A areia que preenche a praia de Mogán, nas Ilhas Canárias, na Espanha, veio do Saara. Mais especificamente do Saara Ocidental, uma região que busca a independência do Marrocos, mas é alvo de repressão.
Em dezembro, por exemplo, um carregamento de 1.250 toneladas do material veio daquela região, mostra uma das investigações jornalísticas retratadas no documentário "Ocupación S.A.". "A economia das Canárias se move principalmente pelo turismo e pela construção. E ambos se nutrem da areia do Saara", comenta a jornalista Natália Vargas, entrevistada no filme.
Esse documentário, co-produzido por equipes de Espanha e do Brasil, será lançado online na quinta-feira (10) e ficará disponível em seguida no site Mundubat, com acesso gratuito.
A produção parte de investigações que analisam uma série de negócios do país europeu no Saara Ocidental. Cada setor vai sendo destrinchado a partir de depoimentos de jornalistas, pesquisadores e pessoas envolvidas, intercalados com infográficos e animações para explicar a história daquele território.
Os relatos mostram que se trata de uma questão complexa: como o Saara Ocidental é considerado uma área em disputa, há restrições para negócios com aquela região, determinadas pela União Europeia.
Para driblar os bloqueios, as empresas estrangeiras recorrem a estratégias, como ter proximidade com políticos espanhóis de esquerda e de direita e fazer os produtos vindos do Saara mudarem de mãos muitas vezes.
Com isso, os europeus ficam sem saber de onde vem a areia da praia ou o polvo cozido do jantar. Só a importação de pescados do Saara Ocidental rumo à Espanha movimenta 1,6 bilhão de euros anuais (cerca de R$ 10 bilhões), segundo os entrevistados.
Assim, com uma série de exemplos, o filme busca mostrar que a ocupação do Saara gera muitos lucros para as empresas espanholas e para o governo do Marrocos, enquanto a população da área ocupada, cerca de 650 mil pessoas, não se beneficia das riquezas de sua própria terra e é reprimida ao questionar a situação atual.
Companhias espanholas vendem combustíveis e armamentos, muitas vezes de modo disfarçado, às autoridades marroquinas. Essas armas acabam usadas para conter os protestos por independência. O filme mostra relatos de ativistas que tiveram ferimentos graves feitos pela polícia e que se exilaram em busca de uma vida mais segura.
Algumas das empresas citadas responderam ao documentário que não fazem nada ilegal. Já a maioria delas preferiu não comentar.
O Saara Ocidental, com 266 mil km² de território (um pouco maior que o Piauí) e quase todo desértico, é uma ex-colônia espanhola. Nos anos 1960, foram descobertas ali reservas de fosfato, material usado em fertilizantes, o que aumentou o interesse sobre a área. No fim da ditadura de Francisco Franco, na década de 1970, os moradores locais tentaram a independência, mas o Marrocos invadiu a região. A Espanha, que retomava sua democracia, não contestou.
Em seguida, houve uma guerra de cerca de 15 anos entre os sauaris e os marroquinos, que terminou com um cessar-fogo em 1991. O acordo previa a realização de um plebiscito para que os sauaris decidissem se queriam se unir ao Marrocos. No entanto, a votação não foi realizada até hoje, por falta de acordo sobre como fazê-la, já que o governo marroquino enviou muitos colonos para morar na região.
A Frente Polisário segue lutando pela independência. Em novembro deste ano, o grupo acusou o governo do Marrocos de violar o cessar-fogo ao realizar uma operação militar para liberar uma estrada ocupada pelos separatistas, no que pode dar início a um novo ciclo de confrontos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário