terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

São Paulo cresce para o alto OESP

 José Renato Nalini*

08 de fevereiro de 2022 | 11h00

FOTO: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

Pode parecer bizarro num país com tanto território, essa preferência pelos edifícios de apartamentos. Houve época em que o “arranha-céus” era sinônimo de progresso. Cópia dos Estados Unidos, nosso espelho? A falácia de que um prédio é mais seguro do que uma casa?

Expliquem os sociólogos, os psicólogos, os urbanistas. A constatação é a de que a capital paulista já possui maior área construída em apartamentos do que em casas. É um levantamento do CEM – Centro de Estudos da Metrópole da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Há vinte e dois anos, a área construída de casas era de 158,4 milhões de metros quadrados e a de apartamentos atingia 104,2 milhões de metros quadrados. Hoje, a residência em prédio ocupa 190,4 milhões de metros quadrados e as casas 183,7 milhões de m2.

Os apartamentos estão diminuindo de tamanho, para poder atrair um comprador que não tem condições de adquirir algo maior. Brotam lançamentos ao lado de estações de Metrô e o discurso é de que a população de baixa renda poderá substituir o carro pelo transporte coletivo. Não é o que acontece. Existe muito investimento para garantir lucro para o empreendedor. A periferia continua refém de transportes caros e mal conservados.

O excesso de edifícios implica em perda de qualidade de vida. Pois há bloqueio da paisagem, perda de insolação, sufocamento de residências. Embora exista Plano Diretor, é fácil deixar de observá-lo. Cita-se como exemplo o Figueira Altos do Tatuapé, que tem cento e sessenta e oito meros de altura e não poderia estar no miolo do bairro, onde a altura máxima é de vinte e oito metros.

Oásis como os Jardins, a City Lapa, o Morumbi, vão perdendo espaço, conquistado pelos edifícios. Jardim Europa e Jardim América prensados por grandes prédios que vão chegando e derrubando mansões. Pior ainda, derrubando árvores, pois a regra é conservar o mínimo de verde.

O fenômeno da gentrificação vai expulsando o pobre para uma periferia cada vez mais distante, enquanto surgem prédios de alto padrão em bairros tradicionais, que abrigavam a extinta classe média.

A especulação imobiliária consegue driblar bem o embate entre “nimbys” e “yimbis”, abreviação de “not in my backyard”, ou não no meu quintal e “yes, in my backyard”, sim no meu quintal. São os movimentos contra e a favor da verticalização, que parece irreversível.

O triste é verificar que sobem os andares e ao redor não se reserva uma área verde compensatória. São Paulo é cinza, não é verde. Não vejo um plantio constante de novas espécies. Ao contrário: assisto, contristado, à motosserra com seu ronco fúnebre todas as manhãs.

Cada vez que se volta a São Paulo de uma viagem, é-se obrigado a permanecer nas alturas, à espera de que Congonhas autorize o pouso. É triste constatar que a Zona Leste é imensa mancha cinzenta.

O Prefeito Bruno Covas prometera plantar uma árvore para cada vítima da COVID. Não vejo sequer menção a essa promessa. Muito menos a intenção de cumpri-la.

Há alguns anos, cheguei a sentir um tremor enquanto dormia. Imagino o que seria um terremoto em São Paulo. Nada impossível de acontecer, Deus nos guarde!

A sanha demolitória também prossegue, implacável. Os bairros vão perdendo sua personalidade. A paranoia da violência, o medo da criminalidade, vai fazendo com que as pessoas se afastem dos espaços que deveriam ser para o convívio amistoso.

Há muitos seres que vivem trancados em seus apartamentos. Os jovens, dependentes das redes sociais, podem apresentar sintomas patológicos. Sem falar que o condomínio é uma concentração de solidões. A incivilidade chega ao ponto de se entrar no elevador e não se dizer um “bom dia”. Agora menos, pois o pavor da contaminação por Covid faz com que as viagens sejam exclusivas. Sobe-se solitariamente até o seu andar. Quanto menos se encontrar com outras pessoas, melhor.

Os Romanos tinham razão quando diziam: “Condominium, mater rixarum est” ou, o condomínio é a mãe de todas as rixas. O Fórum tem uma crônica permanente das encrencas geradas no âmbito desse espaço que se procurou, foi adquirido com sacrifício e que depois se converterá num transtorno.

Isso não impede que São Paulo – e todas as demais cidades – continuem a crescer para o alto. Adeus pomares, hortas e jardins. É a civilização, o progresso, a civilização que chegou com os seus paradoxos.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022


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