Antitruste não é simples. São processos raramente abertos contra grandes corporações, demoram anos, se sabemos como começam é impossível imaginar como terminam. A pena maior, que é a da divisão da empresa, é tão drástica que raramente se aplica. Os últimos destes grandes processos nos EUA foram contra IBM (anos 1970), AT&T (1980) e Microsoft (1990). IBM e Microsoft saíram transformadas, porém inteiras.
Assinaram acordos com o governo. A AT&T foi dividida. Este novo, aberto esta semana contra o Facebook, tem esse tamanho. É grande — muito grande. A FTC, agência federal que regula o livre mercado nos EUA, pede a pena máxima. Agressivo assim. Vai certamente demorar anos. E os executivos do Facebook já vêm se preparando faz tempo para essa briga.
São dois processos parecidos, um da FTC, o outro simultâneo, tocado por 46 dos 50 Estados americanos. Ter um monopólio não é crime. Abusar da condição para evitar que rivais surjam, é. Os procuradores-gerais estaduais e a agência dizem que o Face fez justamente isso. E o fez através de aquisições. A cada empresa que comprou — destacam Instagram e WhatsApp — estava evitando que um mercado com livre concorrência se formasse. Primeiro pela captura daqueles com potencial de virarem grandes no seu ambiente. E, segundo, por usar seu poder para sugar do mercado ideias inovadoras que pudessem ameaçar seu domínio. Foi o que fez com o Snapchat.
O Facebook tem contra-argumentos. O primeiro, e mais difícil para a FTC, é que ambas as compras, de Insta e Zap, foram aprovadas. A agência funciona também como um Cade americano, tendo de autorizar certos negócios. Fez as perguntas que quis, analisou os documentos que precisou, no caso do Instagram a autorização já era polêmica na época e, ainda assim, a aquisição foi liberada. Não pode, alegam os advogados da Big Tech, agora voltar atrás e dizer que é anticompetitiva a prática que eles mesmos autorizaram.
É, de longe, o ponto mais frágil da acusação da agência. Não é só isso. Os advogados também argumentam que enxergar o negócio do Facebook como o das mídias sociais é um erro. O seu ramo envolve o da publicidade online e o da disputa pela atenção de quem usa o digital. E, assim, tem competidores globais como Apple, Google, Amazon, Microsoft, Twitter, Snap e TikTok.
E aí esta seria uma discussão se a briga fosse uma entre o governo dos EUA e o Facebook. Só que não é. Outro processo antitruste já foi aberto contra o Google, não deve ser o único, e processos são esperados contra Amazon, mais amplo e, contra a Apple, mais específico, tratando da loja de aplicativos para iPhone e iPads. Isso apenas nos EUA. A União Europeia prepara uma batelada de leis e regulamentações para mudar radicalmente a relação das Big Techs e seus algoritmos com os cidadãos. A Alemanha abriu uma investigação sobre o Facebook e sua compra da empresa de realidade virtual Oculus. A Austrália e o Canadá também estão com procedimentos.
Aquele mundo que foi não será mais. Um conjunto de quatro ou cinco empresas tem um poder imenso sobre algo como metade da população mundial. Sabe como reagimos emocionalmente perante situações dadas, conhece cada detalhe de nossos rostos, e com os algoritmos certos e câmeras apontadas pode dizer se estamos entediados, felizes, arrasados. Sabe em que dia do mês estamos mais propensos a compras, desconfia com muita proximidade sobre em quem votamos nas eleições passadas. Sabe, até, que busca fazemos quando é madrugada, a casa está em silêncio e achamos que ninguém nos observa.
Estas empresas não controlam de todo suas tecnologias, mas em breve o farão. É, simplesmente, poder demais.
*É JORNALISTA
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