Confesso que fiquei chocado ao ler a reportagem de Amanda Lemos publicada nesta Folha sobre nomes de marcas, como Tesão de Vaca, Meu Cookie Brilha, que foram vetadas pelo poder público por ofender a moral e os bons costumes. É inconcebível que, em pleno século 21, um órgão de Estado, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), gaste recursos fazendo o papel de polícia do pensamento.
E o ridículo torna-se também estúpido quando se considera que estamos falando de atividades de mercado. Se o empresário escolher um nome que seja percebido como ofensivo pelo público, é a sua marca que sofrerá, na forma de vendas reduzidas ou até de boicote explícito. É uma daquelas situações em que abusos já vêm com punição automática, sem a necessidade de intervenção do poder público.
O argumento de que o Inpi está apenas cumprindo a Lei de Propriedade Industrial (lei nº 9.279), que é quem de fato impõe o veto a marcas que contenham "expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes" (art. 124, III), é bem relativo. O diploma, afinal, não impede os técnicos de liberar todos os pedidos de registro, já que inexiste critério objetivo para definir o que seja ofensivo à moral e aos bons costumes. E, como sabe qualquer estudante de primeiro ano de direito, "in dubio, pro reo".
Termino com uma sugestão para os empresários que tiveram o registro de sua marca negado pelo Inpi. Reapresentem sua demanda ao Estado, não como marca, mas como nome de igreja ou símbolo religioso, o que deve conferir alguma proteção. Numa dessas assimetrias legais difíceis de entender, o artigo 44 do Código Civil proíbe o poder público de negar reconhecimento e registro a organizações religiosas, que são livres para organizar-se como bem entenderem e, em princípio, não estão sujeitas a vetos apriorísticos por não estarem de acordo com a moral e os bons costumes.
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