terça-feira, 24 de maio de 2022

Abandonado, quartel do século 19 no centro de São Paulo corre risco de desabar, Douglas Nascimento - São Paulo Antiga -FSP

 Douglas Nascimento

Um patrimônio paulistano cujo valor histórico é quase incalculável corre o risco de a qualquer momento virar apenas uma pilha de escombros. Trata-se do chamado Quartel da Tabatinguera como é mais conhecido popularmente ou 2º Batalhão de Guardas, denominação do período em que pertenceu ao exército.
Quartel militar na região central de São Paulo
Vista do 2º Batalhão de Guardas na década de 1980 quando ainda estava em poder do exército. - Divulgação

Inicialmente servindo como sede da Chácara do Fonseca, uma grande propriedade rural onde hoje está a região conhecida como Baixada do Glicério, o imóvel foi posteriormente sede do Seminário das Educandas. Em seguida, em 1862, passou a abrigar o Hospício dos Alienados entidade de saúde que ocupou o local até 1903. Era tão conhecido em São Paulo que a rua que dá acesso ao sanatório era chamada de Rua do Hospício, posteriormente alterada para Frederico Alvarenga em homenagem a um dos médicos que dirigiu o hospício. Foi também ali dentro, em 1871, que faleceu o célebre poeta Paulo Eiró, aos 36 anos, vítima de meningite.

Em 1905 a edificação foi destinada ao uso militar, abrigando ali uma unidade do Exército Brasileiro. Foi neste período que o edifício recebeu sua última ampliação estrutural e permaneceu, mesmo sem tombamento, em perfeito estado de uso e conservação, ao menos até 1992 quando o então 2º Batalhão de Guardas foi repassado definitivamente ao Governo Estadual, que por sua vez o repassou à Polícia Militar.

A DEGRADAÇÃO TEM INÍCIO

Vista da edificação do batalhão a partir do pátio central, em ruínas
Em ruínas, mato cresce e toma conta do pátio onde outrora militares treinavam. Prédio também está muito deteriorado. - São Paulo Antiga

É a partir da transferência de posse do Exército para a Polícia Militar que um lento processo de decadência do complexo tem início. Desde 2010 o São Paulo Antiga acompanha a degradação do local bem de perto. Se no início eram apenas manchas de umidade, algumas rachaduras e alguns madeiramentos servindo de refeição de cupins, de 2018 para cá a deterioração acelerou-se de forma tão brusca que a situação do velho quartel atualmente é de penúria total.

Isso agravou-se principalmente com a remoção da guarda que ficava nas guaritas dos dois lados do batalhão. Se antes apenas aparentava estar abandonado, a presença ostensiva de policiais em guarda afugentava invasores e ladrões de materiais e objetos. Sem a guarda foi a deixa para que o local passasse a ser invadido dia e noite.

Não é raro ver carroças saírem carregadas de tijolos de lá de dentro. Aliás o que motivou essa reportagem foi uma dessas "retiradas" feitas em plena luz do dia em uma das regiões mais movimentadas do centro da cidade. Leva-se de tudo o que é possível de lá dentro, não só tijolos, mas esquadrias, torneiras, portas, canos, fios, janelas e, pasmem, até os portões centenários há muito já desapareceram.

Piso de madeira apodrecendo, comido por cupins
Com madeiramento apodrecido, piso do andar superior está desabando aos poucos e coloca vidas em risco. - São Paulo Antiga

Alguns moradores de rua se aventuram a viver lá dentro sob um teto de madeira apodrecido que, já quase sem escoras, igualmente roubadas, correm o risco de levar o andar superior abaixo de vez.

Aliás por isso foi impossível subir no andar de cima do quartel. Todas as madeiras das escadas foram roubadas e as poucas que sobraram viraram alimento de cupins. No térreo é possível caminhar apenas nos corredores centrais, uma vez que todas as salas e salões com seus pisos de madeira viraram imensos vazios, com seus porões escancarados.

Em todas as janelas do batalhão foram instaladas anos atrás lonas azuis, de modo a proteger o interior da edificação de chuva e vento. Entretanto quase a totalidade delas já foi ou arrancada ou se rasgou de apodrecida deixando a parte interna desprotegida e ainda mais vulnerável à ação do tempo.

Em 2010 foi feita uma ação civil pública, pela Associação Preserva São Paulo, exigindo a manutenção do espaço. Mesmo sendo levado até o STF aparentemente nada foi feito no local para prevenir sua cada vez mais irreversível deterioração.

Piso de madeira podre, consumido por cupins
Em um dos salões do andar térreo do antigo quartel a imagem é desoladora. Madeiramento apodrecido e já quase todo arrancado ou destruído. - São Paulo Antiga

Isso é observado ao caminhar por dentro do complexo, onde podemos ver calhas entupidas vertendo água por fora em todos os cantos, paredes que desabam com tanta umidade esfarelando os tijolos e até com a chaminé do século 19 que jaz deitada sobre o telhado e só não caiu no pátio central por que foi escorada pelo madeiramento do telhado.

Mas se na construção principal o telhado ainda não desabou de vez, o mesmo não pode se dizer de uma estrutura menor cujo telhado e madeiramento caiu quase por completo de tão podre. Mesmo com a estrutura estalando e com risco de cair a qualquer momento, moradores de rua arriscam-se ficar ali pra se esconder do frio.

Assista ao vídeo da nossa visita ao antigo batalhão de guardas:

PODER PÚBLICO SE ESQUIVA

O São Paulo Antiga enviou 5 perguntas ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) e para a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo sobre o que será feito no local, previsão e obras emergenciais. Entretanto limitaram-se a responder com apenas uma nota breve e que pouco esclarece, a qual reproduzo aqui:

"A Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo informa que o antigo Batalhão da Tabatinguera é tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico – Condephaat desde 1981. A Polícia Militar trabalha no desenvolvimento de projetos de restauração para que a edificação seja ocupada por unidades operacionais da instituição. No dia 27 de maio está prevista abertura de licitação para contratação de serviços de fechamento de acessos e de manutenção da proteção de fachada e das janelas."

Pórtico de entrada em ruínas
Do período áureo em que o exército ocupou o quartel restou apenas a frase sobre um dos pórticos - São Paulo Antiga

​RISCO DE DESABAMENTO É REAL E EMINENTE

A resposta vazia causa não só espanto como indignação. Fica evidente a ausência de qualquer plano concreto ou mesmo projeto para transformar o local em algo útil para a população paulistana.

Andar sob a estrutura é ter certeza de que se nada for feito urgentemente tudo ali corre o risco de vir abaixo. Toda a estrutura tem trincos, rachaduras enormes e com muitas das estacas removidas, não é raro ouvir estalos na estrutura.

A região onde está o batalhão necessita urgentemente de investimentos pois é uma das áreas mais deterioradas do centro da cidade. Não muito distante dali, do outro lado do Rio Tamanduateí, existe outra edificação que pertence ao Governo do Estado de São Paulo que também apresenta-se em ruínas: A Casa das Retortas.

Anunciada como futura sede do Museu de História de São Paulo, teve o início de processo restauro em 2009 que consumiu cerca de 120 milhões de reais e nunca foi concluído.

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