI), com emenda de Ciro
Iracema Portella (ao centro, de amarelo) entrega caminhão em Brasileira (PI), com emenda de Ciro Foto: REPRODUÇÃO FACEBOOK DEPUTADA IRACEMA PORTELLA

Laços de Brasília

Carla Denardin foi uma das convidadas para a posse de Nogueira na Casa Civil, em 4 de agosto. Naquele dia, em seu perfil no Instagram, ela postou uma foto ao lado do ministro, no Palácio do Planalto. “Sobre acreditar que o BRASIL vai longe, que dias melhores estão por vir e que estamos no caminho certo #miglesdamorgs (...) #palaciodoplanalto #pp #cironogueira”, escreveu.

Carla Denardin (à esq.) participa da cerimônia de Posse do Ministro de Estado Chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira.
Carla Denardin (à esq.) participa da cerimônia de Posse do Ministro de Estado Chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira. Foto: Eduardo Menezes/Casa Civil-PR

Na véspera, em 3 de agosto, o governo federal havia emitido ordem bancária pagando R$ 1.332.431,98 à empresa de Carla. O pagamento era referente à compra de nove caminhões de lixo “para os municípios do Piauí”. Os valores já tinham sido empenhados (reservados) antes, mas caído nos chamados “restos a pagar”, situação em que poderiam permanecer durante anos, caso não existisse boa vontade em relação à empresa.

No mesmo dia 4 de agosto em que esteve com Ciro Nogueira, Carla Morgana postou uma foto ao lado da senadora Eliane Nogueira (Progressistas-PI), mãe do ministro, que assumiu a cadeira do filho no Senado. Em fevereiro de 2019, a coluna da jornalista Elizabeth Zanovello, no site Clube Notícias, de Teresina, registrou outra visita de Carla a Brasília. Segundo o texto, a empresária esteve na capital federal “exclusivamente para abraçar e celebrar a posse dos amigos parlamentares Ciro Nogueira (senador) e Iracema Portella (deputada federal)”.

O Grupo Mônaco, empresa familiar, foi fundada há mais de 40 anos por Armindo Denardin, um paranaense que se fixou no Pará e chegou a ser prefeito de Altamira (PA) pelo MDB, no começo da década de 1990. Hoje, o grupo tem atuação nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

A licitação vencida pela Mônaco Diesel foi realizada em 18 de dezembro de 2020, na modalidade pregão eletrônico (uma espécie de leilão invertido, no qual os lances vão se sucedendo e vence o fornecedor que oferecer o menor valor). Cada um dos nove caminhões comprados pela Codevasf saiu por R$ 297,8 mil, conforme o valor licitado. Mas a máquina adquirida pela prefeitura de Brasileira, com a emenda de Nogueira, saiu mais cara: R$ 318.044,23. No começo das negociações, em março de 2020, o valor da contrapartida que deveria ser dado pela prefeitura de Brasileira era de R$ 16.250,00, de acordo com os documentos públicos do convênio. Quando a compra foi concluída, no início deste ano, o total desembolsado pela prefeitura tinha subido para R$ 79,2 mil.

Em 7 de janeiro de 2021, a prefeita de Brasileira enviou ofício a Inaldo Guerra dizendo que estava pronta para aumentar a contrapartida e adquirir o caminhão por um preço maior do que o definido na ata.

Procurados, Ciro Nogueira e Carla Morgana Denardin não responderam aos questionamentos da reportagem. A prefeita Carmen Gean disse que o pedido de reajuste no valor do caminhão foi feito pela empresa e teve a concordância da Codevasf. “Não houve qualquer irregularidade por parte da prefeitura”, afirmou Carmen. Ela observou, ainda, que os técnicos da Codevasf são “rigorosos”.

 

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