O barulho das tampas dos panelões de molho vermelho e de macarrão ao longo de décadas se confundia com o badalar do sino da igreja ao lado, a de Nossa Senhora Achiropita. Mas eles silenciaram em luto neste domingo (29), com a morte de Walter Taverna, referência histórica do Bexiga, na Bela Vista, centro de São Paulo.
Dono de uma das cantinas mais tradicionais do bairro italiano, ele morreu aos 88 anos de pneumonia, por volta das 21h do domingo. Ele estava internado no Hospital Sancta Maggiore, no Paraíso, zona sul de São Paulo, e sofreu com o mal de Parkinson nos últimos anos.
Neto de sicilianos, Taverna se tornou um símbolo do bairro e para a cidade de São Paulo. Ele nasceu em 1933 numa cocheira nos fundos de uma casa da rua 13 de Maio, de acordo com a família.
Entre seus feitos pela preservação, está sua luta incansável pelo tombamento do Bexiga, quando a especulação imobiliária queria construir prédios no lugar das charmosas casinhas nos anos 1980. Isso inclui a Vila Itororó, um conjunto com casas de imigrantes da década de 1920, que hoje é atração turística depois de ser aberta ao público em setembro passado, com atrações culturais.
Foi ele também que levou de volta para as ruas a Festa de Nossa Senhora Achiropita, quando foi presidente da Sodepro (Sociedade de Defesa das Tradições da Bela Vista).
A lista de feitos não para: foi um dos fundadores do bloco de Carnaval Esfarrapados, o mais antigo da cidade. Em 1983, ajudou no lançamento da Feira de Antiguidades e Trocas do Bixiga, que funciona até hoje aos domingos na praça Dom Orione.
Outro legado deixado por ele foi o coreto dessa praça, construído em 1984, que leva o nome de seu pai, Carmelo Taverna, segundo o Portal do Bixiga. Também batalhou pela restauração dos Arcos do Bixiga, junto ao então prefeito Jânio Quadros, em 1987, e solicitou a zeladoria da praça dos Artesãos Calabreses.
"Meu avô era muito generoso não só com a cidade, mas especialmente com as pessoas. Dava comida a quem necessitava, ajudava muita gente. Ele fazia de tudo para os outros, e era quando você notava a alegria nos olhos dele", afirma a cineasta Thaís Taverna, sua neta.
Ele também tinha uma relação com o bairro da Vila Mariana, onde criou uma república para cuidar do patrimônio. Tanto que fez o "abraçasso" na Casa Modernista, que ganhou restauro após esse movimento iniciado por ele. Também ajudou a preservar naquele bairro o Instituto Biológico.
Mas um de seus legados mais conhecidos é o Bolo do Bixiga, festa que ele assumiu após a morte de seu criador, Armando Puglisi, o Armandinho. Foi com Taverna que o evento ganhou grandes proporções ao se tornar um bolo de metro para cada ano do aniversário da cidade de São Paulo e, assim, entrou para o Guiness Book como o maior bolo do mundo.
Em sua cantina Conchetta, na rua 13 de Maio, virava atração à parte quando um músico contratado entoava os primeiros acordes de músicas tradicionais de tarantela. Com o restaurante lotado, ele pegava as enormes tampas de panelas e começava a bater umas nas outras, provocando uma barulheira encantadora. Os clientes se animavam e começavam a balançar seus guardanapos de pano.
Lá, recebeu artistas como Rita Lee, Raul Seixas, Adoniran Barbosa, Claudia Raia, Edson Celulari, entre outros tantos, além de políticos, como os ex-governadores João Doria e Geraldo Alckmin.
Taverna deixa uma filha, três netos, três bisnetos e todo o bairro do Bexiga. O velório será realizado até as 13h, no teatro Sérgio Cardoso, também no Bexiga. Uma bandeira da escola de samba Vai-Vai foi colocada sobre o caixão. O enterro será às 14h no cemitério Araçá, no centro.
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