Seis meses após o governo brasileiro se comprometer a reflorestar um território equivalente a todo o Uruguai (ou duas vezes Portugal) até 2030, nós nos aproximamos de um "apagão de mudas".
A meta de reflorestar 18 milhões de hectares até 2030, firmada na COP26, em novembro do ano passado, soma-se à alta demanda de empresas e fundos por áreas verdes para negociar crédito de carbono. E o prognóstico é que vai faltar floresta.
Em 2015, no Acordo de Paris, o governo Dilma Rousseff colocou a meta de reflorestar 12 milhões de hectares em 15 anos. Quatro anos depois, o governo de Jair Bolsonaro aumentou a aposta e emplacou a promessa dos 18 milhões de hectares.
Mas nem só de setor público vivem as promessas verdes. Em tempos de ESG (quando os investimentos deveriam privilegiar empresas com boa governança ambiental, social e corporativa), players do setor privado estão correndo atrás de projetos de reflorestamento para compensar ou negociar créditos de carbono.
O maior exemplo recente no Brasil é a re.green, empresa que reúne nomes como João Moreira Salles e Arminio Fraga. Anunciada no mês passado, a companhia juntou quase R$ 390 milhões para comprar terrenos, reflorestar e vender créditos de carbono e madeira certificada. Eles dizem ter a meta de reflorestar 1 milhão de hectares.
Esse é um mercado em ascensão quase obrigatória, uma vez que a agenda ESG depende da compensação de créditos de carbono. E é lucrativo. Sabe quanto a Tesla, de Elon Musk, faturou com a venda de créditos de carbono no primeiro trimestre deste ano? Quase R$ 3,5 bilhões. É 20% da receita total da empresa.
No caso da Tesla, ela ganha créditos por produzir carros elétricos e os vende para as fábricas de carros "tradicionais", como GM e Chrysler.
No Brasil, o sonho dourado da produção de créditos de carbono mora nas áreas verdes. E nesse ponto é preciso colocar a bola no chão antes de continuar o jogo dos números megalomaníacos do reflorestamento. Existem três formas de reflorestar: por meio da regeneração natural, da semeadura direta ou do plantio de mudas de espécies nativas. E, para grandes áreas, o normal é usar um "mix" das três formas.
E a verdade é que faltam viveiros de plantas nativas para suprir a demanda criada com as metas de empresas e governos. Quem faz a conta é Rodrigo Ciriello, diretor da consultoria Futuro Florestal, um dos criadores da associação (Nativas Brasil) para reunir os viveiros.
Hoje, a capacidade instalada da produção de mudas no Brasil não chega a 100 milhões de mudas por ano, explica. E metade dessa produção já está "demandada", ou seja, comprometida. Sobram 50 milhões de mudas ao ano, isso se usarmos toda a capacidade dos viveiros que existem.
Ainda que o Brasil refloreste "apenas" 9 milhões de hectares até 2030 e que 30% do trabalho seja o feito com mudas, isso resulta em 337,5 mil hectares por ano. Pelas indicações da Embrapa, são necessárias cerca de pelo menos 1.100 plantas por hectare. Logo, a demanda anual passa a ser de 371,21 milhões de mudas. Muito acima da nossa capacidade atual.
Essa é apenas a ponta do iceberg, explica Bruno Mariani, CEO da Symbiosis Investimentos. "Falta muda, falta dinheiro, falta vontade, falta tecnologia", elenca. A produção de espécies nativas para a produção madeireira ou de crédito de carbono é de longo prazo (ao menos 20 anos para dar retorno) e depende de grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D).
Sem a base científica para aumentar a previsibilidade, esse tipo de projeto traz riscos altos demais para atrair o dinheiro necessário.
Conversando com quem atua efetivamente no reflorestamento, a impressão que fica é que a onda ESG, ao falar de reflorestar, esquece do principal: combinar com a realidade.
Para o investidor que quer saber quem está realmente buscando melhorar sua governança ambiental, a dica é checar quanto dinheiro está sendo direcionado para P&D, indo além da "publicidade verde".
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