quarta-feira, 18 de maio de 2022

O cinema de Breno Silveira se tornou um elo com meu pai, blog do ferri

 Morte do diretor de "2 Filhos de Francisco" nos convida a refletir sobre seu trabalho


Por Marcos Ferri

O cineasta Breno Silveira, em 2017 — Foto: Pablo Jacob / O Globo


A morte repentina do diretor Breno Silveira, aos 58 anos, vítima de um infarto fulminante, no meio de um set de filmagem, me colocou numa posição de reflexão sobre o papel de sua obra. Nunca me importei, ou sequer me esforcei, em fazer análises sobre o seu trabalho, visto comumente como popular.


Sim, a obra do brasiliense era de fato popular, leve, mas não deixava de valorizar a sétima arte como tinha de ser. Assisti a "2 Filhos de Francisco" em uma sala de cinema lotada na ocasião de seu lançamento, em 2004. Meu pai, minha mãe e meu irmão ocupavam as poltronas ao meu lado. Era um passeio em família, um encontro com a história de ídolos não venerados, muito antes de qualquer embate ou reflexão política. Eram outros tempos (poderia colocar aqui um #saudades para fechar o parágrafo – pronto, coloquei).


Nunca fomos fãs incondicionais de Zezé di Camargo e Luciano, mas as canções da dupla sempre fizeram parte do imaginário coletivo e familiar, das presepadas no Domingo Legal com o saudoso Gugu Liberato, das apresentações e falas entrecortadas no Domingão com Faustão. O duo sertanejo e tantos outros eram trilhas sonoras naturais na rotina da casa. E só por isso estávamos ali, queríamos conferir a cinebiografia de personagens tão íntimos, mesmo à distância.


Mas a grata surpresa foi ver na tela um longa-metragem sensível e muito criativo. A fotografia (especialidade de Breno Silveira, que assinou essa parte em filmes como “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil” (1995) e “Eu Tu Eles” (2000). As canções e interpretações explodiam cena a cena. Tinha a maestria de Maria Bethânia, Caetano Veloso, Nando Reis e, claro, Zezé e Luciano (que mescla direita e esquerda saudável – quando isso ainda era possível). Breno Silveira me levou para a terra vermelha do cerrado, como um bom representante da retomada cinematográfica nacional.


Tempos depois, em "Gonzaga: de Pai pra Filho" (2012) a sensação foi parecida. Comprei o DVD e presenteei meu pai, um velho fã do Rei do Baião. Aprendi muito com aquele registro audiovisual. Segui encantado com tamanho tato ao cotidiano que Silveira conseguia colocar em cada passagem de tempo. Era fabuloso e simples como a TV, mas sem perder o encanto do que se propunha a entregar.


Não demorou para ver minha família embarcando em "Entre Irmãs" (2017), junto ao cangaço que tenho ligações até no nome (Ferri vem de Ferreira... Ferreira da Silva – com preposição mesmo, igual ao Virgulino – ao seu dispor).


Em todos os takes conferidos, meu pai seguia consigo, telespectador atento aos detalhes que eu não reparava. Era, inconscientemente, apaixonado pela criatividade e realidade implícita nas histórias.

Angelo Antônio em cena de "2 Filhos de Francisco" - Foto: reprodução


Não assisti “1 Contra Todos” (2016 a 2020) e nem “Dom” (2021), não posso falar com propriedade, mas isso transparecia sua versatilidade. Soube que estava se preparando para ingrata e prazerosa missão de filmar a vida do cantor Roberto Carlos. Pena que isso não se concluiu.


Breno Silveira me conectou ao nordeste de um Brasil escondido e quase apagado para grande fração dos sulistas, que só olham para o próprio umbigo de suas metrópoles. Ele fez isso sem amarguras, mas para contar lindas histórias.


Assim também fez com o cerrado. Acredito que sua alma era caipira, igual a de meu pai, esse que além da alma tinha também a certidão de nascimento. Mata Grande, Alagoas (crianças, pesquisem).


Eu conheci essas terras. Cheguei mais para dentro. Inhapi e seus sítios de pau a pique. Do mesmo modo como era a casa de minha avó, que ainda pude ver ao vivo.


Meu pai, como o seu Francisco (o pai dos meninos) era um sonhador. Vejo muito dele na pele do Angelo Antônio. Eu mesmo ganhei uma gaita e um violão sem pedir. Sorte minha. Aprendi a tocar sob o olhar, ouvidos atentos e às críticas construtivas do velho seu Manuel. Ovo cru não engoli, graças a Deus, mas em cima de Kombi eu já toquei. Não cheguei tão longe como Z & L, mas tive bons momentos.


Meu pai esteve em praticamente todas as minhas apresentações ao vivo. Carregou instrumentos no braço, levava baixo, guitarra, microfones, caixas de som e até uma bateria inteira em seu pequeno Volkswagen Gol vermelho.


Breno Silveira me fez ver um pouco dessa essência de vida em seus longas. Seu cinema me conectou à emoção, ao rural. Ao lugar de cabra macho que enxuga lágrimas com "Tristeza do Jeca" ou "Olha pro Céu". Para mim, cada filme é um elo ao Brasil oculto, ao lado ofuscado. É eternamente uma ligação ao meu pai.


Obrigado, Breno!


5 de fevereiro de 1964, Brasília (DF)

4 de maio de 2022, filmando em Vicência (PE)


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