O governo federal coreografou com esmero o anúncio do que todos sabiam seria má notícia: a área desmatada na Amazônia voltou a crescer, chegou a 11.088 km² e ultrapassou o temido limiar de 20% de floresta destruída. O esforço de relações públicas, porém, não afasta a péssima repercussão da estatística.
Em lugar de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente responsável por políticas de preservação (em realidade, seu desmonte), a encenação no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) foi comandada por Hamilton Mourão, vice-presidente da República à frente do Conselho da Amazônia.
Se Salles não pode aparecer, o mais correto seria o presidente Jair Bolsonaro demiti-lo.
O general passeou pelas dependências do Inpe e celebrou o apuro tecnológico da instituição na montagem e testes do satélite Amazônia-1. O afago não deixa de ser um progresso, para um governo cujo chefe já acusou pesquisadores de sabotar a imagem do Brasil.
Mourão disse não haver o que comemorar nos 11.088 km² de devastação. De fato, o dado representa quase o triplo da meta no Plano Nacional de Mudança Climática (3.925 km²) e, na prática, inviabiliza compromisso que o país assumiu no Acordo de Paris.
Trata-se da maior cifra desde 2008, a segunda com cinco dígitos sob Bolsonaro e a primeira inteiramente em sua alçada, já que abarca o período de agosto de 2019 a julho de 2020. Não há como isentar-se de responsabilidade.
Muito menos se sustenta a narrativa delirante que nega haver destruição, atribuindo a reação doméstica e internacional a uma conspiração contra o Brasil. Enquanto o general faz mesuras, Salles avança com a missão de manietar Ibama e ICMBio, que teriam meios, experiência e atribuição legal para proteger a floresta.
Assim como no fracasso do combate à pandemia com um general no Ministério da Saúde, Bolsonaro põe as Forças Armadas na linha de tiro transferindo-lhes a contenção da crise amazônica.
Mourão sustenta que a situação melhora, agarrando-se à desaceleração do incremento no desmate (em 2019 a taxa havia sido de 34%), mas não existe cortina de fumaça retórica capaz de camuflar um polígono de 110 km por 100 km.
Com esses 11.088 km² de floresta derrubada, cruza-se o limite inferior da margem projetada por cientistas (20% a 25%) para que o bioma entre em colapso, com a interrupção da turbina de umidade que o sustenta e garante chuvas para a maior parte do setor agrícola.
No ritmo atual, tal desastre pode tornar-se a grande e nefasta obra de Bolsonaro na Amazônia.
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