Terceiro colocado na corrida à Prefeitura de São Paulo, Márcio França (PSB) indicou em entrevista à Folha que tenta atrair o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, para sua órbita e a do ex-ministro Ciro Gomes (PDT), que foi aliado do ex-governador na eleição paulistana e é presidenciável para 2022.
"Se o Kassab faz um movimento como esse, rumo ao Ciro, seria importante", disse ele, incluindo na costura de um eventual projeto nacional o prefeito reeleito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD).
França, que é tido como negociador habilidoso e se descreve como alguém pragmático, revelou ainda ter expectativa de ganhar como colega no PSB o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B).
Para o ex-governador, Bruno Covas (PSDB) foi para o segundo turno contra Guilherme Boulos (PSOL) e venceu porque preencheu um espaço de "meio" (ou "miolo") que ele almejava ocupar.
Que balanço faz do seu resultado? Claro que, quando a gente entra, quer ganhar. Consolidei um espaço importante na capital, que eu não tinha. Consegui encontrar uma espécie de um "segundo meio", porque o meio estava ocupado pelo Bruno, que era o favorito para ir ao segundo turno, e o meu eleitor é desse lugar, não é de uma das pontas.
Por que o sr. não foi para o segundo turno? Os tucanos primeiro tentaram cravar o [Celso] Russomanno [como adversário] e, quando viram que ele não se segurou, foram em busca de uma segunda alternativa, o Boulos, que foi uma presa fácil. Sabiam que, se eu fosse para o segundo turno, seria um desastre para eles, entraria no eleitorado de todos os lados.
Aponta algum erro da sua campanha? Olha, na análise eleitoral pós-eleições, tudo fica meio óbvio. Evidentemente, a doença [câncer] em uma pessoa jovem, a valentia do Bruno foram fatores importantes e o consolidaram no miolo. Aí o meu espaço de miolo ficou ocupado. Se eu ficasse jogando só com as posições de esquerda, eu não conseguiria. [Ficaria] como da outra vez, aquela história de Márcio Cuba.
Seu encontro com Jair Bolsonaro em agosto teve algum impacto? A política exige uma certa maleabilidade, até porque no segundo turno você precisa fazer movimentos. Na outra eleição, eu tive uma policial na vice. Ela era bolsonarista.
O sr. saiu de 3,3 milhões de votos no segundo turno na capital em 2018 para 728 mil neste ano. Essa comparação conduz a um equívoco, porque no segundo turno as pessoas não votaram em mim. Votaram contra o Doria. O voto não era meu.
Tinha um fato nesta eleição que era real, é que eu não tinha uma vida consolidada em São Paulo.
O sr. apostou novamente na retórica anti-Doria. Enquanto houver um Doria, haverá um anti-Doria em São Paulo. E hoje eu estou consolidado [nesse papel], não é alguém do PT nem do Bolsonaro.
Além da sorte, o Doria tem outras qualidades. É determinado, obstinado, acorda cedo. Ele não tem é sensibilidade social. E não entende nada de administração pública. Mas vai sendo empurrado pelo PSDB, que é uma máquina. Ele sai consolidado desse processo, pronto para 2022. Ele, o Ciro e o Bolsonaro.
Concorda com a leitura de que Boulos saiu como líder de peso na esquerda? Foi uma passagem positiva, mas serviu muito mais individualmente, porque ninguém pode supor que o PSOL vá ter uma candidatura a presidente da República competitiva. Quando chegar ao interior, em Araraquara, em Fernandópolis...
E se ele consolidar a frente de esquerda que quer construir? O problema de frente... É igual à história da Marta [Suplicy]. Todo o mundo fala em frente, desde que seja o líder da frente.
Ao declarar neutralidade no segundo turno, o sr. disse que não aceitava empurrões. De quem? Do PDT? Não, do PDT não. Havia uma coisa assim: tem que ser com o Boulos. Mas por que eu tenho que apoiar o Boulos se ele há dois anos não declarou voto em mim?
Eu não tinha razão para fazer esse movimento. O que me encanta são desafios. Você sai de uma eleição e começa outra. E como você vai depois chegar e falar que apoia o Boulos lá em Piracicaba? Se eu já era [considerado] de esquerda lá, você calcula o Boulos.
Tenho um histórico de convivência partidária, mas eu não tenho esse perfil de mais radical. O eleitor mais jovem, universitário, me acha muito pragmático. Quer uma opção mais romântica. Eu não disputo para ir para segundo turno, disputo para ganhar. Eu não era candidato a ser líder de esquerda.
Ficou algum atrito com seu partido, cuja direção nacional orientou apoio a Boulos? Não. Temos uma relação muito antiga. Eles me respeitam bastante, sabem que os meus movimentos têm a ver com sobrevivência eleitoral.
O momento estava para candidatos mais ao centro e mais experientes. Eu estava certo nessa análise. E, no meu caso, se não sou candidato, eu desapareço, porque não tenho um partido grande.
Seu futuro é ser candidato a governador em 2022? Com essa posição, o meu nome está colocado, é sempre um player aqui no estado. Não tem muita alternativa. O partido não tem outra figura que esteja à disposição.
É claro que a ideia é disputar. O meu nome, se fizerem pesquisa hoje, vai estar lá. Mas eu posso sair a governador, a vice-governador, a senador, não sair a nada. A eleição de governador é determinada pelas circunstâncias das eleições nacionais.
Como estão as costuras? Suponha que saia uma chapa tipo Kalil presidente da República, com Cid Gomes [senador do PDT e irmão de Ciro] vice, por exemplo. Aí acerta Pernambuco, acerta Ceará, entra São Paulo, e pronto, já está feito um enquadramento. É um eixo [possível].
O Kassab joga um papel importante aí. E há um papel importante agora que vai ser jogado pelo Flávio Dino, que eu sinto que está de mudança.
Para o PSB? Acho que sim. Sou muito amigo do Flávio. Ele é brilhante. Foi o melhor deputado que eu conheci em Brasília. O movimento dele vai ser o mais importante dos próximos dias. O PC do B está com um problema [com a cláusula de barreira]. Ou eles migram para algum canto ou vão ser diluídos.
Quem saiu vitorioso desta eleição, na sua opinião? Foram três grandes vitoriosos. O Kassab botou uma candidatura em São Paulo sem chamar muita atenção [Andrea Matarazzo] e sem brigar com ninguém. E foi muito bem no estado e no Brasil. Ele é um player nacional relevante, está descolado do centrão.
O Doria é um vitorioso pela sorte. E o Ciro tem uma persistência cívica. No Nordeste, a junção PSB-PDT teve bons resultados. Além disso, percebo o Kalil como uma estrela em ascensão, é ligado ao Kassab e amigo do Ciro. Vejo nisso aí uma certa chance, um certo alinhamento.
Se o Kassab faz um movimento como esse, rumo ao Ciro, seria importante. Sinto que o Kassab não tem simpatia pela engenharia PSDB-DEM. Conheço o jeitão dele. Ele não tem nada a ver com o Doria também. Ele é rival do DEM.
O sr. tem falado com PDT, Kassab, PC do B, Solidariedade, Avante. Conversou também com Boulos e Geraldo Alckmin. Sobre o quê? O Boulos eu cumprimentei. Foi um desempenho bacana para um rapaz novo.
O Alckmin me ligou para me cumprimentar. Disse: 'Olha, eu fui terceiro colocado [na disputa para prefeito em 2008] e saí disso para governador'.
Quem é mais preparado para ser presidente: Doria ou Bolsonaro? Não sei o que vai acontecer... Do ponto de vista ideológico, o Bolsonaro é mais radical, né?
O Doria é um adversário perigosíssimo também para o próprio Bolsonaro. É mais cara de pau, né? O Doria vai se abraçar no Lula, não tenha dúvida, se precisar ele vai se agarrar no [Nicolás] Maduro. Ele não tem nenhum problema com isso, é bem pragmático.
E qual dos dois é mais preparado? Difícil, né? Acho ambos despreparados. O Bolsonaro é mais sincero, mais autêntico. O Doria é um moço mais elaborado, fala duas ou três línguas, estudou.
A gente vai fazer todo o possível para que tenhamos mais opções. O Ciro é um player hoje relevante. A persistência cívica dele é admirável. É um cara preparado.
E Luciano Huck, é viável? É um nome simpático para todo o mundo. Agora, e qual é a disposição real? Porque, na hora em que você tem que assinar a ficha e se filiar, é difícil, né? Você é uma certa unanimidade, no dia seguinte passa a não ser.
Em dezembro de 2018, em entrevista à Folha, o sr. disse que, se o modelo de extremos daquela eleição falhasse, a política seria convocada. Já chegamos a este momento? Sim. Esse movimento estreou na eleição de 2020, mas vai desaguar com muito mais força na próxima, porque a crise social não vai diminuir, vai aumentar.
Em São Vicente, seu berço político, como fica a sua situação após a derrota de seu cunhado Pedro Gouvêa (MDB)? O Kayo [Amado, eleito pelo Podemos] foi quem mais lutou para ser prefeito. Mas é uma cidade muito difícil, um teste de fogo. O orçamento é baixo e a população depende muito do serviço público.
É claro que o ideal é ganhar, né? O Pedro fez um trabalho tecnicamente correto. Pegou a cidade destruída. Se eu ganho a eleição de governador, teria uma série de facilidades. Com o Doria, foi o contrário: cortou os convênios, dificultou. Nada que não fosse previsível.
RAIO-X
Márcio Luiz França Gomes, 57
Formado em direito, foi oficial de Justiça antes de entrar na política como vereador e duas vezes prefeito de São Vicente (1997-2004). Sempre filiado ao PSB, teve dois mandatos como deputado federal (2007-2015). Em 2014 se elegeu vice-governador na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB). Assumiu o governo em abril de 2018, com a renúncia de Alckmin para concorrer à Presidência. Disputou a reeleição contra João Doria (PSDB) e perdeu no segundo turno (por 52% a 48%). Neste ano, ficou em terceiro lugar na disputa pela Prefeitura de São Paulo, com 728.441 votos (13,64%), tendo Antonio Neto (PDT) na vice
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