Sérgio Augusto, O Estado de S.Paulo
21 de maio de 2022 | 03h01
A rala repercussão da puxada que Mario Vargas Llosa deu em Bolsonaro, numa “charla” em Montevidéu, semana passada, causou mais danos à imagem do romancista peruano do que um eventual prejuízo ao ibope eleitoral de Lula. Nenhum lado ganhou ou perdeu voto por conta do inopinado apoio do escritor à reeleição do presidente.
O nulo impacto da blandície expôs, sim, a frágil relevância atual de Llosa como intelectual público. Cada vez mais inclinado à direita puro-sangue do que ao conservadorismo esclarecido, ao justificar sua preferência com o “argumento” de que Lula foi condenado e preso como ladrão, o ex-quase futuro presidente do Peru se revelou constrangedoramente desatualizado da realidade política brasileira e alheio ao embuste lavajatista.
Torcer abertamente pela reeleição do mais nefando, incompetente e rejeitado presidente da história do Brasil foi um atestado de rotunda má-fé, pois tolo ele, talvez o único bolsominion de Arequipa, não é.
Llosa sabe quem Bolsonaro é ou ambiciona ser; conhece bem a espécie, já que dois de seus romances históricos, A Festa do Bode e Tempos Ásperos, biografam em detalhes uma dupla de ditadores latino-americanos egressos das Forças Armadas: o dominicano Rafael Trujillo e o guatemalteco Castillo Armas.
Nas redes sociais, pouco se falou do grau de tolerância que nos permitimos ter em relação às torpezas de criadores cujo talento (ou mesmo gênio) admiramos ou admirávamos. Nessas horas lembram sempre os casos de assumidos fascistas, como Pound, Knut Hamsun, e reaças do porte de Yeats, Eliot e Borges. Como separar (ou não) suas obras de suas sandices?
Sigo uma regra simples: se a obra (ficcional, poética, etc.) não se deixa contaminar pela sordidez ideológica do autor e dela não faz proselitismo, prevalece a indulgência. É uma questão por demais complexa – sobretudo se na equação incluirmos os filmes de Leni Riefenstahl.
Só vi, na mídia brasileira, uma reflexão, muito boa, por sinal, motivada pelo surto bolsonarista de Llosa, assinada pelo escritor e ensaísta Julián Fuks, no Uol. Eliane Brum também se manifestou, com a necessária veemência, no El País. E mais nada.
Eu acreditava que os preconceitos eurocêntricos e os argumentos inconsistentes do peruano não haviam contaminado sua prosa ficcional, até ler Fuks e, com bastante atraso, um demolidor ensaio do escritor argentino Juan José Saer, Más Allá del Error, publicado no El País, em junho de 1995.
Saer tem Llosa na conta de um mitômano narcisista, verborrágico e irresponsável, “que fez da agitação uma atividade comercial”. Exagero? Exagero é pedir voto para a extrema direita.
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